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Mostrando postagens de setembro, 2023

O ESTRANHO (2023) Dir. Flora Dias e Juruna Mallon

A vida imersa nos subterrâneos de Guarulhos Texto de Marco Fialho O mínimo que se pode dizer de "O estranho", filme dirigido por Flora Dias e Juruna Mallon é o tanto de surpresas que transborda dele. Tudo aqui é inesperado e incomum, desde a história até a narrativa que a cada momento parece que vai para um lado, o que torna o todo bastante desorientador. O filme, foi exibido na mostra Fórum, no Festival de Berlim.  Logo nos primeiros planos aparecem imagens de um pedaço de montanha, pedras e limos. A câmera passeia em planos próximos até que há um corte para o inusitado: começamos a ver imagens em flashes, cada uma delas com uma data diferente. Assim, de repente a temporalidade se expande em datas desconexas: 1590, 1932, 1893, 1677, 1492. Apenas um elo entre tudo, o do espaço, o do território. Todas as imagens remetem a Guarulhos, o aeroporto.  O mais interessante é como Flora e Juruna constroem uma narrativa nada fluida, que vagueia ora pela ficção, ora pelo documentário, o

LLAMADAS DESDE MOSCÚ (2023) Dir. Luis Alejandro Yero

Texto de Marco Fialho "Llamadas desde Moscú" é  um filme cubano exibido na mostra Território no CineBH 2023, do realizador Luis Alejandro Yero. O que mais chama atenção nesse trabalho é o fato dele ser  todo realizado por meio de chamadas telefônicas.  Esse formato escolhido pelo diretor pretende discursar justamente sobre o território, quando nas imagens o mesmo está completamente subtraído, ou reduzido a minúsculos espaços, como banheiros e salas de um apartamento em Moscou.  Nas falas são reveladas situações de dificuldade financeira tanto em Cuba quanto em Moscou, em permanentes críticas abertas tanto a Raul Castro e seus aliados quanto a Putin, presidente russo. Esse é um documentário assentado em sensações e relatos de vivência em territórios onde a liberdade individual está em jogo.  Não posso deixar de registrar um certo desconforto em relação ao filme, pois a ausência de imagens dos territórios em questão reduz muito a experiência a depoimentos que podem ser fabricad

MOTO (2022) Dir. Gastón Sahajdacny

Um retrato de uma Córdoba vindo da periferia Texto de Marco Fialho Para percorrer um território, nada melhor do que estar em uma moto ou bicicleta. Esses são os veículos dos protagonistas de "Moto", filme argentino dirigido pelo estreante Gastón Sahajdacny. Mariano e Constanza nas suas horas vagas se encontram e tentam dividir algum momento de paz e amizade em meio a um ambiente nada amigável. O diretor explora longos planos de moto e bicicleta pela cidade e periferia de Córdoba para revelar aspectos sociais poucos conhecidos e retratados no cinema, de personagens que não são bem-vindos pelo sistema. A lentidão dos planos pode cansar ao público menos habituado à narrativa que caminha sem grandes solavancos, entretanto, Gastón persiste até o fim com a sua visão própria de cinema, que passa ao largo das concepções que habitualmente vemos no mercado cinematográfico. Enquanto o filme mostra conversas entre os dois jovens, ouvimos os anúncios de medidas governamentais que permitem

ZÉ (2022) Dir. Rafael Conde

Tema de ontem, tragédias de hoje Texto de Marco Fialho O filme "Zé", dirigido por Rafael Conde (diretor homenageado desta edição) abriu a 17° Mostra CineBH 2023 e arrancou muitos aplausos da plateia presente no Cine Theatro Brasil Vallourec. A trama transcorre em plena ditadura militar e narra a história do militante político José Novaes Mata Machado, filiado à Ação Popular, em um contexto de severa perseguição militar.  Creio que a maior ambição do diretor foi a de reconstruir por dentro o clima de angústia de quem militava clandestinamente contra o sistema vigente, numa época em que as ameaças à integridade física de opositores políticos estava profundamente ameaçada pelo regime ditatorial. Mas assistir a "Zé" logo após o governo autoritário do ex-presidente Jair Bolsonaro também faz diferença. Como não relacionar esses dois momentos que foram os mais pavorosos de nossa história política?  As opções narrativas de Conde também reforçam o clima pesado do filme. Enqu

COBERTURA DA 17° MOSTRA CINEBH 2023 (26 de setembro a 1° de outubro)

INÍCIO DA COBERTURA DA MOSTRA CINEBH 2023 LINKS PARA MATÉRIAS NO FACEBOOK E INSTAGRAM  Análise do que vem por aí na MOSTRA CINEBH 2023 https://cinefialho.blogspot.com/2023/09/mostra-cinebh-2023.html?m=1 Abertura (imagens) https://www.instagram.com/p/CxrkLpaOOLw/?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ== Zé https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid02yzoErqoygRxeFnE4DPY85y8CvfhTqA1awqQVykUA5wrWBweyUoSuMFHbSfCCydR4l&id=100000609831923&mibextid=Nif5oz https://www.instagram.com/p/Cxsl2yar2gV/?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ== Mato Seco em Chamas https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid0LENaHdGeV3hMSmUkPGDdyQ6x3uBKVoawr4S3qS7kUbYSebDCYj9EKLmyV5pALXWhl&id=100000609831923&mibextid=Nif5oz VÍDEOS ESPECIAIS Apresentando o Palácio das Artes https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid0SQFgJXtzut72VX24bpt3tUij3BtBkDJJxnspyGYLhYrkP7sVp6AVNN4yr12N8En8l&id=100000609831923&mibextid=Nif5oz https://www.instagram.com/reel/CxvCbebrV49/?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ== ANÁLISE EM TEXTO DOS FILMES Z

AFIRE (2022) Dir. Christian Petzold

A escritura de Leon e a câmera desveladora de Petzold  Texto de Marco Fialho Filme a filme o cineasta alemão Christian Petzold vem se destacando como um artista consistente. "Afire" vem confirmar essa impressão. É instigante o quanto o diretor vai a cada nova sequência mudando as expectativas da trama. Há uma riqueza narrativa indubitável e nesse texto vamos falar e discutir muito sobre ela.  Petzold inicia "Afire" com a promessa de que veremos Leon (Thomas Schubert), um jovem escritor indo para a casa de campo do amigo Felix (Enno Trebs), em busca de tranquilidade para terminar o seu próximo livro. E claro que isso é o que não acontece. A cada novo dia, Leon vai se complicando na escrita, na medida em que se apaixona por Nadja (Paula Beer) moradora inesperada da casa e cai numa progressiva dispersão de sua atenção. O filme então dá essa guinada, para se focar mais nessa relação nada fácil entre Leon e Nadja.  Interessante como Petzold encaminha o filme para ser sob

PÉROLA (2022) Dir. Murilo Benício

Flashbacks repletos de emoção e carinho  Texto de Marco Fialho Murilo Benício já demonstrara ousadia desde o primeiro filme que dirigiu, ao ir para além da ideia de adaptação e propor uma releitura cinematográfica do pensamento de Nelson Rodrigues ao filmar "O Beijo no Asfalto" (2018). Agora, em sua segunda investida no cinema como diretor, Benício apontou a câmera para uma outra adaptação teatral, o sucesso "Pérola", do dramaturgo Mauro Rasi. Em comparação, ainda fico bem mais balançado por "O Beijo no Asfalto", mas não nego que "Pérola" tem lá seus muitos encantos e belezas.  Pra começar, "Pérola" tem muita emoção, é quase o tempo todo carregado de sentimentos que Benício tratou de não burilar muito, o que faz a obra ter uns excessos aqui e ali em vários âmbitos, seja na construção dos personagens seja na parte visual, com uma fotografia de Kika Cunha que privilegia cores vibrantes e uma intensidade de imagem bem delimitada. Vale lemb

ESTRANHA FORMA DE VIDA (2023) Dir. Pedro Almodóvar

Um Almodóvar literalmente menor Texto de Marco Fialho "Estranha forma de vida" pode ser vista no âmbito da obra de Almodóvar como uma obra menor, e digo isso não pela sua duração, mas pelo impacto artístico que ela proporciona. Como o filme possui apenas 30 minutos de duração, a distribuidora O2 Play juntou uma entrevista com o diretor de 50 minutos (que poderia ter pelo menos uns 10 minutos a menos), formando assim uma sessão de 80 minutos. Quero deixar claro, que a ideia de exibir curtas dentro do mercado de cinema uma ótima iniciativa, recentemente, a Embaúba Filmes lançou "Vaga Carne" e "Sete anos em maio" juntos e foi uma excelente estratégia para dar oportunidade a filmes que não chegariam ao mercado tal como ele está estruturado.  Em "Estranha forma de vida", o diretor espanhol visita o gênero faroeste para trabalhar as velhas questões que povoam o seu universo: o sexo e o amor entre homens e o melodrama. O filme narra a história do reenco

MOSTRA CINEBH 2023

CineBH vem aí mostrando novos diretores da América Latina Texto de Marco Fialho É a primeira vez que o CineFialho irá cobrir no modo presencial a Mostra CineBH, evento organizado pela Universo Produção. Também, por coincidência é a primeira vez que a mostra terá inserido um formato competitivo. Nessa matéria falaremos um pouco da programação da mostra, de como a curadoria coordenada pelo experiente Cleber Eduardo, montou a grade final extensa com 93 filmes a serem exibidos em 8 espaços de Belo Horizonte, em apenas 6 dias (26 de setembro a 1º de outubro). O que atraiu o CineFialho a encarar essa cobertura foi o ineditismo da grande maioria dos filmes e a oportunidade mais do rara, única mesmo, de conhecer uma produção independente realizada em países da América Latina como Chile, Colômbia, México, Peru, Paraguai, Cuba e Argentina, sem esquecer lógico do Brasil.  Lemos com atenção toda a programação ofertada e vamos para BH cientes da responsabilidade de que vamos assistir a obras difere

A CRÔNICA DOS BICHOS (crônica)

Bichos do céu, da terra, da água e do ar Texto de Marco Fialho O bom de passar uns tempos numa cidade pequena começa pela mudança de hábitos. Como alguns já sabem, venho para Búzios de vez em quando para fugir do ritmo de vida e neurose típicos de uma grande cidade. Em Búzios, fico em um bairro minúsculo chamado Vila Caranga, um misto de área suburbana com uma vila de pescadores decadente. Ainda se vê algumas casas que lembram a dos pescadores na Vila Caranga, mas recentemente as casas muito desgastadas estão sendo vendidas e reformadas, muitas para alugar para pessoas que querem visitar turisticamente a cidade de Bardot.  Ao andar pela Vila Caranga, ainda se percebe sua origem humilde e isso é a melhor parte do bairro, assistir a uma vida cotidiana simples de pessoas que ainda sabem quem são os seus vizinhos, que frequentam a mesma pequena padaria e o minimercado do bairro, que ainda mantem um certo charme daquelas vendinhas de antigamente que eram tão fácil de se encontrar nos subúrb

BENJAMIN ZAMBRAIA E O AUTOPANÓPTICO

Manipulando a película, o personagem e a vida Texto de Marco Fialho Um primeiro alerta se faz necessário. "Benjamin Zambraia e o autopanóptico", dirigido por Felipe Cataldo não é exatamente um filme industrializado, perfeitamente embalado para ser exibido nessas salas perfumadas dos multiplex da vida, ou melhor, dos shoppings centers, esses templos do consumismo desenfreado. Diríamos que este é um filme com pretensões pré-industriais, filmado em película e cheio de intervenções artesanais, em que a fotografia e o som são construídos por diversas camadas, não só na filmagem como fundamentalmente no processo de finalização. É um filme fundamentalmente para amadores (no sentido que o crítico francês Jean Douchet delineou ao termo), para aqueles que buscam no cinema uma experiência para além do mundo da razão.   Felipe Cataldo realiza o filme a partir de "Benjamin", segundo romance de Chico Buarque, mas devotado da mais imperiosa das verdades cinematográficas, a da conv

ELIS & TOM, SÓ TINHA QUE SER COM VOCÊ (2022) Dir. Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay

Do conflito ao esplendor Texto de Marco Fialho O disco "Elis & Tom" bem que poderia estar na minha página de crônicas chamada "Músicas que habitam em mim" (que por enquanto está adormecida), porque este foi um álbum que encheu de vida minha existência, lá numa época quando eu vivia arte imaginando que todos também estavam na mesma vibração, pensamento típico de quem está em um espaço de privilégio e acha que o mundo é uma extensão de si mesmo. Mas que baque foi assistir ao documentário sobre os 50 anos desse trabalho que marcou a nossa vida musical. "Elis & Tom, só tinha que ser com você", dirigido por Roberto de Oliveira (em parceria com Jom Tob Azulay), justamente o idealizador do encontro do nosso maior compositor com a nossa maior intérprete. O filme em si trata de um outro encontro, o do presente com o passado, pois Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay misturam com muita destreza depoimentos de hoje com imagens registradas nos anos 1970. Estru

LÚCIO FLÁVIO, O PASSAGEIRO DA AGONIA (1977) Dir. Héctor Babenco

Do esquadrão às milícias: o desnudar de um poder mesquinho e violento Texto de Marco Fialho Héctor Babenco foi um dos cineastas que mais se esforçou em realizar um cinema com um bom acabamento visual e que ao mesmo tempo dialogasse com um público mais amplo. Em vários de seus projetos ele foi bem sucedido nessa empreitada, podemos lembrar de "Carandiru" (2003), "O beijo da mulher aranha" (1984), "Pixote, a lei do mais fraco" (1980) e "Lúcio Flávio, o passageiro da agonia", uma adaptação interessante do livro de José Louzeiro, que também colabora com o roteiro, que ainda contou com a participação do chileno Jorge Durán e de Babenco (curiosamente, dois estrangeiros), um filme construído com todos os elementos clássicos de um filme policial, onde o bandido está em fuga.    A trama é simples, acompanha os momentos finais da vida bandida de Lúcio Flávio, um fora da lei à brasileira, embora fosse um homem branco de olhos verdes e cabelo quase comprido.

GYURI (2022) Dir. Mariana Lacerda / COMO FOTOGRAFEI OS YANOMAMI (2018) Dir. Otavio Cury

A beleza própria de um povo da floresta: os plurais Yanomami   Texto de Marco Fialho "Gyuri" e "Como fotografei os Yanomami" são dois documentários que esbarram em alguns temas em comuns. Ambos, tratam da Nação Yanomami, tem em comum a fotografia e o líder indígena Davi Kopenawa, que é Yanomami. Mas os filmes também possuem entre si diferenças consideráveis e delas comentarei aqui nessa dupla análise.  "Como fotografei os Yanomami" parte de uma pesquisa acerca de profissionais da enfermagem e sua dedicação em cuidar dessa imensa população que habita na floresta, em lugares muitas vezes inacessíveis. Apesar de ser um bom documentário, a obra de Otavio Cury peca por retratar muito mais o ponto de vista do homem branco sobre essa cultura, aqui tratada como exótica, basta ver a longa discussão sobre o incômodo que os Yanomami sentem ao serem fotografados. Isso porque eles não querem rever os seus antepassados mortos registrados em imagem, pois eles começam a c