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Mostrando postagens de setembro, 2024

SIDONIE NO JAPÃO (2024) Dir. Élise Girard

Texto por Marco Fialho Sidonie no Japão , dirigido por Élise Girard,   é um filme insólito dentro do atual mercado exibidor brasileiro, não à toa estreou quase que pró-forma, passando desapercebido tanto pela crítica quanto pelo público. Aqui no Rio de Janeiro está programado apenas para uma única e isolada sessão, nem a presença da atriz Isabelle Huppert fez a obra ser melhor divulgada. Uma injustiça pelo que o filme propõe como experiência cinematográfica.    Porém, a diretora Élisa Girard realiza uma obra de imensa sensibilidade e bastante atenta aos detalhes que cada cena proporciona. É desses filmes cuidadosos, calcado em imagens precisas, com planos em sua maioria fixos e músicas que variam sempre a partir de um tema único. Bach e Sakamoto predominam na maior parte do filme. A dupla de atores protagonistas (Isabelle Huppert e Tsuyoshi Ihara) é exemplar e demonstram uma sintonia impressionante.  Há uma nítida homenagem de Élise Girard a um certo cinema contemporâneo japonês. Dá pa

O BASTARDO (2024) Dir. Nikolaj Arcel

Texto por Marco Fialho O Bastardo resgata, como ideia de cinema, um tipo de filme que já foi carro-chefe da indústria de Hollywood, o épico de caráter histórico. O diretor Nikolaj Arcel explora essa estrutura clássica ao máximo, delimitando bem a figura do herói e do vilão, ambos muito bem desenhados na trama como personagens, embora na abordagem histórica, o filme falhe incisivamente na minha visão.  Isso porque antes de propor uma reconstrução do épico histórico, uma atualização na forma narrativa no gênero, o diretor aceita os modelos arcaicos do fazer desse tipo de filme, talvez até os exagerando com tintas fortes, o que se revela um equívoco irrevogável de princípio. A escolha do ator Mads Mikkelsen como o Capitão Ludvig Kahlen é perfeita para interpretar um personagem determinado em colonizar uma região dada como improdutiva pelo governo, que por seu lado concorda em lhe conceder a permissão em troca de um título nobiliárquico, uma propriedade e alguns colonos para trabalhar na t

NÃO FALE O MAL (2024) Dir. James Watkins

Texto por Marco Fialho Não Fale o Mal , dirigido por James Watkins, é uma refilmagem de um filme homônimo dinamarquês, realizado em 2022. Essa adaptação hollywoodiana mantem muitos aspectos do original, um thriller de tirar o fôlego, embora mude pequenas partes que são essenciais e levam à obra estadunidense para um desfecho bem diferente do dinamarquês. Esse tipo de alteração é bem característico do cinema hollywoodiano, que sempre precisa moldar as histórias aos seus preceitos morais basilares e aqui esse aspecto é seguido à risca. A versão estadunidense mantem o ponto de partida do original ao iniciar a história pelo encontro de dois casais de países e costumes diferentes. Mas a construção do enredo é bem complicada por parte de James Watkins, pois a versão dinamarquesa frisava mais uma crítica à família tradicional do país, enquanto à hollywoodiana em um primeiro momento aceita a crítica à família tradicional, mas depois sustenta no final o quanto a mesma é primordial. Se na versão

PAISAGENS DO FIM (2024) Dir. Carlos Alberto Mattos

Texto por Marco Fialho Quem acompanha o blog Carmattos,  https://carmattos.com/ , além de usufruir do prolífico trabalho de Carlos Alberto Mattos como crítico de cinema, pode conhecer também a sua paixão pelas paisagens, muitas vezes registradas tanto em vídeo quanto em fotografia das viagens pitorescas que ele e sua esposa Rosane Nicolau fazem mundo afora.  Entretanto, a viagem cinematográfica  Paisagens do Fim , é desdobramento de uma outra viagem, uma que o nosso Carlinhos vem aprontando desde que criou, em 2021, o site-livro Paisagens do Fim – Cenários reais pós-catástrofe no cinema de ficção . Tudo porque a professora e cineasta Aída Marques o provocou com a máxima: "Isso daria um belo filme". E deu mesmo, e isso mostra o quanto ela tinha razão, para a felicidade de muitos amantes do bom e velho cinema.   A montagem de  Paisagens do Fim  organiza o tema das ruínas em subtemas, com os filmes sendo pacientemente enfileirados de modo sempre a ampliar o conjunto temático. Al

PROIBIDO A CÃES E ITALIANOS (2024) Dir. Alain Ughetto

Texto por Carmela Fialho A animação Proibido a Cães e Italianos tem como tema a história da família dos ancestrais do diretor e roteirista Alain Ughetto. A narradora é sua avó, uma griot , que desvenda cronologicamente a saga da família originária de uma área rural na Borgata Ughettera, localizada a mil metros de altitude, aos pés do Monviso, passando pela Suiça até chegar na França, onde cria suas raízes e assume a cidadania francesa. No filme temos alternância de diálogos em italiano na aldeia do Piemonte com o francês na maior parte do filme. O diretor utiliza a técnica stop motion com bonecos de massinha, intercalando com fotografias da família, paisagens e imagens reais, onde o próprio diretor filma suas mãos trabalhando na feitura da animação. Esse curioso conjunto de texturas múltiplas, envolvendo técnica de animação e registro fotográfico e imagens reais, confere um toque de originalidade, uma marca imagética própria ao filme. O avô se destaca como um dos personagens prin

MEU CASULO DE DRYWALL (2024) Dir. Caroline Fioratti

Texto por Marco Fialho A diretora Caroline Fioratti mergulha sem dó no paraíso artificial de um condomínio de luxo em São Paulo, desconstruindo o mundo das felicidades fáceis que o dinheiro sonha poder comprar em Meu Casulo de Drywall . E a diretora faz uma investigação por dentro, discutindo o mundo dos ricos em sua intimidade. Esse é um trabalho onde se pretende aferir mais as subjetividades do que se descobrir a origem da riqueza ou acumulação de uma parcela menor da população brasileira. O filme de Caroline Fioratti segue olhares multifacetados desse universo, mostrando o quão vazio é a vida desses jovens que vivem numa bolha de pretensa segurança e felicidade. A narrativa se fragmenta em tempos desconexos, intercalando o dia da festa de 17 anos da jovem e bonita Virginia (Bella Piero), com os dias desoladores que a sucederam. Ao optar pela ordem não cronológica dos fatos, a diretora abre uma janela angustiante de como eclodiu uma tragédia que ocorre numa data em que tudo deveria s

FANTASMA (2023) Dir. Martin Duplaquet

Texto por Marco Fialho Apesar de Fantasma  ser irregular do ponto de vista de sua produção, oscilando entre umas cenas bem filmadas com outras que beiram o amadorismo, o tom cômico da película chilena em coprodução com o Brasil salva a concepção geral da obra. O filme, dirigido por Martin Duplaquet, vem reafirmar o gosto do cinema produzido na América Latina pelos golpes e assaltos a banco. Os exemplos são muitos, como o recente Os Delinquentes (2023), Plata Queimada (2000), Odisseia dos Tontos (2019) e o clássico  Nove Rainhas (2000), apenas para citar alguns.  Fantasma é mais uma obra que explora   essa situação. Claro, que a condição de falência que perpassa esses países alimenta essas ideias que envolvem muitos riscos, além de muita aventura e um quê de insólito. Fantasma se valoriza muito pelo seu elenco que imprime grandes atuações como as de Willy Semler (Fantasma), Elisa Zulueta (Judi) e Dário Lopilato (Picasso). A direção de Martin Duplaquet sabe se aproveitar do absurdo inere

UM SILÊNCIO (2024) Dir. Joachim Lafosse

Texto por Marco Fialho Não há dúvidas que o tema da pedofilia é um dos mais importantes a serem tratados pelo cinema. O problema é que Um silêncio , dirigido por Joachim Lafosse,   torna o tema desinteressante do ponto de vista cinematográfico. O famoso "quase nada acontece aqui" é a norma do filme, e olha que o tema poderia render muitas discussões pertinentes.     Nem a presença de atores como Daniel Auteuil e Emmanuelle Devos salvam o filme de alguma forma. Ambos estão apagados, tanto fazia se ter outros atores em seus lugares. Um dos maiores problemas é Um Silêncio não ter um roteiro que realmente permita que os personagens retirem dele algo de substancial. A maneira expositiva e lenta da encenação pouco ajuda que a obra seja vista por uma ótica mais profunda. Matthieux Galoux não emplaca seu personagem ao primar por uma acentuada apatia interpretativa.  Como a história começa pelo fim, ficamos na espera que não apenas os fatos se enfileirem, como também que os personagen

HELLBOY E O HOMEM TORTO (2024) Dir. Brian Taylor

Texto por Marco Fialho Hellboy e o Homem Torto , quarto filme da franquia Hellboy, dirigido por Brian Taylor, é uma adaptação de um HQ com o mesmo título de Mike Mignola, talvez o mais sinistro de todos realizados até agora, que parte de uma história de terror, uma mescla de filme de fantasma com de demônio.  O elemento fantástico também está bastante presente desde o início da trama, quando Hellboy, agora interpretado por Jack Kesy, e uma novata cientista da BPDP (Bureau de Pesquisa e Defesa Paranormal), Bobbie Jo Song (Adeline Rudolph) se deparam com uma estranha aranha gigante dentro de um trem numa região de florestas das Montanhas Apalaches. Essa parte do filme é bem estranha, porque há o incidente do trem e logo a seguir eles estão dentro de uma floresta se deparando com forças malignas ligadas à bruxaria. No meio dessa confusão a dupla encontra Tom Ferrell (Jefferson White), um homem órfão e enfeitiçado por um pequeno osso.  Tudo soa sinistro em Hellboy e o Homem Torto , até mes

STOP MAKING SENSE (1984) Dir. Jonathan Demme

Texto por Marco Fialho Para comemorar 40 anos da filmagem de Jonathan Demme do célebre show Stop Making Sense , do Taking Heads, a A24 traz para os cinemas brasileiros uma cópia restaurada do filme. Intessante como o diretor optou por praticamente não mostrar muito o público, o deixando aparecer sobretudo pelo som de alguns momentos de aplausos. Vale lembrar a importância de Talkink Heads e seu líder David Byrne para a história do pop/rock mundial, e porque não, para a própria música brasileira, já que é bem conhecido o diálogo em especial com Caetano Veloso, que resultou em um show chamado Caetano Veloso e David Byrne Live At Carnegie Hall , em 2012.   A filmagem do show Stop Making Sense , de 1984, contou com uma performance cinematográfica de Jonathan Demme igualmente engenhosa, com suas câmeras pensadas rigorosamente música a música de maneira a extrair a força e a pulsação que é inerente a este show dos Talkink Heads. Demme captura a performance perfeita da banda, dando ênfase a d

OS FANTASMAS AINDA SE DIVERTEM: BEETLEJUICE BEETLEJUICE

Texto por Marco Fialho Em tempos de remakes e continuações, o mercado de exibição tentam resgatar novos ares por meio de uma onda de revivals , entre eles, o filme Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice , em que o diretor Tim Burton pouco arrisca nessa versão século 21 do clássico Os Fantasmas Se Divertem (1988). Qual seria a necessidade de trazer à baila novamente alguns personagens 36 anos depois do grande sucesso da obra original? Essa é uma pergunta pertinente e que lá no final da crítica eu vou dissertar com mais cuidado e atenção.    Por ora, voltemos ao filme. O primeiro terço dele até cria uma sensação de que algo poderia acontecer e nos surpreender, mas isso não ocorre porque vemos a massa desse bolo narrativo desandar e chegar a solar nos dois segundos terços do filme. A presença de Winona Ryder e Michael Keaton é o que mais funciona nessa continuação e o que impede o fracasso total da produção.  A direção de Tim Burton até tem seus momentos de beleza, em esp

BLACK RIO! BLACK POWER! (2024) Dir. Emilio Domingos

Texto por Marco Fialho  Em  Black Rio! Black Power! , o diretor Emilio Domingos reafirma o compromisso do seu cinema com a cultura negra periférica ao por como tema central desse documentário o papel social e cultural dos bailes black, em especial os do subúrbio carioca. Depois de  A Batalha do Passinho  (2012),  Deixa na Régua  (2016) e  Favela É Moda  (2020), agora Emilio adentra no universo dos bailes de  soul music  dos subúrbios cariocas.     A primeira cena até sugere a formação de um baile nostálgico, quando vemos desembarcar de um caminhão estacionado em frente ao Grêmio Social Esportivo Rocha Miranda, um poderoso arsenal de caixas de som. Mas logo somos dissuadidos dessa ideia inicial, já que as mesmas apenas servem para formar o fundo do cenário onde os diversos personagens vão dar os seus depoimentos ao diretor.   O que mais me impressionou em  Black Rio! Black Power! foi a força e a densidade dos depoimentos, todos penetrantes e contagiantes, embora a repetição dos enquadr

OTHELO, O GRANDE (2023) Dir. Lucas H. Rossi dos Santos

Texto por Marco Fialho Em  Othelo, o Grande , há uma imagem paradigmática logo no início e ela durante a projeção retorna algumas vezes. Grande Otelo está sentado em um sofá, enquanto a câmera se aproxima de seu rosto, a sua expressão séria não se modifica. O que mais intriga nessa imagem é o fato do ator não exibir um sorriso sequer, logo essa expressão que tão bem marcou a sua carreira. O que veremos a seguir no documentário é a difícil tarefa de um ator negro numa sociedade recém saída da escravidão ter que lidar com a inteligência e o talento de um profissional egresso das fileiras dos ex-escravizados. A potência da primeira imagem reafirma a história de uma luta e a vitória improvável desse corpo negro que se afirma contra tudo e todos. Grande Otelo, apesar de seu um metro e meio de estatura é gigante como artista e ser humano. O que o diretor Lucas H. Rossi dos Santos propõe para Othelo, o Grande é algo especial, sobretudo pela narrativa que parte da própria voz de Grande Otelo c