Texto por Marco Fialho
Não Fale o Mal, dirigido por James Watkins, é uma refilmagem de um filme homônimo dinamarquês, realizado em 2022. Essa adaptação hollywoodiana mantem muitos aspectos do original, um thriller de tirar o fôlego, embora mude pequenas partes que são essenciais e levam à obra estadunidense para um desfecho bem diferente do dinamarquês. Esse tipo de alteração é bem característico do cinema hollywoodiano, que sempre precisa moldar as histórias aos seus preceitos morais basilares e aqui esse aspecto é seguido à risca.
A versão estadunidense mantem o ponto de partida do original ao iniciar a história pelo encontro de dois casais de países e costumes diferentes. Mas a construção do enredo é bem complicada por parte de James Watkins, pois a versão dinamarquesa frisava mais uma crítica à família tradicional do país, enquanto à hollywoodiana em um primeiro momento aceita a crítica à família tradicional, mas depois sustenta no final o quanto a mesma é primordial. Se na versão original a crítica social à família burguesa é ácida, na versão atual ela é completamente desconstruída no final, o que leva o filme para outra abordagem.
Isso quer dizer que o filme hollywoodiano é mal realizado? Evidente que não. Deve-se frisar que o roteiro é muito bem construído, desde o encontro furtuito dos casais numa viagem à Itália até o convite para que o casal estadunidense, recém instalado em Londres, visite o casal inglês na casa de campo deles. James Watkins sabe costurar uma história com toda a calma possível, sem revelar muito sobre o mal já anunciado pelo título, apenas nos aproximando muito lentamente dele. Somente no último terço que o terror, antes contido, explode com toda a força. Daí em diante, o filme ganha o rosto de um típico e tenso thriller hollywoodiano, com a eterna luta entre os heróis estadunidenses contra os terríveis vilões, que sempre são os outros que não podem prosperar jamais, como se isso realmente correspondesse à realidade diária da sociedade.
Não Fale o Mal possui uma enorme competência, que é a marca do cinema hollywoodiano, de defender os seus valores falidos de família. Em certo ponto do filme, o casal estadunidense confessa que o casamento deles é um fracasso, que a esposa Louise (Mackenzie Davis) estava trocando nudes pelo celular com outro homem. Paddy (um James McAvoy muito à vontade no papel do vilão) chega a dizer que ele fez tudo o que fez porque lhe foi permitido pela família certinha estadunidense. O que me fez até considerar torcer pelo seu personagem, que soa muito mais verdadeiro do que os engomadinhos estadunidenses. Enquanto na versão original de 2022 o diretor criticava o artificialismo da etiqueta da típica família dinamarquesa, nessa versão atual isso se transforma apenas no conflito entre uma família bem educada com outra mal educada.
Mais uma vez, o cinema hollywoodiano reafirma o ato de contar uma história para ocultar o seu discurso moralista. Não há embutida uma crítica ao casal, apenas uma certeza de que em contato com o mal, no caso aqui, Paddy, essa família reunirá forças para voltar ao caminho "correto" e passará a agir como se deve para ser uma família exemplar e tradicional estadunidense. A moral se impõe ao universo crítico, pois o mal só pode ser combatido quando a família se une para destruí-lo. Enquanto no original, o trágico se coloca como inevitável, como reafirmação da pequenez daquele modelo familiar burguês, na estadunidense um esperançoso happy end se sobrepõe a tudo e a todos, sinalizando que somente existe aquele modelo familiar e só nele se pode se reencontrar a felicidade e a harmonia. É mais uma vitória do ilusionismo hollywoodiano frente ao realismo cinematográfico.
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