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Mostrando postagens de setembro, 2024

DEIXE-ME (2024) Dir. Maxime Rappaz

Texto por Marco Fialho Em Deixe-me , o diretor Maxime Rappaz pouco deixa transparecer sobre a personagem Claudine (Jeanne Balibar em uma interpretação impecável). Entretanto, não resta dúvida que esse é um filme sobre ela, uma mulher madura, mas que não viveu tanto para buscar a felicidade, sempre oprimida por ter que cuidar do filho com deficiência motora e bastante dependente dela. O marido já se foi e a única pessoa a poder contar é com uma vizinha que uma vez na semana, às terças, fica com o filho para ela sair.  Então, as terças se tornam algo simbólico para Claudine, um momento em que pode dividir a sua solidão com homens aleatórios em um hotel nos Alpes suíços. Essas saídas eróticas podem parecer estranhas por não serem atitudes esperadas de uma mulher bonita, elegante e bem vestida. É bom frisar que ela não faz programas, não há dinheiro ou qualquer tipo de pagamento envolvido, o que nos deixa ainda mais surpresos e intrigados com a atitude dela.  Deixe-me tem uma estr...

PRISÃO NOS ANDES (2023) Dir. Felipe Carmona Urrutia

Texto por Carmela Fialho O filme Prisão nos Andes , do diretor chileno Felipe Carmona Urrutia é tão soturno quanto a sua temática, que aborda a casa-prisão de luxo onde viviam cinco militares da alta patente que exerceram o poder e comandaram a tortura durante a ditadura de Pinochet no Chile. O diretor optou por uma fotografia escura e sombria,  com muitas cenas ocorridas durante o período da noite e dentro da casa-prisão de luxo aos pés da Cordilheira dos Andes, cujo objetivo é passar um clima de tensão constante entre os prisioneiros de alta patente e os carcereiros de baixa patente. O clima de tortura tanto física como psicológica permeia todos os momentos do filme. A narrativa se desenvolve abordando o cotidiano dos cinco militares condenados que comandavam diariamente os militares de baixa patente, que os serviam como cuidadores com ameaças constantes inclusive ao diretor da prisão militar. O tratamento dispensado aos prisioneiros é totalmente invertido nessa casa- prisão...

A SUBSTÂNCIA (2024) Dir. Coralie Fargeat

Texto por Marco Fialho Toda premissa extrema recebe avaliações no mesmo patamar. Esse vem sendo o caso de A Substância , filme dirigido pela francesa Coralie Fargeat. Os efeitos são de uma medida única, ou a sublinhar o sucesso de sua ousadia ou a dizer o quanto frustrante ela é. Esse é, em geral, o problema que esse tipo de cinema evoca: o tudo ou o nada. Não vejo A Substância nem tanto ao mar nem tanto à terra. Entretanto, para mim, esse é um samba de uma nota só, que estabelece sua proposta desde a primeira cena e briga com ela até o seu último suspiro. Sua maior qualidade, assim como a sua ruína. Substância , inclusive, é um perfeito exemplar do subgênero do terror conhecido por body horror , especializado em se debruçar nas temáticas que envolvem corpo e produtividade no sistema capitalista. Antes de A Substância , as obras mais discutidas dentro dessa proposta estética tinha sido o premiado Titane (2021), de Julia Ducournau e Crimes do Futuro (2022), de David Cronenberg. Nota-se ...

ASSEXYBILIDADE (2023) Dir. Daniel Gonçalves

Texto por Marco Fialho Daniel Gonçalves é um diretor que desde o seu primeiro longa, "Meu Nome é Daniel Gonçalves" se propõe a discutir o universo da deficiência no Brasil. O seu mais novo trabalho, Assexybilidade , ele mergulha no apagamento erótico dos DEF (abreviação de pessoas com deficiência) e logo na primeira cena já diz para o que veio, ao mostrar uma cena de sexo (em silhueta) entre dois DEF.  Só pela escolha original do tema, Assexybilidade já mereceria muita atenção, mas Daniel Gonçalves mostra que está cada vez mais íntimo da linguagem cinematográfica e se permite trabalhar com performances artísticas que vão desenhando a montagem do filme, como as falas poéticas de Estela Lapponi e as ousadas performances públicas de João Paulo.  Se por um lado Daniel Gonçalves pulveriza a narrativa com muitos depoimentos, nem todos tão potentes, por outro, quando aborda sexo, deficiência e produção artística o filme dá um salto no interesse do espectador. Alguns depoimentos são ...

PASÁRGADA (2024) Dir. Dira Paes

Texto por Marco Fialho Pasárgada marca a estreia de Dira Paes como diretora de cinema. O filme tem altos e baixos, em especial na montagem, que não consegue manter uma concepção rítmica que nos prenda integralmente à trama. O primeiro esforço realizado por Dira logo nas primeiras imagens é o de nos arremessar na paisagem da floresta, com seus pássaros, rios, que inspiram uma atmosfera de paz e calmaria. Esse passo é importante porque ele tem um duplo efeito, um no espectador, que é mergulhado nesse ambiente, e outro na própria protagonista, que usufrui de uma experiência imersiva nessa floresta, algo que vai ser determinante para os passos e decisões que ela precisará tomar no decorrer da narrativa.       A história do filme gira em torno de Irene (Dira Paes), uma ornitóloga introspectiva que viaja por florestas brasileiras inóspitas com a missão de descobrir espécies raras para trafica-las. Ela participa de uma rede internacional que dá certificados e desonestamente...

NÃO VAMOS SUCUMBIR (2023) Dir. Miguel Przewodowski

Texto por Marco Fialho Precisamos refletir que o tema Escola de Samba é um dos mais complexos. A sua história é deveras multifacetada e cheias de nuances. O documentário Não Vamos Sucumbir , dirigido por Miguel Przewodowski, opta por entendê-la como um lugar de resistência política. Assim, o desafio da direção é tentar capsular a ideia de montagem, de forma que o tema não seja desvirtuado.  Porém, o tema se mostra escorregadio e o documentário acaba estrangulado pelas suas escolhas. O que Não Vamos Sucumbir faz é construir uma visão reducionista e até idílica sobre o que são as Escolas de Samba no mundo contemporâneo. Os bastidores que vemos se reduz aos carnavalescos e uns poucos outros personagens que circundam as Escolas de Samba. Como falar delas sem mostrar as contradições que lhes são inerentes? E suas relações econômicas de financiamento, fruto de uma estrutura de poder onde na maioria das vezes acaba nas manchetes dos jornais de crime? O próprio Salgueiro, tão falado no fil...

SAUDADE FEZ MORADA AQUI DENTRO (2023) Dir. Haroldo Borges

Texto por Marco Fialho O cinema brasileiro vem surpreendendo pela sua capacidade de revelar cineastas que vem do interior do país. Saudade Fez Morada Aqui Dentro traz Haroldo Borges, um artista do interior da Bahia, para narrar uma história tocante e sensível sobre um menino que possui uma rara doença degenerativa que afeta a sua visão. O filme é todo construído pelo ponto de vista de Bruno (Bruno Jefferson), um menino revoltado com o destino que a vida lhe deu. Saudade Fez Morada Aqui Dentro foi filmado em Curaçá, uma cidade pequena do interior da Bahia, com elenco jovem constituído de atores do local, que não eram profissionais da representação. O diretor contou com a colaboração da premiada e reconhecida preparadora de elenco Fátima Toledo (Cidade de Deus), que ensaiou e acompanhou a filmagem do filme. É visível o esforço da preparadora para construir uma ideia realista na encenação (um flerte àquela do neorrealismo italiano em meados da década de 1940), que preservou a essência des...

GOLPE DE SORTE EM PARIS (2023) Dir. Woody Allen

Texto por Marco Fialho Na altura do campeonato chega a ser óbvio ficar repisando que o diretor Woody Allen não nos surpreende mais com suas histórias recheadas de traição, requinte, jazz, acasos e tramas rocambolescas. Golpe de Sorte em Paris certamente não é uma obra a puxar o tapete em relação a essas esperas. Entretanto, acredito que a maior força desse último trabalho de Allen esteja no quão azeitado se revela o roteiro. Se o enredo em si chove no molhado dentro do universo ficcional do diretor, o roteiro é de uma artesania de mestre e isso é um dos elementos que salva o filme do insosso.  Impossível não remeter esse trabalho a tantos outros do diretor, como Match Point (2005) ou Meia-Noite em Paris (2011) ou ainda  Café Society (2016), onde sorte, amor e riqueza estão diretamente relacionados. Para quem produziu tanto quanto Woody Allen, é natural que haja oscilações, embora o diretor já tenha demonstrado o quanto é hábil como roteirista. Se as ideias se esbarram aqui ...

QUANDO EU ME ENCONTRAR (2023) Dir. Amanda Pontes e Michelline Helena

Texto por Marco Fialho Quando Eu Me Encontrar é um filme que fala sobre corpos em movimento, sobre a ousadia ou coragem de mudar o destino. Não casualmente as primeiras cenas descrevem a rotina de seus protagonistas em seus empregos, que revelam o contraste deles com a personagem Dayana, cujo rosto nunca aparece, mas que movimenta todos os outros personagens. Essa é uma faceta interessante construída pelas roteiristas e diretoras Amanda Pontes e Michelline Helena em seu primeiro longa, a de confrontar o eterno conflito entre ficar e partir, além de trabalhar o drama de quem fica. A história transcorre em Fortaleza (CE), numa região próxima ao Centro.  A trama se articula a partir de uma ausência, a de Dayana, que abandona inesperadamente a casa, apenas deixando um bilhete, o que abala a vida de todos a sua volta: a mãe Marluce (a sempre ótima Luciana Souza), a irmã adolescente Mariana (Pipa) e o noivo Antonio (David Santos). As diretoras narram a vida desses três personagens a part...

BOCAINA (2024) Dir. Ana Flávia Cavalcanti e Fellipe Barbosa

Texto por Marco Fialho Bocaina , filme dirigido pela dupla Ana Flávia Cavalcanti e Fellipe Barbosa, é daqueles que nem adianta ler a sinopse oficial antes. Eu não sou desses, embora esse eu acabei lendo a sinopse antes de assistir. Nela, somos informados sobre o nome das personagens e que ela são irmãs, porém isso é praticamente irrelevante, já que não há um diálogo sequer durante os 71 minutos do filme. Portanto sabemos do nome dos personagens pela sinopse. O fato de serem irmãs também descobrimos no crédito, pois no filme há somente uma imagem, que parece ser um flashback, de duas meninas no carro com um homem. Como não sabemos qual é a imagem do pai, pode-se conjecturar que fossem elas chegando à Serra da Bocaina de carro com o pai. Outra informação que a sinopse nos traz é que Bocaina  se passa no período da pandemia, o que também é irrelevante, já que pelas imagens esse dado não dá para ser notado. Nenhuma máscara é usada ou está pendurada em algum lugar e até quando as duas p...

SIDONIE NO JAPÃO (2024) Dir. Élise Girard

Texto por Marco Fialho Sidonie no Japão , dirigido por Élise Girard,   é um filme insólito dentro do atual mercado exibidor brasileiro, não à toa estreou quase que proforma, passando desapercebido tanto pela crítica quanto pelo público. Aqui no Rio de Janeiro está programado apenas para uma única e isolada sessão, nem a presença da atriz Isabelle Huppert fez a obra ser melhor divulgada. Uma injustiça pelo que o filme propõe como experiência cinematográfica.    Porém, a diretora Élisa Girard realiza uma obra de imensa sensibilidade e bastante atenta aos detalhes que cada cena proporciona. É desses filmes cuidadosos, calcado em imagens precisas, com planos em sua maioria fixos e músicas que variam sempre a partir de um tema único. Bach e Sakamoto predominam na maior parte do filme. A dupla de atores protagonistas (Isabelle Huppert e Tsuyoshi Ihara) é exemplar e demonstram uma sintonia impressionante.  Há uma nítida homenagem de Élise Girard a um certo cinema contemporâ...

O BASTARDO (2024) Dir. Nikolaj Arcel

Texto por Marco Fialho O Bastardo resgata, como ideia de cinema, um tipo de filme que já foi carro-chefe da indústria de Hollywood, o épico de caráter histórico. O diretor Nikolaj Arcel explora essa estrutura clássica ao máximo, delimitando bem a figura do herói e do vilão, ambos muito bem desenhados na trama como personagens, embora na abordagem histórica, o filme falhe incisivamente na minha visão.  Isso porque antes de propor uma reconstrução do épico histórico, uma atualização na forma narrativa no gênero, o diretor aceita os modelos arcaicos do fazer desse tipo de filme, talvez até os exagerando com tintas fortes, o que se revela um equívoco irrevogável de princípio. A escolha do ator Mads Mikkelsen como o Capitão Ludvig Kahlen é perfeita para interpretar um personagem determinado em colonizar uma região dada como improdutiva pelo governo, que por seu lado concorda em lhe conceder a permissão em troca de um título nobiliárquico, uma propriedade e alguns colonos para trabalhar ...

NÃO FALE O MAL (2024) Dir. James Watkins

Texto por Marco Fialho Não Fale o Mal , dirigido por James Watkins, é uma refilmagem de um filme homônimo dinamarquês, realizado em 2022. Essa adaptação hollywoodiana mantem muitos aspectos do original, um thriller de tirar o fôlego, embora mude pequenas partes que são essenciais e levam à obra estadunidense para um desfecho bem diferente do dinamarquês. Esse tipo de alteração é bem característico do cinema hollywoodiano, que sempre precisa moldar as histórias aos seus preceitos morais basilares e aqui esse aspecto é seguido à risca. A versão estadunidense mantem o ponto de partida do original ao iniciar a história pelo encontro de dois casais de países e costumes diferentes. Mas a construção do enredo é bem complicada por parte de James Watkins, pois a versão dinamarquesa frisava mais uma crítica à família tradicional do país, enquanto à hollywoodiana em um primeiro momento aceita a crítica à família tradicional, mas depois sustenta no final o quanto a mesma é primordial. Se na versão...

PAISAGENS DO FIM (2024) Dir. Carlos Alberto Mattos

Texto por Marco Fialho Quem acompanha o blog Carmattos,  https://carmattos.com/ , além de usufruir do prolífico trabalho de Carlos Alberto Mattos como crítico de cinema, pode conhecer também a sua paixão pelas paisagens, muitas vezes registradas tanto em vídeo quanto em fotografia das viagens pitorescas que ele e sua esposa Rosane Nicolau fazem mundo afora.  Entretanto, a viagem cinematográfica  Paisagens do Fim , é desdobramento de uma outra viagem, uma que o nosso Carlinhos vem aprontando desde que criou, em 2021, o site-livro Paisagens do Fim – Cenários reais pós-catástrofe no cinema de ficção . Tudo porque a professora e cineasta Aída Marques o provocou com a máxima: "Isso daria um belo filme". E deu mesmo, e isso mostra o quanto ela tinha razão, para a felicidade de muitos amantes do bom e velho cinema.   A montagem de  Paisagens do Fim  organiza o tema das ruínas em subtemas, com os filmes sendo pacientemente enfileirados de modo sempre a ampliar...

PROIBIDO A CÃES E ITALIANOS (2024) Dir. Alain Ughetto

Texto por Carmela Fialho A animação Proibido a Cães e Italianos tem como tema a história da família dos ancestrais do diretor e roteirista Alain Ughetto. A narradora é sua avó, uma griot , que desvenda cronologicamente a saga da família originária de uma área rural na Borgata Ughettera, localizada a mil metros de altitude, aos pés do Monviso, passando pela Suiça até chegar na França, onde cria suas raízes e assume a cidadania francesa. No filme temos alternância de diálogos em italiano na aldeia do Piemonte com o francês na maior parte do filme. O diretor utiliza a técnica stop motion com bonecos de massinha, intercalando com fotografias da família, paisagens e imagens reais, onde o próprio diretor filma suas mãos trabalhando na feitura da animação. Esse curioso conjunto de texturas múltiplas, envolvendo técnica de animação e registro fotográfico e imagens reais, confere um toque de originalidade, uma marca imagética própria ao filme. O avô se destaca como um dos personagens prin...

MEU CASULO DE DRYWALL (2024) Dir. Caroline Fioratti

Texto por Marco Fialho A diretora Caroline Fioratti mergulha sem dó no paraíso artificial de um condomínio de luxo em São Paulo, desconstruindo o mundo das felicidades fáceis que o dinheiro sonha poder comprar em Meu Casulo de Drywall . E a diretora faz uma investigação por dentro, discutindo o mundo dos ricos em sua intimidade. Esse é um trabalho onde se pretende aferir mais as subjetividades do que se descobrir a origem da riqueza ou acumulação de uma parcela menor da população brasileira. O filme de Caroline Fioratti segue olhares multifacetados desse universo, mostrando o quão vazio é a vida desses jovens que vivem numa bolha de pretensa segurança e felicidade. A narrativa se fragmenta em tempos desconexos, intercalando o dia da festa de 17 anos da jovem e bonita Virginia (Bella Piero), com os dias desoladores que a sucederam. Ao optar pela ordem não cronológica dos fatos, a diretora abre uma janela angustiante de como eclodiu uma tragédia que ocorre numa data em que tudo deveria s...

FANTASMA (2023) Dir. Martin Duplaquet

Texto por Marco Fialho Apesar de Fantasma  ser irregular do ponto de vista de sua produção, oscilando entre umas cenas bem filmadas com outras que beiram o amadorismo, o tom cômico da película chilena em coprodução com o Brasil salva a concepção geral da obra. O filme, dirigido por Martin Duplaquet, vem reafirmar o gosto do cinema produzido na América Latina pelos golpes e assaltos a banco. Os exemplos são muitos, como o recente Os Delinquentes (2023), Plata Queimada (2000), Odisseia dos Tontos (2019) e o clássico  Nove Rainhas (2000), apenas para citar alguns.  Fantasma é mais uma obra que explora   essa situação. Claro, que a condição de falência que perpassa esses países alimenta essas ideias que envolvem muitos riscos, além de muita aventura e um quê de insólito. Fantasma se valoriza muito pelo seu elenco que imprime grandes atuações como as de Willy Semler (Fantasma), Elisa Zulueta (Judi) e Dário Lopilato (Picasso). A direção de Martin Duplaquet sabe se aproveit...