Texto por Marco Fialho
Precisamos refletir que o tema Escola de Samba é um dos mais complexos. A sua história é deveras multifacetada e cheias de nuances. O documentário Não Vamos Sucumbir, dirigido por Miguel Przewodowski, opta por entendê-la como um lugar de resistência política. Assim, o desafio da direção é tentar capsular a ideia de montagem, de forma que o tema não seja desvirtuado.
Porém, o tema se mostra escorregadio e o documentário acaba estrangulado pelas suas escolhas. O que Não Vamos Sucumbir faz é construir uma visão reducionista e até idílica sobre o que são as Escolas de Samba no mundo contemporâneo. Os bastidores que vemos se reduz aos carnavalescos e uns poucos outros personagens que circundam as Escolas de Samba. Como falar delas sem mostrar as contradições que lhes são inerentes? E suas relações econômicas de financiamento, fruto de uma estrutura de poder onde na maioria das vezes acaba nas manchetes dos jornais de crime? O próprio Salgueiro, tão falado no filme, já foi bastante noticiado acerca das mortes de seus patronos, em uma rede de crime e assassinatos.
O enfoque da resistência em si não dá conta da complexidade das Escolas de Samba, por mais que o grande historiador Luiz Antonio Simas, uma referência quando o assunto é cultura popular, se esforce em um malabarismo de repertório temático e realize um discurso convincente repleto de contorcionismos, o filme soa forçado e unilateral por só querer ver o tema sob o aspecto da resistência negra, como se esse sublinhar cultural desse conta de um universo imerso em contradições históricas e econômicas. Como se escolhem os sambas enredos? Quais os interesses políticos envolvidos que contaminam essa escolha? Quais as mudanças estruturais os desfiles sofreram no decorrer dos anos? E os temas quando são escolhidos numa tentativa de troca financeira com prefeituras e governos de Estados? E os direitos de transmissão dos desfiles e o recorte dado pelo único canal que monopoliza os olhares do público pela televisão? São muitas perguntas, essas são apenas algumas que fazemos.
Quando o filme entra nos barracões das Escolas de Samba, pouco sabemos realmente sobre o cotidiano deles, o único a ser ouvido é o carnavalesco, como se apenas ele importasse no processo de formação do carnaval. O filme volta aos anos 1970, para resgatar a figura de Fernando Pamplona e sublinhar a primazia desses profissionais. Curiosamente, o filme não fala do quanto a valorização dos carnavalescos trouxe com eles aquela ideia de riqueza e espetacularização do carnaval carioca, o tal luxo que foi retirando o espaço dos passistas na avenida. Me lembrei aqui do samba Visual, composta em 1978 por Adilson Coelho dos Santos e Darcy Jose Torres, gravado com sucesso pela grande Beth Carvalho, que dizia:
"Depois que o visual virou quesito
Na concepção desses sambeiros
O samba perdeu a sua pujança
Ao curvar-se à circunstância
Imposta pelo dinheiro
E o samba que nasceu menino pobre
Agora se veste de nobre
No desfile principal
Onde o mercenarismo impõe a sua gana
E o sambista que não tem grana
Que que acontece com ele?
Não brinca mais o carnaval,
Ai que saudade que eu tenho
Das fantasias de cetim
O samba agora é luxo importado
Organdi, alta costura
Com luxuosos bordados
E o sambista
E o sambista que mal ganha pra viver
Até mesmo o desfile
Lhe tiraram o prazer de ver"
Quero frisar, que esse samba data justamente do período onde a figura do carnavalesco e suas alegorias e adereços começam a proliferar no mundo do samba. Claro, que dentro do recorte proposto, o filme busca a sua coerência, especialmente por se amparar no discurso politizado e engajado de Luiz Antônio Simas. Entretanto, o enfoque nos novos carnavalescos, mais engajados socialmente, me parece frágil para sustentar uma história bem mais complexa, na qual precisa ser recontextualizada para que possamos ver o tema dentro de uma perspectiva mais abrangente e justa. O mais surpreendente de Não Vamos Sucumbir é não ouvirmos as vozes dos sambistas, aqueles que deveriam ser os protagonistas de um documentário sobre o mundo do samba, por mais que esse mundo aqui seja o das escolas de samba. O que ratifica a importância do samba Visual e sua crítica à ideia de espetacularização.
Perfeito, Marco. Vc conhece o meu filme As batidas do samba, de 2011?
ResponderExcluirConheço Bebeto!! Acho incrível esse filme!! Adoro a parte do Wilson das Neves.
Excluir