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Mostrando postagens de março, 2025

OESTE OUTRA VEZ (2024) Dir. Érico Rassi

Texto por Marco Fialho As primeiras imagens de Oeste Outra Vez são emblemáticas e elas expressam uma aridez fora do comum para um país como o nosso. Mas essa aridez passa longe do gratuito, ela é um marco de identidade dos personagens que acompanharemos logo a seguir, numa briga a mão, com claro caráter cômico, por conta de uma mulher. E diga-se de passagem que essa é a única e rápida vez que uma mulher aparece no filme.  A maior marca de Oeste Outra Vez  está na transposição dessa paisagem para uma interiorização dos personagens. É um filme de fora para dentro, onde a paisagem e o distanciamento do território se desloca para dentro do filme com uma força impressionante, esse é o dispositivo que vemos o diretor Érico Rassi aplicar com tremenda eficácia em sua obra. A exploração da aridez do território traz Oeste Outra Vez  para o ambiente do faroeste, para a masculinidade desse universo cinematográfico que tanta história fez na cinematografia clássica dos Estados Unidos e...

CÂNCER COM ASCENDENTE EM VIRGEM (2025) Dir. Rosane Svartman

Texto por Marco Fialho  Confesso que fui entusiasmado assistir a Câncer Com Ascendente com Virgem , de Rosane Svartman, depois de ouvir muitos depoimentos favoráveis e críticas efusivas, mas realmente fiquei pasmo com o que assisti. E não estou aqui para discutir o imenso carisma do filme e a temática super envolvente e até providencial de se falar de um assunto melindroso. Requer muita empatia e comprometimento com o tema, e isso o filme tem de sobra.  Porém, para além dessa relevância temática, tem um filme para se analisar, e nesse prisma, creio até ser difícil de comentar. Para mim, não há ali exatamente um filme, e sim uma peça publicitária institucional sobre um processo de tratamento médico altamente invasivo e penoso. O roteiro segue exatamente essa lógica de diálogo com o público, de como expor um tema delicado com o máximo de leveza, para não ferir a suscetibilidade das pessoas, inclusive as que já foram afetadas por essa terrível doença ou de familiares que já passa...

A BATALHA DA RUA MARIA ANTÔNIA (2023) Dir. Vera Egito

Texto por Marco Fialho Se Ainda Estou Aqui ampliou a necessidade de se rever o absurdo da violência da ditadura a partir de um ambiente de uma família abastada, A Batalha da Rua Maria Antônia , leva essa violência para dentro de uma instituição pública de ensino superior, no caso, da Faculdade de Filosofia da USP. E a diretora e roteirista Vera Egito realiza um filme com imensa pungência ao sublinhar a necessidade da luta contra os regimes de exceção, atualidade essa que também se afinal com o filme de Walter Salles. O filme narra as 21 horas que antecederam um conflito entre estudantes e o exército durante o regime militar e que culminou em uma tragédia histórica para o país. A diretora arremessa os espectadores para dentro de um ambiente de grande tensão, movido por 21 planos-sequências de tirar o fôlego. Aqui, os planos-sequências mostram as várias perspectivas da história, examinado o pensamento de professores e alunos, suas atitudes e decisões tomadas no calor da hora, no ápice da...

SEMPRE GAROTAS (2024) Dir. Shuchi Talati

Texto por Marco Fialho Sempre Garotas , dirigido pela diretora Shuchi Talati,   trata de um dos temas mais comuns do cinema indiano: o da repressão sexual sobre as mulheres e o que o filme nos oferece é uma rara visão de uma mulher, o que de certo valoriza a abordagem e nos faz ficar mais atento ainda ao fato narrado.  As reflexões de Shuchi Talati partem da história de Mira (Preeti Panigrahi), uma jovem do ensino médio de um internato que se defronta com dois desafios gigantes: se manter como a melhor aluna da turma, sendo a monitora-chefe e lidar com a sexualidade cada vez mais se aflora fisicamente, que se acentua com a chegada de Sri (Kesav Binoy Kiron), um jovem disposto a conquista-la com firmes propósitos de sedução. Mas no meio do caminho de Mira tem Anila (Kani Kusruti), a mãe, uma jovem senhora carente, que também faz seus jogos de sedução com o jovem pretendente.  A partir dessa história que Shuchi Talati constrói momentos de permanente tensão entre os personag...

"O BIXIGA É NOSSO!" (2025) Dir. Rubens Crispim Jr.

Texto por Marco Fialho "O Bixiga é Nosso!"  é aquele documentário que não tem vergonha de assumir o seu lugar no mundo. Se coloca como crucial na discussão sobre a importância da cultura como meio de luta para uma população marginalizada pelo poder instituído e pelas elites escravocratas que ainda mandam na política brasileira. Creio que estar marginalizado em São Paulo é obrigar-se a uma visão mais crítica da história da cidade, de se saber em contínua resistência frente ao avassalador poder econômico que destrói a natureza em nome do lucro.  Por isso, o documentário de Rubens Crispim Jr. começa com a luta comunitária para se reconhecer o passado quilombola da região, assim que as obras do metrô ganham força e revelam os subsolos do Bixiga, os vestígios de uma comunidade que resistiu urbanamente contra o domínio patriarcal das elites paulistas.  Rubens Crispim Jr. assume todos os riscos ao falar de uma região rica culturalmente, que possui um passado de grande lastro na ...

ADOLESCÊNCIA (2025) Dir. Philip Barantini

Texto por Marco Fialho Não é praxe analisarmos série aqui no Cine Fialho, mas Adolescência , dirigida por Philip Barantini, é um dos grandes assuntos do momento, fora que sua duração não passa de 4 horas de duração, o que nos motivou a vê-la e escrever algumas reflexões sobre ela.  A série é composta por 4 episódios filmados em 4 planos-sequências independentes, de mais ou menos 1 horas de duração cada. Muitos estão a comentar acerca da qualidade da filmagem, isto é, da ótima execução dos planos-sequências; da incrível direção de atores, fruto de ensaios muito bem executados que fazem os atores e atrizes serem impecáveis em suas interpretações; e lógico, da importância do tema da violência a partir de grupos e discussões vindos da internet e que confluem no cotidiano contemporâneo. Adolescência narra, a seu modo, a história do assassinato de Kate Leonard (Emilia Holliday), uma adolescente, pelo adolescente Jamie Miller (Owen Cooper). O que mostra os 4 capítulos da série e o que ess...

TODO DIA É DIA DE FEIRA (2024) Dir. Silvia Fraiha

Texto por Marco Fialho A feira livre faz parte do patrimônio imaterial da cultura carioca e presente no imaginário dessa cidade que aprecia sempre os modos de vida simples e descontraído de levar a vida. No mundo de hoje, regido pelo comércio virtual e pela impessoalidade, nada mais vivo, dinâmico e humano do que a ideia de se comprar mercadorias, em sua maioria frescas, no olho a olho com o feirante, esse ser que precisa usar muitas vezes do seu carisma para sobreviver.  O documentário  Todo Dia É Dia de Feira , dirigido por Silvia Fraiha,   parte dessas premissas para mostrar como funciona esse tipo de comércio tão carioca e que resiste aos hortifrutis, aos grandes supermercados e feiras virtuais. Mas nem tudo é moleza. Fraiha não esquece das noites mal dormidas e pelas madrugadas passadas nos galpões do CEASA e da CADEG para que logo nos primeiros raios da manhã, o público tenha disponível o que tem de mais fresco no comércio de frutas, verduras, legumes e peixaria. Si...

THE ALTO KNIGHTS: MÁFIA E PODER (2025) Dir. Barry Levinson

Texto por Marco Fialho The Alto Knights: Máfia e Poder  vem se somar aos tradicionais filmes de máfia produzidos na história do cinema. Entretanto, não é aquele filme de máfia onde vemos sucessivos assassinatos entre as gangues rivais com ação desenfreada dominando a narrativa. O experiente diretor Barry Levinson (Bugsy e Avalon), realiza um filme que aborda os bastidores da vida de Frank Costello, um mafioso já idoso, que vive um período turbulento com Vito Genovese, o seu grande rival do presente e ex-amigo de infância e juventude.  O diferencial dessa obra é ver Robert De Niro interpretando tanto Frank quanto Vito em mais um trabalho de composição muito acertado e cuidadoso. Mas porque  The Alto Knights: Máfia e Poder , mesmo tendo um ator do porte de De Niro não consegue se impor como uma obra de peso? Dentre vários fatores a serem elencados, creio que o roteiro seja o mais determinante por não ter desenvolvido bem a trama. O filme fica enclausurado em velhas fórmulas...

MILTON BITUCA NASCIMENTO (2024) Dir. Flávia Moraes

Texto por Marco Fialho Antes de começar a falar de Milton Bituca Nascimento , documentário dirigido por Flávia Moraes,   preciso declarar meu total comprometimento com o tema Milton Nascimento. Inclusive, confesso que aprendi a gostar do mundo ouvindo Milton Nascimento. Ele foi o meu griot ao cantar histórias do meu povo, em especial dos negros e me contou das injustiças, mas também das belezas que econtrou nas andanças que fez pelo nosso país. Hoje viajo para encontrar as suas canções, subo ladeiras e dobro esquinas na esperança de encontrar pessoas que ele tanto falou. Todas, sempre, ficaram em mim, e nas paisagens que tantas vezes visitei com suas músicas. O que seria de todos nós sem os sonhos que Milton tanto evocou nas suas obras. Escrevi, em 2023, uma crônica sobre Milton e o Clube da Esquina, que pode ser lida no link abaixo: https://cinefialho.blogspot.com/2022/10/musicas-que-habitam-em-mim-n-8-milton.html?m=1 Por esses fatores acima mencionados, a expectativa para assisti...

BETTER MAN - A HISTÓRIA DE ROBBIE WILLIAMS (2024) Dir. Michael Gracey

Texto por Marco Fialho Que fique claro desde agora nas primeiras linhas: para mim o filme  Better Man - A História de Robin Williams , biografia musical inspirada na vida artística do cantor pop inglês, e dirigida por Michael Gracey, ficou difícil de digerir. Em especial por conta tanto de um lastro egocêntrico quanto de uma considerável tendência megalomaníaca que parte do personagem e que se estende e expande para o filme. O problema maior é que essas características intrínsecas à obra não me deixaram interagir plenamente com o que via, pois sempre me afastavam dela e me impedia de ter uma fruição mais prazerosa. A cada nova cena, uma nova rejeição e assim foi até a última cena. Fora essas questões acima, a própria narrativa escolhida me causou igualmente repulsa. Do início ao fim, o que predomina é uma linguagem de videoclipe, isto é, são pouco mais de 2 horas de algo alucinante, mas o maior problema é que dessa fruta extraímos muito pouco suco. O que é a vida desse artista que ...

VITÓRIA (2024) Dir. Andrucha Waddington

Texto por Marco Fialho Não dá para começar esse texto falando de outra coisa, se não de Fernanda Montenegro. Se em Ainda Estou Aqui a nossa maior atriz precisou de poucas cenas e nenhuma palavra para impressionar o mundo com o seu grandioso talento, imagina agora em Vitória , novo filme de Andrucha Waddington, em que ela é inteiramente a protagonista, plena e majestosa? Fernandona chegou naquele ponto em que virou a própria definição da coisa. Quando está em cena ela define por si só, com o seu trabalho, o que é ser atriz. Algo mágico acontece em Vitória e essa magia em parte é inerente à força cênica de Fernanda Montenegro. O filme é baseado na história real de Joana da Paz, que antes de morrer confidenciou que sonhava um dia ver Fernanda Montenegro interpretando a sua história no cinema. Por isso, algumas críticas endereçadas a Andrucha por ele ter escolhido uma atriz branca para o papel de uma mulher negra não cabe aqui, pois era o desejo maior da própria personagem real er...

CÓDIGO PRETO (2024) Dir. Steven Soderbergh

Texto por Marco Fialho Código Preto , novo filme do diretor Steven Soderbergh, é um thriller de espionagem filmado com requinte e um humor implícito afiado e que conta com atores do calibre de Cate Blanchett e Michael Fassbender. Apesar de Soderbergh realizar uma direção segura e precisa, essa é uma obra daquelas que se esquece horas depois do fim da sessão.  Fassbender e Blanchett formam respectivamente o casal de espiões ingleses George e Kathryn Woodhouse. Ambos estão elegantérrimos em suas interpretações, ele mais contido e ela mais insinuante. Ela é suspeita de traição e o ponto de partida para uma trama daquelas em que a mentira ronda tanto os personagens que em certa hora perdemos a noção quem fala a verdade.  O maior mérito do filme como entretenimento está na maneira como Soderbergh arquiteta cenas que mais parecem um jogo de tabuleiro, arremessando o público para dentro da história, por mais que fiquemos perdidos com aquelas informações falsas que dificultam a espion...

O MELHOR AMIGO (2024) Dir. Allan Deberton

Texto por Marco Fialho Em termos gerais, O Melhor Amigo  é um filme para lá de manjado na indústria do cinema, uma comédia romântica que insere um musical para tornar o formato mais leve e digerível. Mas o maior diferencial do filme é dele ser voltado para o público LGBT. O filme tem origem em um curta homônimo do próprio Allan Deberton, mas que aqui pode expandir para uma ideia mais ampla, se transformando numa espécie de filme de verão. Apesar de ser voltado mais especificamente a um público alvo,  O Melhor Amigo  capricha em cenas de transas, paqueras e troca de casais, entretanto sem nunca realmente fazer cenas de sexo explícito, já que a direção almeja alcançar com isso um público mais amplo de simpatizantes contra o preconceito LGBT. Quilômetros separam, por exemplo, essa obra das de Bruce Labruce, que encena transas explícitas em seus trabalhos. Aqui tudo fica na insinuação e na sugestão, embora mesmo assim possa incomodar parte do público que ainda não suporta cen...

É TEMPO DE AMAR (2024) Dir. Katell Quillévéré

Texto por Marco Fialho É Tempo de Amar é um drama social pungente, que narra as transformações socias na França após a segunda guerra mundial. Apesar de ser uma história ficcional, o filme inicia com imagens reais que mostram mulheres francesas que colaboraram com o nazismo sendo humilhadas publicamente. Mas logo a seguir já vemos Madeleine (Anaïs Demoustier) tentando recomeçar uma nova vida como garçonete em um hotel e grávida de um soldado alemão.  Logo Madeleine se apaixona por François (Vincent Lacoste), um estudante rico com um problema na perna depois de ter contraído poliomelite. A diretora Katell Quillévéré edifica uma obra de fôlego, de uma época em que todos queriam e precisavam superar uma guerra terrível, que arruinou a vida das pessoas comuns, que cotidianamente pagaram um alto preço. É Tempo de Amar carrega a força desses personagens e suas lutas para serem felizes. A personagem Madeleine demonstra ao longo da narrativa ser determinada na busca por superar o seu ...

O MACACO (2024) Dir. Oz Perkins

Texto por Marco Fialho  Osgood Perkins, ou Oz Perkins, vem se destacando como um dos bons diretores no universo do cinema de horror. Fez muito sucesso com seu último longa, Longless - Vínculo Mortal , o que chamou atenção para seus trabalhos posteriores. O Macaco é o novo filme do diretor, que ainda tem no forno Keeper , com previsão de lançamento para ainda este ano.  O Macaco se assemelha a uma fábula macabra de como a infância pode marcar a vida de uma pessoa, inclusive em seus aspectos mais sinistros. No filme, um macaquinho de brinquedo, daqueles que funcionam dando uma simples corda para a seguir tocar um tambor ou bater um prato, se transforma em uma máquina mortífera. Pelo menos é o que acreditam os irmãos gêmeos, Bill e Hal (Theo James) que ao dar corda no macaco alguma morte acontece no entorno, ao mesmo tempo que protege que lhe dar a corda.  Na história, o macaquinho é achado por Bill e Hal quando ainda crianças mexem nos objetos deixados pelo pai, que abandon...

PARTHENOPE: OS AMORES DE NÁPOLES (2024) Dir. Paolo Sorrentino

Texto por Marco Fialho O diretor italiano Paolo Sorrentino parte de Parthenope, uma personagem oriunda da mitologia grega, para expandi-la a nossos dias e discutir um tema que é caro a sua trajetória como cineasta, o da beleza, como já tinha feito em A Grande Beleza (2013)   e Juventude (2015).  Se na mitologia, Parthenope é uma sereia vinda do mar para fundar uma cidade com seu nome (que depois viria ser renomeada como Nápoles), em Parthenope: Os Amores de Nápoles , Sorrentino a faz nascer na água do mar, logo nas primeiras cenas, para em sua trajetória impressionar a todos com a sua beleza inquestionável e incontornável. O primeiro grande acerto de Sorrentino está na escolha de Celeste Dalla Porta como protagonista e olha que o risco era imenso, já que ela não tinha sequer feito cinema em sua carreira.  É incrível como Celeste Dalla Porta se deixa moldar pela direção convicta de Sorrentino para construir uma personagem mutável, repleta de camadas e melancolia. Paol...

AMIZADE (2024) Dir. Cao Guimarães

Texto por Marco Fialho Cao Guimarães é um dos realizadores brasileiros mais coerentes e consistentes que temos hoje em atividade. O seu cinema é criativo, destemido e idiossincrático. Amizade, seu mais recente trabalho é tomado por uma atmosfera poética e de indagações filosóficas, muito devido ao caos que invadiu a vida do planeta a partir das pandemia do Coronavírus e que colocou a vida na iminência repentina do seu fim, provocando reflexões sobre as nossas formas de viver e estar no mundo. Amizade soa como uma autorreinvenção da vida por meio do cinema. Interessante como Cao fica motivado em pensar a amizade como elemento central, não que se almeje fazer um inventário do tema, muito pelo contrário, o que ele quer é poetizar o tema, com uma narração em off que joga ideias aparentemente soltas e aleatórias enquanto vemos imagens que encantam por um viés impressionista, que não se compraz em ser descritiva, e sim que funcionam como camadas interrogativas, vivas e regadas na inteligênc...