Texto por Marco Fialho
Se Ainda Estou Aqui ampliou a necessidade de se rever o absurdo da violência da ditadura a partir de um ambiente de uma família abastada, A Batalha da Rua Maria Antônia, leva essa violência para dentro de uma instituição pública de ensino superior, no caso, da Faculdade de Filosofia da USP. E a diretora e roteirista Vera Egito realiza um filme com imensa pungência ao sublinhar a necessidade da luta contra os regimes de exceção, atualidade essa que também se afinal com o filme de Walter Salles.
O filme narra as 21 horas que antecederam um conflito entre estudantes e o exército durante o regime militar e que culminou em uma tragédia histórica para o país. A diretora arremessa os espectadores para dentro de um ambiente de grande tensão, movido por 21 planos-sequências de tirar o fôlego. Aqui, os planos-sequências mostram as várias perspectivas da história, examinado o pensamento de professores e alunos, suas atitudes e decisões tomadas no calor da hora, no ápice da luta contra a ditadura militar.
O título do filme até poderia ser no plural, batalhas, já que na prática ocorreram duas delas: uma com os estudantes da USP com os "estudantes" (as aspas fazem sentido porque a ditadura infiltrava agentes treinados para alimentar o conflito com os estudantes críticos à ditadura) da Faculdade Mackenzie, que ficava em frente ao prédio da USP. A outra batalha que pode ser registrada ocorreu ao final da primeira, quando entra em cena o exército como agente opressor.
Um dos pontos altos de A Batalha da Rua Maria Antônia é o seu ótimo elenco e a articulação que Vera Egito faz com os personagens em cena, o seu esforço para que todos tenham uma função bem definida em cada um dos 21 blocos de filmagem. Os líderes estudantis, formados por Benjamin (Caio Horowicz), Maria Helena (Juliana Gerais), Angela (Isamara Castilho) estão maravilhosos em cena e Vera Egito sabe jogar com a força de Lilian (Pâmela Germano), uma personagem que oscila entre a indecisão por questões pessoais e uma voracidade revolucionária ilimitada. Ela represa tanta energia em si que sua explosão torna-se imprevisível.
Ainda tem os professores, divididos entre os que se comprometem com a luta estudantil contra a ditadura, o caso de Antônio (Philipp Lavras) e aqueles em cima do muro, até simpáticos, mas optando pelo não engajamento em um primeiro momento, caso da professora Leda (Gabriela Carneiro da Cunha), figura fundamental para o desenvolvimento do roteiro. Outro personagem importante é o do marido de Leda, que funciona como um informante para os militares. As aulas de Leda sobre Aristóteles soam deslocadas da realidade extrema vivida pelos estudantes e Vera Egito salienta esse viés alienado da professora.
A fotografia em preto e branco confere aquele clima documental ao filme, além de somar à atmosfera um quê de sombrio. A locação original é perfeita para situar uma história que se passa em outubro de 1968, isto é, às vésperas da decretação do AI-5 (Ato institucional n° 5, editado pelos militares em dezembro do mesmo ano) e que retirou as garantias constitucionais e serviu para mergulhar o país em um processo autoritário que instaurou de vez a repressão política e a tortura à oposição.
A Batalha da Rua Maria Antônia é um drama político que precisa ser visto e discutido pelo país, realizado por uma diretora promissora que a partir da linguagem audiovisual propõe vários pontos de vistas que enriquecem o fato histórico abordado. Ainda temos o luxo de ver Clara Buarque como uma universitária de 1968 cantando Roda Viva, composta por seu avô Chico Buarque, uma das canções marcantes da época e que é tema do filme, escrita para um episódio semelhante ocorrido no Rio de Janeiro, quando os militares invadiram a peça de mesmo nome da música. Um filme deveras emocionante e que vem reforçar a ideia de que não devemos mais instaurar regimes ditatoriais de qualquer natureza no país.
Execelente apreciação do filme. Irretocável. "A batalha da rua Maria Antônia" é, desde já, um filme imprescindível para que as novas gerações, sobretudo, compreendam o quê, de fato, foi a ditadura militar no Brasil, suas repercussões e desdobramentos e, assim, a democracia retome sua centralidade para o Estado e a sociedade brasileiro. Ao lado de "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, o filme de Vera Egito nos chega em excelente momento: mais que nunca, mais que tudo, jamais podemos deixar cair no esquecimento ou resvalar para a indiferença os anos de chumbo que vivemos neste país. Ditadura nunca mais, anistia jamais.
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