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THE ALTO KNIGHTS: MÁFIA E PODER (2025) Dir. Barry Levinson


Texto por Marco Fialho

The Alto Knights: Máfia e Poder vem se somar aos tradicionais filmes de máfia produzidos na história do cinema. Entretanto, não é aquele filme de máfia onde vemos sucessivos assassinatos entre as gangues rivais com ação desenfreada dominando a narrativa. O experiente diretor Barry Levinson (Bugsy e Avalon), realiza um filme que aborda os bastidores da vida de Frank Costello, um mafioso já idoso, que vive um período turbulento com Vito Genovese, o seu grande rival do presente e ex-amigo de infância e juventude. 

O diferencial dessa obra é ver Robert De Niro interpretando tanto Frank quanto Vito em mais um trabalho de composição muito acertado e cuidadoso. Mas porque The Alto Knights: Máfia e Poder, mesmo tendo um ator do porte de De Niro não consegue se impor como uma obra de peso? Dentre vários fatores a serem elencados, creio que o roteiro seja o mais determinante por não ter desenvolvido bem a trama. O filme fica enclausurado em velhas fórmulas dos filmes de máfia e não propõe nada de diferente ao segmento. Tudo fica na base do previsível na proposta de desenvolvimento de personagens, de tramas, de subtramas, de traições, e todos esses elementos parecem já terem sido filmadas antes. 

Barry Levinson não busca enfrentar o desafio de tirar o bolor das tramas dos filmes de máfia e sim ratificar o que sempre vimos sobre o tema, algo que cai no repetitivo e no insosso. Por isso, a interpretação de Robert De Niro mesmo sendo perfeita não impressiona, já que não há nada de especial na proposta narrativa que traga algum frescor aos filmes de máfia. De maneira geral, The Alto Knights: Máfia e Poder é um filme morno, em alguns momentos até desinteressante, ao mostrar o conflito de um universo em franca decadência, já que a história transcorre basicamente nos anos 1957, bem depois do tempo áureo que foi à época da chamada Lei Seca. Mas tratar do tema fora de seu auge poderia ainda assim render surpresas, e um enfoque diferente e atrativo para o público, o que não acontece.  

O filme de Levinson se sustenta mais pela polaridade entre as personalidades de Frank e Vito, o primeiro mais político, conciliador e que tende a minimizar o seu status de mafioso, com condutas mais discretas, embora participando da esfera de corrupção da política por debaixo dos panos. Vito é mais insinuante, tem até um orgulho de ser um bandido. Essa tensão dita todo o filme e ela não é suficiente para torna-lo instigante ou pulsante. Inclusive, algumas subtramas até afastam a história de uma reflexão maior, como a da namorada de Vito, que acaba em um imbróglio judicial que não acrescenta muito à trama maior. 

The Alto Knights: Máfia e Poder não escapa ainda de um velho problema do estereótipos dos filmes de máfia ao enquadrar os personagens como carismáticos e de certa maneira rústicos e engraçados. Há um discreto culto dessas personalidades violentas e cada vez mais defasadas socialmente. O filme não deixa de mostrar um mafioso inteligente, polido e astuto em contraste com um outro mais carcamano, vingativo e que age sem pensar (mesmo quando ele se imagina um pensador exemplar). São personagens construídos na base do clichê, da polarização barata que tanto vem predominando no universo político de nosso planeta.       

Entretanto, Barry Levinson não é um artesão qualquer e sim um veterano que sabe filmar, e se cerca de bons profissionais do fazer cinematográfico. Por isso, The Alto Knights: Máfia e Poder possui o devido apuro técnico, uma boa direção de arte e uma fotografia sombria na medida certa, fora a direção de atores caprichada, com uma ótima interpretação de Debora Messing como Bobbie Costello, esposa de Frank. 

Por isso, friso que o filme, apesar dos tantos aspectos complicadores já citados, tem sim algumas boas cenas, como a do encontro dos mafiosos numa fazenda, muito bem decupada e montada. The Alto Knights: Máfia e Poder mostra alguma eficiência quando aborda o drama de Frank, que quer sair do mundo do crime, mas encontra-se aprisionado a ele, por tantas rusgas que alimentou no decorrer dos anos como mafioso. Como todos vão acreditar no desprendimento profissional de Frank justamente quando Vito tenta um assassinato frustrado de Frank, que sobrevive e logo depois anuncia a sua aposentadoria? A desconfiança de Vito é plausível, assim é normal que ele ache que está sendo vítima de uma armação ou um plano de vingança de Frank. O filme se sustenta nessa dúvida e isso não é narrativamente o bastante para sustentar a trama.  

Contudo, temos que lembrar que estamos em 2025, não mais nos anos 1970, 80 ou 90 e que portanto a visão apologista de Barry Levinson sobre a máfia constitui o fator mais complicado da obra. Esqueci de mencionar que Levinson coloca Frank como o grande narrador de The Alto Knights: Máfia e Poder, e o faz evocando um evidente tom confessional e isso acentua mais ainda a visão do criminoso sobre o mundo e a vida. Lá pelo final, essa voz over de Frank nos lembra que os imigrantes que chegaram no Século XX nos Estados Unidos encontraram o país já devidamente explorado, com os indígenas dizimados e com os poços de petróleo já controlados por grandes empresas, sobrando para os recém-chegados poucas opções para enriquecerem no país. O caminho do comércio ilegal de bebidas foi o que restou para eles. Essa justificativa, obviamente, é cambeta e pouco ajuda no entendimento social desse tipo de banditismo, que grassou pelos Estados Unidos em um período de fome que ocorreu depois da derrocada da Bolsa de Valores em 1929, por ser rasteiro e não propor uma visão profunda e crítica da inserção dessas pessoas no mercado de trabalho.         

Mais do que analisar seus atributos cinematográficos, cabe aqui se atentar como as plateias mais críticas de hoje enfrentam certos temas polêmicos, como o da máfia, por exemplo, e embora The Alto Knights: Máfia e Poder se esforce em analisar o período do domínio de grupos mafiosos salientando o carisma e a humanização dos personagens, o que vemos é que a obra não oferece uma camada mais crítica dessas personalidades, apenas alimenta a visão caricatural de um velho tema do cinema clássico. Hoje não basta só salientar o personalismo dos gangsters, é preciso ver o quanto esses grupos criminosos foram usados por uma elite em crise que precisava expandir mercados e poder político. Infelizmente, essa não é a opção de abordagem de Barry Levinson e por isso seus arcabouços históricos se mostram tão frágeis e defasados ao olhar crítico de um determinado público em 2025, pelo menos naqueles que buscam no cinema algo para além do mero entretenimento.

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