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PRISCILLA (2023) Dir. Sofia Coppola


Texto Marco Fialho

A primeira nota a ressaltar sobre Priscilla é o quanto o filme tem a marca, o selo Sofia Coppola. Tanto o uso constante dos planos detalhes quanto os movimentos de câmera, além de recursos musicais muito característicos da diretora, estão presentes em Priscilla.

Sofia Coppola dedica o seu filme inteiramente a sua personagem e a delimita em suas emoções contidas, com planos executados com precisão milimétrica. Coppola mostra-se hábil no exercício de sua mise-en-scène, construindo uma personagem sólida cena a cena e demonstrando o quanto a câmera tem o poder de posiciona-la perante ao mundo. 

Uma das grandes sacadas de Sofia Coppola é  situar Priscilla Presley (Cailee Spaeny) dentro de um universo glamouroso e aprisionante. Na verdade, a diretora desconstrói em menos de duas horas a vida glamourosa da menina que como tantas sonhavam em casar com o maior nome do pop mundial, o cantor Elvis Presley. 

Algo que incomoda em Priscilla é a atuação apática de Jacob Elordi como Elvis. Talvez essa devia ser a intenção de Coppola, mostrar um personagem insosso e frio. E isso se reafirma quando a diretora opta por não inserir canções de Elvis na trilha musical, apenas nas aparições de shows ao vivo do astro.  

O machismo de Elvis é duramente retratado pela diretora, que não o poupa, inclusive enfatizando o quanto esse comportamento seria crucial para o futuro do casal. Para Coppola, Elvis tinha Priscilla como uma bonequinha de luxo, a qual ele manipulava como bem entendia. A relação deles se desenvolve entre um misto de amizade e maternidade. A mãe de Elvis morreu cedo e o cantor tinha uma nítida carência afetiva, tanto que o casal ficou anos sem fazer sexo, e não porque Priscilla assim o quisesse, mas exatamente por Elvis negar a ela o ato mais íntimo. 

Havia um nível considerável de toxidade nessa relação entre Priscilla e Elvis, já que no contexto dela o cantor não deixava de acumular diversas amantes para o seu currículo, enquanto Priscilla vivia trancafiada como uma prisioneira da família Presley na mansão Graceland. Sofia Coppola não mostra o que Elvis fazia quando estava sem Priscilla, ou melhor, apenas se utiliza de revistas e jornais para falar de seus supostos casos amorosos. Por isso, o filme também é sobre uma paixão de Priscilla, que vai lentamente desmoronando. Sofia retrata Priscilla, mas ao mesmo tempo oferece um distanciamento, o que nos passa a impressão do quanto ela deixou de viver para ser um brinquedinho na mão do astro pop. 

Priscilla pode até não ser um dos trabalhos mais expressivos de Sofia Coppola, mas é um retrato cinematográfico honesto, retratado com o devido distanciamento, afinal a maior preocupação da diretora era desconstruir o glamour na qual a vida de sua protagonista normalmente é mostrada. Priscilla é um filme afetivo, sóbrio e repleto de sororidade, realizado por uma mulher para outra mulher.


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