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Mostrando postagens de agosto, 2021

SABOR DA VIDA (2015) Direção Naomi Kawase

  Sinopse Sentaro (Masatoshi Nagase) dirige uma pequena padaria que serve dorayakis - bolos recheados com pasta doce de feijão vermelho. Quando uma senhora de idade, Tokue (Kirin Kiki), se oferece para ajudar na cozinha, ele relutantemente aceita. Mas Tokue prova ter mágica em suas mãos quando se trata de fazer "an". Graças à sua receita secreta, o pequeno negócio logo floresce e, com o tempo, Sentaro e Tokue abrem seus corações, revelando velhas feridas. A magia do calor humano Texto de Marco Fialho Ao ler a sinopse de qualquer filme dirigido por Naomi Kawase, tudo leva a crer que se trata de mais um daqueles repletos de clichês que abundam nos dramas vindos da indústria norte-americana. Kawase não faz esse estilo, seus dramas trazem reflexões humanas profundas e como de costume há nesse “Sabor da Vida” um clima de encantamento vindo justamente das ações cotidianas. O mais tocante desse filme é a atuação da veterana atriz Kirin Kiki (Tokue). Por meio da delicadeza de sua int

A MISE-EN-SCÈNE FEÉRICA DE WONG KAR WAI

Texto de Marco Fialho "Quando você morre, tudo que sobra são as lembranças que você cria na vida dos outros"                      extraído de "Conflito mortal", primeiro filme dirigido por Wong Kar-Wai Historicamente, o gênero cinematográfico que consagrou Hong Kong foram os wuxia (gênero literário e cinematográfico chinês que mistura fantasia e artes marciais) e eles predominaram a partir do boom do cinema de Hong Kong ocorrido a partir dos anos 1980. Mas foi com o diretor chinês Wong Kar-Wai, que Hong Kong alçou um outro patamar no panorama mundial, conquistando um reconhecimento mais sofisticado, com prêmios nos grandes festivais de cinema, como em Cannes, até atingir o seu ápice no Oscar de filme estrangeiro com "Amor à flor da pele" (2000).  Em sua carreira Kar-Wai dirigiu 11 longas até o momento, e dentre os temas mais frequentes podemos citar os das relações amorosas, sempre presentes nos filmes do diretor, até mesmo nos dois filmes wuxia ("C

TANGERINE (2015) Direção de Sean Baker

Sinopse Assim que sai da prisão, a prostituta transexual Sin-Dee (Kitana Kiki Rodriguez) descobre através de sua melhor amiga (Mya Taylor) que o namorado Chester (James Ransone) está saindo com outra pessoa, uma mulher cisgênero. Sin-Dee decide encontrar os dois e puni-los pela traição. Empoderamento Trans a mil por hora Texto de Marco Fialho Sean Baker, diretor desse inusitado “Tangerine” vem se destacando por projetos cinematográficos ousados (a exemplo de seu projeto mais recente, o cultuado “Projeto Flórida”), porém necessários. “Tangerine” foi inteiramente filmado a partir de 3 iphones 5S turbinados, isto é, com modificações feitas exclusivamente para a produção do filme, o que já chama atenção para o bastidor dessa obra. Outra ousadia do filme está no franco protagonismo das personagens transexuais. No filme elas não estão representadas por um ator/atriz cisgênero, as atrizes são elas próprias transexuais. Pode parecer pouco, mas não é. A representatividade nesse caso é expressi

MARTÍRIO (2016) Direção de Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tita

Sinopse Uma análise da violência sofrida pelo grupo Guarani Kaiowá, uma das maiores populações indígenas do Brasil nos dias de hoje e que habita as terras do centro-oeste brasileiro, entrando constantemente em conflito com as forças de repressão e opressão organizadas pelos latifundiários, pecuaristas e fazendeiros locais, que desejam exterminar os índios e tomar as terras para si. Genocídio secularmente anunciado Texto de Marco Fialho “Martírio”, do ponto de vista político e humanitário, é um dos filmes mais importantes do nosso cinema dos últimos anos. Um documento raro, minucioso e preciso sobre a questão indígena no Brasil, tendo como foco a etnia Guarani Kaiowá. Apesar de centrado em uma única etnia, localizada na região do centro-oeste brasileiro, o filme consegue abranger a questão indígena como um todo. A força do filme vem da perspectiva histórica contundente, através de uma pesquisa detalhada dos diretores.  O filme amarra de forma eficaz presente e passado, e traça uma visão

PATERSON (2016) Direção de Jim Jarmusch

Sinopse Na cidade de Paterson, em Nova Jersey - EUA, um pacato motorista (Adam Driver) vira um personagem conhecido por se destacar em uma arte diferente da condução de veículos. Nas horas vagas, o rapaz gosta de escrever belas poesias em seu caderninho. Elenco: Adam Driver, Goshifteh Farahani, Helen-Jean Arthur A poesia nossa de cada dia Texto de Marco Fialho   Só um cineasta imprevisível e com uma assinatura tão marcante como Jim Jarmusch poderia nos brindar com um filme tão criativo e inusitado. Só ele poderia juntar poesia, um motorista de ônibus (cujo nome é o mesmo da cidade onde mora), uma artista excêntrica e um cachorro tinhoso e turrão. Um filme onde a poesia conforma todo o resto, emaranhando personagens e suas ações no tempo, tendo a repetição como elemento definidor da própria personalidade do nosso Paterson.   Afinal o efeito da repetição é o que movimenta pessoas e cidades, por isso a brincadeira da dualidade entre personagem e cidade. Mas Jarmusch acrescenta a isso um a

KUNG-FU MASTER! (1988) Direção Agnès Varda

Sinopse: Em um chuvoso dia de primavera, Mary-Jane, uma mulher de quase 40 anos, se apaixona por um menino de quase 15, Julien, um colega de classe de sua filha. Texto de Marco Fialho O amor libertário e a felicidade  Assistir a uma obra de Agnès Varda é sempre se surpreender. Seja no terreno do documentário, do autodocumentário, da ficção ou de alguma solução híbrida, Varda encanta. Seja na década de 1960, 70, 80, 90 e adentrando no século 21 ela nos brinda tanto pela leveza de espírito quanto pelo profundo comprometimento com o humano. Com "Kung-Fu master!" não é diferente, todas as tomadas são contagiadas e cercadas por uma delicadeza, um amor sincero e contagiante. Há um respeito e uma rara paixão declarada da diretora às personagens e atores.  A admiração e a confiança de Varda pelo trabalho da atriz Jane Birkin é visível em cada cena. Os princípios libertários de Varda dependem muito da atuação de Birkin na pele da dona de casa Mary-Jane, que se mostra fluente, segura e

LÚDICOS VERÕES FUGIDIOS: AS RELAÇÕES HUMANAS EM GUILLAUME BRAC

Por Marco Fialho OBS. O presente texto não tem como objeto discutir nenhum filme específico do diretor Guillaume Brac, ou mesmo de fazer um dossiê, porém apenas lançar um raio de luz sobre o conjunto de sua obra produzida até 2020. Por isso nenhum filme dele será esmiuçado ou analisado à parte neste texto. A plataforma Mubi agraciou recentemente o público com uma mostra com 5 filmes do aqui pouco conhecido Guillaume Brac, um diretor francês com um forte DNA estilístico, que constrói obras leves, que esbarram no documentário e sempre dedicadas aos verões franceses. Lembram as comédias contemporâneas francesas de costume, deliciosas de assistir, que remetem instantaneamente a algumas narrativas de Eric Rohmer, como Joelho de Claire, Pauline na praia, Conto da primavera, entre outros. Fundamentalmente, não espere gargalhadas ou o riso fácil, pois absolutamente não se trata disso. As obras primam por roteiros sutis, elegantes no trato dos personagens e uma mise-en-scène que equilibra a pai

DESTERRO (2020) Direção Maria Clara Escobar

Por Marco Fialho "É visível que ele sonha com um mundo que seria isento de sentidos" Roland Barthes  "Desterro", novo filme de Maria Clara Escobar (Meus dias com ele), estabelece-se por uma atmosfera tomada por indagações filosóficas. Talvez seja uma obra que antes de ser compreendida deva ser vivida. É estranho dizer isso de um filme, pois de certo ali a vida exposta é uma mera projeção. Creio que a proposta da diretora seja a de criar no espectador um sentimento de empatia, uma empatia gerada pela vivência de um pesadelo. Como analisar "Desterro" sem pensar, em especial, no Brasil pós-2018, mesmo que diageticamente não haja no filme uma referência temporal sequer? Esse é um dos fascínios que as obras de arte nos proporcionam, a de transpor uma realidade para a esfera dos sentidos.  A história parte de uma situação onde uma mulher está insatisfeita ou se sentindo aprisionada em um casamento (casamento aqui entendido como uma relação em que marido e filho