Pular para o conteúdo principal

É TEMPO DE AMAR (2024) Dir. Katell Quillévéré


Texto por Marco Fialho

É Tempo de Amar é um drama social pungente, que narra as transformações socias na França após a segunda guerra mundial. Apesar de ser uma história ficcional, o filme inicia com imagens reais que mostram mulheres francesas que colaboraram com o nazismo sendo humilhadas publicamente. Mas logo a seguir já vemos Madeleine (Anaïs Demoustier) tentando recomeçar uma nova vida como garçonete em um hotel e grávida de um soldado alemão. 

Logo Madeleine se apaixona por François (Vincent Lacoste), um estudante rico com um problema na perna depois de ter contraído poliomelite. A diretora Katell Quillévéré edifica uma obra de fôlego, de uma época em que todos queriam e precisavam superar uma guerra terrível, que arruinou a vida das pessoas comuns, que cotidianamente pagaram um alto preço. É Tempo de Amar carrega a força desses personagens e suas lutas para serem felizes.

A personagem Madeleine demonstra ao longo da narrativa ser determinada na busca por superar o seu passado. Só que o passado dela, e de François, persegue ambos. Ele tenta levar a vida como heterossexual ao lado da esposa, mas sempre algo acontece pondo em dúvida esse caminho trilhado, como a aparição de um amante ou o envolvimento com novos parceiros. É Tempo de Amar investe numa esmerada reconstituição de época, em um trabalho bem entrosado entre direção de arte e fotografia, que sabe explorar as imagens como contraponto às pretensões de superação dos personagens. É um filme que aposta nas camadas psicológicas dos personagens, sem esquecer as imbricações sociais que deram origem a elas.

A montagem majoritariamente segue a linearidade e insere o passado como um elemento que imerge, que brota no meio da trama. O casal assume um bar noturno que atrai momentos de alegria, embora não impeça que mais confusão adentre na vida do casal. É no bar que também conhecem Jimmy (Morgan Bailey), um soldado dos Estados Unidos que seduz o casal. Katell Quillévéré tempera o filme com muita sensualidade, esboça um triângulo amoroso e provoca discussões sobre os preconceitos da sociedade em relação à mulher e a violência perante os homossexuais. 

Se É Tempo de Amar não arrisca em sua narrativa, pelo menos consegue realizar com competência e fluência uma história que expõe as dificuldades de se viver em um tempo em que as regras sociais estavam alargando, mas ainda se mostravam rígidas e defasadas, onde não era fácil lidar com as artes e a poesia. Se ao final fortes cicatrizes são expostas, a diretora também faz questão de abrir portas e sinalizar que o futuro promete algumas esperanças. Mesmo que a vida seja por vezes ingrata e violenta, fica uma impressão de que viver sempre vale à pena, mesmo quando as adversidades teimam se fazer presente.                     

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...