Tema de ontem, tragédias de hoje
Texto de Marco Fialho
As opções narrativas de Conde também reforçam o clima pesado do filme. Enquadramentos fixos e planos próximos ampliam a sensação de aprisionamento e encurralamento dos personagens (em especial Zé, interpretado por Caio Horowicz; Madalena, vivida por Eduarda Fernandes; e Samantha Jones, como Grauninha). Apenas senti falta de personagens mais velhos como militantes políticos ligados à resistência à ditadura militar, o que era muito comum. Mas vale ressaltar a qualidade interpretativa dos atores em cena, todos muito jovens, talentosos e bem dirigidos. O roteiro também não pretende se aprofundar nos debates políticos-ideológicos que haviam no âmbito da esquerda.
Mesmo que admitamos que vários filmes sobre a ditadura, e mais especificamente sobre o AI-5 (Ato Institucional n°5), já foram filmados (e seria exaustivo reproduzir o tanto de filmes aqui), mostrando os crimes absurdos cometidos pelos militares, a realidade recente de nossa história política nos leva a crer que nunca é o bastante retornar ao tema. "Zé" sublinha muito o pânico que era viver numa sociedade persecutória, em que o direito ao contraditório não só inexistia como era punido com a prisão, tortura e quiçá a morte. Depois de um governo de caráter fascista que tivemos no Brasil, com casos de perseguição à professores (chamados de comunistas) nas escolas públicas, ao movimento LGBT, às populações pretas e indígenas ("não haverá uma demarcação de terras indígenas", lembram disso?), o diretor Rafael Conde fez questão de trabalhar em "Zé" o clima coercitivo de um país dominado por militares golpistas (basta lembrar da sombra que pairou no 8 de janeiro deste ano de 2023, com o atentado à democracia, inclusive com a depredação de bens públicos e o pedido de fim de instituições como o STF).
O filme "Zé", dirigido por Rafael Conde (diretor homenageado desta edição) abriu a 17° Mostra CineBH 2023 e arrancou muitos aplausos da plateia presente no Cine Theatro Brasil Vallourec. A trama transcorre em plena ditadura militar e narra a história do militante político José Novaes Mata Machado, filiado à Ação Popular, em um contexto de severa perseguição militar.
Creio que a maior ambição do diretor foi a de reconstruir por dentro o clima de angústia de quem militava clandestinamente contra o sistema vigente, numa época em que as ameaças à integridade física de opositores políticos estava profundamente ameaçada pelo regime ditatorial. Mas assistir a "Zé" logo após o governo autoritário do ex-presidente Jair Bolsonaro também faz diferença. Como não relacionar esses dois momentos que foram os mais pavorosos de nossa história política?
As opções narrativas de Conde também reforçam o clima pesado do filme. Enquadramentos fixos e planos próximos ampliam a sensação de aprisionamento e encurralamento dos personagens (em especial Zé, interpretado por Caio Horowicz; Madalena, vivida por Eduarda Fernandes; e Samantha Jones, como Grauninha). Apenas senti falta de personagens mais velhos como militantes políticos ligados à resistência à ditadura militar, o que era muito comum. Mas vale ressaltar a qualidade interpretativa dos atores em cena, todos muito jovens, talentosos e bem dirigidos. O roteiro também não pretende se aprofundar nos debates políticos-ideológicos que haviam no âmbito da esquerda.
Um dos pontos que mais me chamou a atenção foi o desenho de som magistral de Pedro Durães. É impactante como por meio do som nossos sentidos ficam completamente atordoados. Chega a ser massacrante ouvir a concepção sonora de "Zé". Assim, Rafael Conde consegue tanto na imagem quanto no som, criar uma atmosfera impactante, opressiva e imersiva para o seu filme, daí o predomínio da abordagem psicológica sobre as discussões mais ideológicas.
Mesmo que admitamos que vários filmes sobre a ditadura, e mais especificamente sobre o AI-5 (Ato Institucional n°5), já foram filmados (e seria exaustivo reproduzir o tanto de filmes aqui), mostrando os crimes absurdos cometidos pelos militares, a realidade recente de nossa história política nos leva a crer que nunca é o bastante retornar ao tema. "Zé" sublinha muito o pânico que era viver numa sociedade persecutória, em que o direito ao contraditório não só inexistia como era punido com a prisão, tortura e quiçá a morte. Depois de um governo de caráter fascista que tivemos no Brasil, com casos de perseguição à professores (chamados de comunistas) nas escolas públicas, ao movimento LGBT, às populações pretas e indígenas ("não haverá uma demarcação de terras indígenas", lembram disso?), o diretor Rafael Conde fez questão de trabalhar em "Zé" o clima coercitivo de um país dominado por militares golpistas (basta lembrar da sombra que pairou no 8 de janeiro deste ano de 2023, com o atentado à democracia, inclusive com a depredação de bens públicos e o pedido de fim de instituições como o STF).
Infelizmente, o filme de Rafael Conde nos lembra que fomos um país repletos de Zés, e ainda podemos dizer que o somos, basta lembrar o quanto a política de segurança pública de grandes cidades brasileiras alimentam o genocídio como prática. Um caso exemplar do que estamos a falar é o do Rio de Janeiro, em especial no que tange ao extermínio do povo negro e pobre. Quem pesquisar a história do esquadrão da morte vai entender porque estou relacionando ditadura militar e política pública de segurança no mundo de hoje. "Zé", indiretamente está a tocar nesses temas e nos alertar sobre o perigo dos processos ditatoriais e repressivos que nunca deixaram de estar presentes na vida social e política desse país continental.
Valeu pelas observações! Quanto ao casamento, tanto Zé quanto a Ação Popular, são desdobramentos da JUC - Juventude Católica. O casamento De fato aconteceu - e na vida real foi rezada por um ex-padre que se juntou ao movimento.
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