Texto por Marco Fialho
A diretora Caroline Fioratti mergulha sem dó no paraíso artificial de um condomínio de luxo em São Paulo, desconstruindo o mundo das felicidades fáceis que o dinheiro sonha poder comprar em Meu Casulo de Drywall. E a diretora faz uma investigação por dentro, discutindo o mundo dos ricos em sua intimidade. Esse é um trabalho onde se pretende aferir mais as subjetividades do que se descobrir a origem da riqueza ou acumulação de uma parcela menor da população brasileira.
O filme de Caroline Fioratti segue olhares multifacetados desse universo, mostrando o quão vazio é a vida desses jovens que vivem numa bolha de pretensa segurança e felicidade. A narrativa se fragmenta em tempos desconexos, intercalando o dia da festa de 17 anos da jovem e bonita Virginia (Bella Piero), com os dias desoladores que a sucederam. Ao optar pela ordem não cronológica dos fatos, a diretora abre uma janela angustiante de como eclodiu uma tragédia que ocorre numa data em que tudo deveria ser alegria e confraternização.
Todos os personagens que orbitam na história são ricos, com exceção da empregada da casa da família de Virgínia, que poderia até ser uma personagem mais presente e a dar de alguma forma uma visão para além do mundo dos mais abastados. Dos adultos, apenas Patrícia (Maria Luísa Mendonça) a mãe de Virginia realmente se estabelece como uma personagem de fato tendo considerável peso na história. Há o personagem de Marat Descartes, como o pai de Nicollas, mas sua participação é bem pontual, apesar de importante. Já a atuação de Maria Luísa Mendonça é um dos pontos altos do filme, como uma mãe dilacerada, incrédula e enlouquecida diante da tragédia que premeditou e até tentou evitar, o que mostra uma certa impotência que ela tinha no cotidiano com a filha.
Caroline Fioratti não poupa ninguém em sua investigação, indo fundo especialmente na alma desses jovens solitários abandonados pela vida transloucada dos pais que precisam assegurar o conforto material de suas famílias, sem se atinar que a saúde mental dos seus filhos está por um triz. A diretora nos mostra como o dinheiro pode realmente comprar tudo, até a infelicidade. A busca por identidade está presente na vida desses jovens que vivem nesses condomínios de luxo, não casualmente a diretora usa e abusa dos espelhos, como se a juventude dessa casta social ansiasse por saber quem realmente são e qual futuro a vida lhes reserva.
Meu Casulo de Drywall mergulha no mundo frágil de 4 jovens: Virgínia, Luana, Nicollas e Gabriel. O que eles tem em comum é o dinheiro e uma vida vazia e sem perspectivas. A vida deles já parece encomendada pelos pais, projetadas para o sucesso profissional e para mais infelicidade. A fotografia e a direção de arte constroem esse mundo com camadas necessárias de artificialismo e ilusão, o pintando como um mundo de faz de conta prestes a desmoronar.
A personagem de Maria Luísa Mendonça talvez seja um pêndulo na história, e ela funciona também como uma espécie de espelho desses jovens, do tipo "eu sou vocês amanhã". Lembra muito um fantasma shakespeariano a vagar, quase como uma personagem vinda do mundo dos mortos, com sua maquiagem destruída tanto o quanto a sua alma. Ela pressente a tragédia, talvez justamente por ser a própria imagem dela. Há um jogo de duplicidade entre mãe e filha, e uma cena da piscina é categórica ao anunciar essa imagem. Elas se fundem na água, elas vestem o mesmo vestido (inclusive vestem o mesmo número de roupa). A morte de Virginia não deixa de ser a de Patrícia. Não casualmente ela flerta desesperadamente com Nicollas, o namorado, e Gabriel, o pretendente apaixonado.
O que mais Meu Casulo de Drywall quer mostrar é o quanto este mundo vividos sob um excesso de proteção é frágil e insuficiente para suplementar a falta de carinho que envolve esses personagens. São um bando de zumbis endinheirados, desconfiados de qualquer forma de sentimento genuíno. Nicollas vive pelos cantos do condomínio a obter prazer fugidio com alguns empregados. Luana, a melhor amiga, sonha em conquistar o amor de Virginia, apesar de enfrentar o preconceito racial dos pais de seus amigos, assim como o misterioso Gabriel, atraído igualmente por Virginia. Apesar do dinheiro, o universo dessas vidas é do mínimo, o condomínio é o mundo que eles conhecem, e óbvio que isso não basta. Vivem em seus aquários multicoloridos, suas redomas artificiais criadas pelo dinheiro dos pais, convivem com a facilidade de se ter armas de fogo em casa, um item de proteção que expõe a contradição daqueles casulos.
Meu Casulo de Drywall é cruel, dilacerante e verdadeiro ao buscar as emoções desses personagens abastados. O filme é um tipo de inventário espiritual acerca dessas almas cujo conforto financeiro não garante nada. O que parece é que quando se nasce na riqueza o vazio já nasce junto. Os condomínios da Barra da Tijuca que o digam. O universo dos comprimidos, e das drogas em geral, acaba dizendo muito sobre esse mundo aparentemente perfeito e ilusório. Como se nos inventários das famílias se herdasse além de propriedades e contas bancárias, as drogas prescritas que tentam manter a saúde mental de quem vive nesses casulos de drywall.
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