Texto de Marco Fialho
Tem documentários que nos vislumbram tão distantes de nossa experiência urbana, que parecem ficções. Esse é o caso de "Vilarejo El Eco", dirigido com toda a sensibilidade do mundo por Tatiana Huezo. Eu diria que é um filme sobre ser, uma aula de humanidade, de alma e de beleza. Ficamos extasiados a tal ponto que pensamos que aquelas existências ali postas em tela são invenções de um passado remoto, não mais possíveis de existirem nesse mundo regido pela ambição desenfreada. Em El Eco não parece haver guerras, só um sentido humanitário maior e um sentimento infindo de solidariedade.
Eu fiquei me perguntando, durante a projeção, se era possível ainda haver no interior do México, um dos países mais violentos do mundo, com seus cartéis de drogas, um lugar assim, com capacidade de contemplar a vida serena (apesar que nem sempre é assim, afinal, de perto ninguém é normal), em especial, a velhice daquela vovozinha, cercada pelo tempo, não só o seu, mas também o da família a cuidar com o máximo capricho do ente mais idoso, ela que foi a primeira pessoa a chegar no vilarejo. É de emocionar a cena inicial do banho, os detalhes carinhosos dispensados aquela vó. E o que dizer do respeito da diretora Tatiana Huezo à luz de cada ambiente, o que demonstra uma imensa sabedoria e atenção vinda da parte da direção.
"Vilarejo El Eco" é uma obra-prima que se esconde na simplicidade e na sutileza de seus elementos constitutivos. O filme basicamente não tem uma história, a diretora apenas vai registrando o cotidiano paciente de um povo simples, que mora nesse povoado minúsculo, imerso em um lindo vale, onde os rios, as montanhas e os animais conferem o tom da vida aparentemente tranquila e frugal do lugar. Esse é um filme sobre esse território intocável, inspirador, de olhares serenos e profundos captados com muito amor por uma câmera afetiva e cúmplice, que quer revelar algo para nós, não uma história propriamente, mas um ritmo de vida e o registro de uma outra percepção de tempo desses moradores.
As crianças são as maiores protagonistas dessa história, e o mais belo disso é que a diretora não precisa fazer muito para que a magia dessas pessoinhas maravilhosas desponte na tela. O que dizer das aulas proferidas por uma menina linda (infelizmente, não consigo lembrar do nome dela), de muito tenra idade, nascida com um dom inato para professora, de um talento indescritível para ensinar. Ela fala de assuntos como os mamutes, da propagação do som no espaço, mas o que mais impressiona é a sua aula sobre a revolução mexicana para os/as coleguinhas do vilarejo. A importância da revolução para que os camponeses fossem autônomos e não voltassem a ser escravos dos ricos proprietários de terra. Se o filme aponta a dificuldade de crescimento profissional naquele ambiente tão rural e pequeno, sabemos nós o que aguarda a cada uma das meninas que vai buscar mais conhecimentos em cidades maiores. Nada é idealizado pela direção, os conflitos, as tristezas e as angústias dos personagens estão presentes ao lado de muita beleza que a câmera igualmente captura.
"Vilarejo El Eco" mostra o dia a dia do trabalho desses pequenos colonos, que precisam que os chefes de família saiam do vilarejo para poder ganhar mais dinheiro para a família, o que marca ainda a ausência da figura masculina nesse cotidiano, o que leva uma das mães sugerir que o pai fique em casa e elas, as esposas, saiam para trabalhar fora, para que as crianças fiquem um pouco com os pais. Mas mesmo em casa, há trabalho, como cuidar das plantações de milho, grãos e o cuidado com as ovelhas e outros animais, como o cavalo.
O documentário retrata ao todo três famílias do vilarejo, o que dá uma noção interessante da vida deles, a preocupação com o futuro da educação das crianças e o trabalho desgastante da roça e do trato com os animais. Mas acredito que o maior ganho desse filme seja o registro sensível e atento de Tatiana Huezo para com as crianças. E são elas as condutoras da trama familiar e comunitária. A morte da avó é tratada com o mesmo respeito, assim como a menina Monse que resolve ir embora de repente de casa sem comunicar a ninguém.
Um dos elementos importantes do documentário é como a diretora está atenta ao senso de cuidado que cada personagem traz em si. Todos cuidam dos seres vivos com uma dedicação fora do comum, seja o cavalo, as ovelhas, sejam uns com os outros. Tem momentos especiais como o da irmã mais velha explicando para a mais nova sobre a menstruação e as mudanças físicas que ocorrerão a partir daí.
Porém, o que seria de "Vilarejo El Eco" se não fosse a delicadeza na qual a diretora se dedica a parte sonora do filme? Ela é determinante para a construção da ideia de tempo, mas igualmente de espaço. Ouvimos insistentemente o vento, as cabras, os insetos, o cachorro, a água em suas variantes de chuva, de rio com águas ora calmas ora turbulentas. O som instaura a paz de El Eco. E o próprio eco está a dizer muito sobre o lugar, afinal, tudo ali se prolonga, como o som do triângulo a ecoar pelo tempo. O eco simboliza o tempo desse território que insiste em reverberar os seus elementos mais primordiais. Tatiana Huezo nos arremessa nesse terreno de mistérios da natureza, das miudezas dotadas de almas, e as deixa ecoando, em nós, a sua beleza sem fim.
Vou assistir. Me lembrou, com as devidas ressalvas, o documental Tempestad - também da Tatiana Huevo.
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