Pular para o conteúdo principal

CÓDIGO PRETO (2024) Dir. Steven Soderbergh


Texto por Marco Fialho

Código Preto, novo filme do diretor Steven Soderbergh, é um thriller de espionagem filmado com requinte e um humor implícito afiado e que conta com atores do calibre de Cate Blanchett e Michael Fassbender. Apesar de Soderbergh realizar uma direção segura e precisa, essa é uma obra daquelas que se esquece horas depois do fim da sessão. 

Fassbender e Blanchett formam respectivamente o casal de espiões ingleses George e Kathryn Woodhouse. Ambos estão elegantérrimos em suas interpretações, ele mais contido e ela mais insinuante. Ela é suspeita de traição e o ponto de partida para uma trama daquelas em que a mentira ronda tanto os personagens que em certa hora perdemos a noção quem fala a verdade. 

O maior mérito do filme como entretenimento está na maneira como Soderbergh arquiteta cenas que mais parecem um jogo de tabuleiro, arremessando o público para dentro da história, por mais que fiquemos perdidos com aquelas informações falsas que dificultam a espionagem e o próprio espectador, este último, ávido e ansioso por não perder nada que atrapalhe o acompanhamento e os pormenores da trama. 

A fotografia é um dos elementos que mais chama a atenção em Código Preto. Logo na primeira cena, Soderbergh gruda a câmera nas costas de George para colar logo de cara público e personagem, e mostrar o quanto será preciso ficar atento às mirabolantes tramas de espionagem que circularão pela tela. A luz causa sempre um estranhamento, ou pelas cores quentes que mesclam com outras que beiram o estourado e criam um clima de irrealidade e mistério. E isto faz sentido dentro desse universo tão inusitado que é o da espionagem.

Soderbergh delimita o filme em um grupo de espiões atípicos, quase todos formando casais. Assim, a trama além de voltada para o trabalho de espionagem em si, também ganha nuances de supostas traições entre os casais, que embora não vemos ficamos a desconfiar, já que Soderbergh explora muito a troca constante de olhares entre os personagens. Em jantares e reuniões os jogos são estabelecidos, o que deixam as relações quase sempre em instabilidade. 

Código Preto não deixa de ser um filme que basta por si, que mergulhamos como um agradável passatempo, mesmo que as suas marcas desgrudam de nossa pele no primeiro banho que tomamos. Bons atores, boa música, enfim, um jogo agradável que usufruímos e que já vem com uma data de validade impressa. 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

O PASSAGEIRO: PROFISSÃO REPÓRTER (1975) Direção de Michelangelo Antonioni

Entra no carro, nós seremos o passageiro Passearemos pela cidade à noite Passearemos pela traseira rasgada da cidade Veremos a brilhosa e oca lua Veremos as estrelas que brilham tão claras Estrelas feitas para nós esta noite                                       Trecho da música "The passenger", de Iggy Pop   Por Marco Fialho Identidades feridas em um mundo devastado Incentivado pelo lançamento de 3 obras essenciais do mestre Michelangelo Antonioni em blu-ray pela Versátil Home Vídeo, fiquei tentado em escrever sobre um dos filmes que mais aprecio no cinema: "O passageiro: profissão repórter", um dos filmes mais comentados e discutidos nos cursos de cinema, em especial devido ao plano-sequência final. O título dado no Brasil desde os anos 1970 é mais um daqueles inapropriados. O original, "The  passenger" (que adotarei aqui) ,  é brilhante por permitir uma leitura ampliada ...