Texto por Marco Fialho
Daniel Gonçalves é um diretor que desde o seu primeiro longa, "Meu Nome é Daniel Gonçalves" se propõe a discutir o universo da deficiência no Brasil. O seu mais novo trabalho, Assexybilidade, ele mergulha no apagamento erótico dos DEF (abreviação de pessoas com deficiência) e logo na primeira cena já diz para o que veio, ao mostrar uma cena de sexo (em silhueta) entre dois DEF.
Só pela escolha original do tema, Assexybilidade já mereceria muita atenção, mas Daniel Gonçalves mostra que está cada vez mais íntimo da linguagem cinematográfica e se permite trabalhar com performances artísticas que vão desenhando a montagem do filme, como as falas poéticas de Estela Lapponi e as ousadas performances públicas de João Paulo.
Se por um lado Daniel Gonçalves pulveriza a narrativa com muitos depoimentos, nem todos tão potentes, por outro, quando aborda sexo, deficiência e produção artística o filme dá um salto no interesse do espectador. Alguns depoimentos são fortes e inteligentes por ampliar a discussão sobre os DEF. O interessante é que por ser um corpo socialmente estigmatizado, os DEF estão muito mais abertos às experiências nas relações afetivas e amorosas do que os sem deficiência e Daniel sabe construir uma narrativa contemplando essa faceta esclarecedora. Bissexualismo, transgeneridade e não binarismo, para citar somente alguns casos, são discussões na ordem do dia e estão presentes no filme.
Daniel Gonçalves aparece também com a câmera na mão em algumas cenas, o que mostra o seu método de trabalho com as performances, que são os mais desafiadores para serem filmados devido aos movimentos dos corpos. Ali vemos o quanto a câmera de Daniel é de busca, prestes a captar o dinamismo da ação dos artistas. Mas as performances, em alguns casos, vem acompanhadas por um bonito jogo de luz, como a dança com o corpo nu da performer Angela.
Assexybilidade consegue o principal de uma filme sobre os DEF, que é a de ressignificar para a sociedade as potencialidades desse grupo específico, ao mesmo tempo que amplia a visão de como eles são heterogêneos e multifacetados. Ao abordar o sexo, tema que é tabu para toda a sociedade, não só para os DEF, vemos o quanto podemos aprender com eles, mais do eles conosco. Creio que o filme trabalha em um enfoque relevante por colaborar para criar referências acerca da discussão sobre os corpos DEF. Por isso, o surgimento da palavra capacitismo foi um divisor de águas contra o preconceito. Nomear o preconceito é um passo crucial para identificar e combater a discriminação contra os DEF.
Ao assistir a esse filme de Daniel Gonçalves me veio a ideia de como potente seria realizar um filme só com os artistas DEF. Os poucos que foram entrevistados já deram a dimensão da discussão e como a arte pode contribuir para dar uma maior visibilidade às pautas dos DEF, Fiquei fascinado pelas idéias do performer João Paulo, seu trabalho e sua coragem de enfrentar em um espaço público o preconceito dos passantes. Algumas de suas frases são antológicas: "o fetiche não é hegemônico"; "o desejo é um direito de todos"; e a mais impactante: "estamos construindo referências e ancestralidade acerca de nossos corpos DEF". Resta ao público ver, ouvir e aprender.
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