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Mostrando postagens de novembro, 2025

APOLO (2025) Dir. Tainá Müller e Isis Broken

Texto por Marco Fialho Apolo simplesmente é um filme carismático, que sabe cativar o espectador não só pela história original que trata, a da gravidez de Lourenzo, um homem trans, e de Isis, uma mulher trans, como pela forma narrativa endereçada diretamente a Apolo, o filho que está prestes a vir ao mundo. A direção, dividida entre Tainá Müller e Isis Broken, acerta em cheio em adentrar no registro da vida cotidiana desse casal que choca parte do mundo pelo fato de Lourenzo ser um homem grávido, a exibir sua imensa barriga. O filme inicialmente entra na casa de Isis em Sergipe, para mostrar a vida a dois do casal e a relação amorosa deles com a família de Isis, que aceitou a transição dela. Socialmente, o casal passa por muitas dificuldades no local, especialmente com hospitais despreparados para tratar da gestação de pessoas trans. O grande motor de Apolo é o afeto, aquele em que mãe e pai destinam aos seus filhos, mas também os que flutuam entre Isis, Lourenzo e Apolo. O filme percor...

O NATAL DOS SILVA (2025) Série criada por Gabriel Martins

Texto por Marco Fialho O Natal dos Silva nasceu de experiências de Gabriel Martins com a sua família e de histórias que ouviu dos amigos sobre a noite de Natal. De fato a série tem contornos realistas, embora haja momentos melodramáticos de grande impacto dramatúrgico. Como a série foi filmada em 2025, achei estranho não conter aspectos políticos recentes, como a polarização que dividiu tantas noites natalinas dos brasileiros nos últimos cinco anos, porém isso não tira a força dessa intrigante série, que foi para outros caminhos. Um ponto forte de O Natal dos Silva é o seu elenco especial, com algumas caras que vem se destacando no cinema brasileiro recente, como Carlos Francisco (Geraldo), Rejane Faria (Bel) e Renato Novaes (Julio), embora o restante do elenco se saia muitíssimo bem, como Robert Frank (Luciano), Carlandréia Ribeiro (Lucia), Ítalo Laureano (Jesinho), Raquel Pedras (Lucimara), Norberto Novaes de Oliveira (Vanderlei) Thiago Augusto (Claudio), Marisa Revert (Vera) e sobre...

A NATUREZA DAS COISAS INVISÍVEIS (2025) Dir. Rafaela Camelo

Texto por Marco Fialho e Carmela Fialho A Natureza das Coisas Invisíveis  se traduz como uma bela poesia do viver durante um processo de passagem de uma idosa da vida para a morte. A diretora Rafaela Camelo narra com extrema sensibilidade e sutileza a trajetória de duas crianças de 10 anos, Sofia (Serena) e Gloria (Laura Brandão), cada uma a enfrentar os seus desafios de vida e a enfrentar o luto.  Sofia e Gloria se encontram em um hospital em Brasília, onde a mãe de Gloria, Antonia (Larissa Mauro) é enfermeira e a mãe de Sofia (Camila Márdila) precisa internar sua avó (uma interpretação excepcional de Aline Marta Maia) na emergência. Elas ainda não sabem o quanto ambas são desgarradas da sociedade, uma se sente deslocada por ser uma menina trans e a outra é obesa e precisou recentemente de um transplante de coração. Essas são coisas que não vemos logo de cara, mas que no decurso do filme descobriremos.  A Natureza das Coisas Invisíveis se divide em duas partes: uma prim...

BUGONIA (2025) Dir. Yorgos Lanthimos

Texto por Marco Fialho Que Yorgos Lanthimos é um diretor afeito à polêmica e a controvérsia todos nós sabemos, mas Bugonia (refilmagem de um filme coreano de 2003, chamado Save The Green Planet!)  talvez seja o seu trabalho mais sólido e instigante até aqui, com poucos maneirismos que às vezes enfraquecem os trabalhos anteriores do diretor grego e por adentrar diretamente em mecanismos que delineiam pensamentos ideológicos presentes na contemporaneidade e que a fazem erigir conflitos intermináveis.  A trama é encabeçada por Teddy (um ótimo Jesse Plemons), um homem obcecado por uma teoria de que Michelle Fuller (Emma Stone), uma CEO de uma grande empresa, é alienígena que tem como objetivo destruir o nosso planeta. Teddy manipula seu primo Don (Aidan Delbis), inclusive ministrando remédios que alteram sua percepção do mundo, para por em prática seu plano de sequestrá-la para fazê-la confessar sua verdadeira identidade, assim como a sua diabólica estratégia, antes que a mes...

O QUE A NATUREZA TE CONTA (2025) Dir. Hong Sang-Soo

Texto por Marco Fialho Duas abordagens da natureza conduzem O Que a Natureza Te Conta , novo trabalho do profícuo coreano Hong Sang-soo, a natureza que está fora de nós e a que guia as nossas relações como humanos. É nessa interseção que o diretor propõe sua história e narrativa, talvez uma das mais interessantes que construiu em sua longa carreira, pois já são 33 filmes realizados, e boa parte deles, exibidos aqui no Brasil. Em O Que a Natureza Te Conta , essa relação com a natureza se organiza dentro de um tempo específico, em um dia do jovem Donghwa (Seong-guk Ha) depois de namorar há três anos a jovem Junhee (Yoon So-yi) casualmente conhece sua família, depois de levá-la de carro até a sua casa. E são nessas quase 24 horas em que as relações se estabelecerão e revelarão as personalidades que oscilarão entre aparentes amenidades e conflitos irremediáveis, muitos deles geracionais. O filme se resume a 5 personagens: o jovem casal, os pais da menina e sua irmã mais velha. O filme se p...

NÃO SEI VIVER SEM PALAVRAS (2025) Dir. Andre Brandão

Texto por Marco Fialho Se tem um escritor no Brasil que é subdimensionado esse é Ignácio de Loyola Brandão. Não Sei Viver Sem Palavras vem colaborar para tirar um pouco esse personagem apenas do âmbito da universo da literatura, onde goza respeito e reconhecimento, para ganhar um pouco mais visibilidade em lugares para além da literatura.     O filme é dirigido pelo filho de Ignácio, Andre Brandão (que coloca Ricardo Carioba destacadamente como um codiretor, não sei exatamente o que isso quer dizer, mas está posto assim nos créditos iniciais) que depois de um início de filme um pouco confuso, onde o nascimento do diretor se confunde com imagens de Loyola em épocas diferentes na estação ferroviária de Araraquara, cidade natal do escritor. Não Sei Viver Sem Palavras é um documentário que vai cavando pela montagem uma face, como se tateasse um universo que quer explorar e exibir, mas que não soubesse bem qual caminho escolher para contar. Nem sempre o filme define seu alvo. ...

A QUEDA DO CÉU (2024) Dir. Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha

Texto por Marco Fialho  A Queda do Céu , dirigido por Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha,   possui um desenho narrativo complexo e interessante, já que concilia a visão de Davi Kopenawa sobre o seu povo, os yanomami, com o olhar de Eryk e Gabriela sobre a cultura de um povo que precisa cada vez mais conhecer o mundo para além de sua aldeia, para poder resistir ao constante ataque dos ambiciosos invasores brancos, querendo tomar as riquezas minerais e naturais do solo amazônico.  O filme mostra a difícil convivência dos indígenas com a cultura e o poder brancos, uma aproximação destrutiva em vários níveis. A sedução é grande e alguns cedem à promessa de riqueza e vão trabalhar com garimpeiros. O bom de A Queda do Céu é essa não idealização que os diretores imprimem, inclusive de mostrarem como os yanomamis desconfiam da honestidade da equipe de filmagem, se eles não estariam ali para repassar informações sobre a vida dos indígenas para que se estruturasse um ataque co...

SANTO ERRADO (2025) Dir. Daniel Ricardo

Texto por Marco Fialho Em Santo Errado, as profecias populares encontram eco na ideia de contemporaneidade queer e essa mistura é evocada pelo diretor alagoano Daniel Ricardo em seu novo curta-metragem. Sabemos que é na cultura popular que a mística nordestina encontra sua força mais vital ao se amparar no poder das palavras como mola propulsora para uma parábola sobre o amor e seus feitiços.  Desde o seu curta anterior, No Céu Não Tem Caldo de Cana (2024), que Daniel Ricardo demonstra apreço pela temática do relacionamento LGBTQIAPN+, mas agora a agregando ao bom humor que tanto caracteriza as histórias populares. Em Santo Errado , Ezequiel é um jovem a implorar por um amor em um fatídico dia de Santo Antônio, conhecido pelo seu dom casamenteiro. Só que biblicamente, Ezequiel é o profeta cujas visões partem de suas próprias experiências e aqui a sina não será diferente. Ezequiel também é conhecido por denunciar que o mundo abandonou a simplicidade pela vida luxuosa e fascina...

HONEY, NÃO! (2025) Dir. Ethan Coen

Texto por Marco Fialho No desenrolar de Honey, Não! , dirigido por Ethan Coen,   sentimos falta de algo, talvez a presença do irmão Joel, para dar maior textura narrativa ao filme. Mas isso não quer dizer que  Honey, Não!  seja uma obra fraca, apenas sentimos que o humor poderia ser mais afiado e arrojado em algumas cenas, que o elenco poderia ser melhor aproveitado, com mais nuances para ficar mais engraçado, pois quanto mais conhecemos os personagens, mais o cômico se sobressai na mesma medida.  Ao final de Honey, Não!  percebe-se a intenção de Ethan Coen, já trabalhado em outros tantos filmes já realizados, como Veludo Azul (1986), Deu a Louca nos Astros (2000)   e Fargo (1996), apenas para citar alguns, de mostrar o descompasso de uma cidade do interior com o discurso emancipatório do presente, o anacronismo das práticas sociais viciadas e retrógradas se encontrando com o desenvolvimento econômico e ideológico, ainda mais quando se está retratando a rea...

CRIME DE AMOR (1974) Dir. Luigi Comencini

Texto por Marco Fialho Conhecia o diretor Luigi Comencini por seu trabalho mais famoso, o ótimo  Pão, Amor e Fantasia , com os exuberantes Vittorio De Sica e Gina Lollobrigida. Confesso que Crime de Amor (1974) me surpreendeu positivamente e para além de qualquer expectativa. A história é capitaneada pelo astro Giuliano Gemma (Nullo), famoso pelos diversos faroestes spaguettis que protagonizou, e pela jovem Stefania Sandrelli (Carmela), dois operários que estabelecem uma relação amorosa numa Milão industrializada dos anos 1970.  A direção de Comencini é preciosa pela maneira habilidosa como ela se desenha desde o início. O filme começa com um suposto tiro, que não compreendemos muito bem da onde vem e pra onde vai, pois logo há um corte que nos leva do som do tiro para o som das máquinas de uma fábrica. Pode parecer que esse corte foi pensado como uma transição sonora, mas ao final do filme entendemos que esse corte inicial é bem mais complexo, ele possui uma linha de pen...

A MEMÓRIA DO CHEIRO DAS COISAS (2025) Dir. António Ferreira

Texto por Marco Fialho A Memória do Cheiro das Coisas discute a difícil arte de envelhecer, e mais ainda, da arte de encarar o final da nossa existência com o mínimo de dignidade. Arménio (José Martins, um ator soberbo que eu não conhecia) é um homem nessas condições, ávido por viver, por ter autonomia, mas precisa conviver com um grave enfisema pulmonar por ter abusado do fumo durante a sua vida. O personagem ainda precisa viver com os fantasmas do passado, já que lutou em Angola a favor do colonialismo português. Um dos pontos magníficos de A Memória do Cheiro das Coisas é como a direção encara a vida e a nossa capacidade de aprender coisas sobre convívio, respeito e amor, independente da nossa idade e condição social. A nossa capacidade de aprender está ligada à própria necessidade de viver, é praticamente involuntária, aprendemos sempre, mesmo sem pedirmos e António Ferreira explora isso com extrema beleza e imprevisibilidade.  Se podemos pensar que um asilo representa o nosso ...

O SÍTIO (2024) Dir. Silvina Schnicer

Texto por Marco Fialho Quem vê as primeiras cenas de O Sítio , dirigido pela cineasta argentina Silvina Schnicer,   com três crianças no banco de trás de um carro fazendo carinho um no outro, e se ajudando mutuamente a trocar de roupa, não tem noção do que o espera nas sequências seguintes. O idílico dessa vida rural rapidamente se transforma em algo pavoroso e o medo logo se alastra por todo o filme.  Quando essa família chega a sua bucólica casa de campo, o que encontram é a casa revirada, uma bagunça que a torna irreconhecível. O filme de Silvana Schnicer bem que lembra o clima sombrio de O Pântano , clássico dramático de Lucrécia Martelo, evocado em alguns momento pela atmosfera sinistra que enseja. A fotografia de Iván Gierasinchuk não deixa pairar dúvidas ao salientar sombras e obscuridade na sua concepção imagética.  A mise en scène de Silvina Schnicer se compraz em vários momentos por entregar pouco pelas imagens, que se revelam quase sempre fugidias, como se o o...

MALDITO MODIGLIANI (2025) Dir. Valeria Parisi

Texto por Marco Fialho Realizar um documentário sobre um artista que possui poucas imagens disponíveis dele, mas cuja obra tem um arsenal nítido de intenções e gestos, por mais esses sejam muitas vezes misteriosos e indeterminados, é um desafio imenso e que a diretora Valeria Parisi se propôs a enfrentar. O resultado pode ser contraditório e até irregular, às vezes cansativo pela ostensiva narração em off que a diretora escolhe como a maior referência narrativa do filme.  Essa voz em off que nos persegue em todo Maldito Modigliani é a de sua última esposa, a jovem Jeanne Hébuterne, que se suicida dois dias depois da morte do artista. Essa voz, é intercalada por especialistas em arte e um cineasta (Paolo Virzi), que no presente se somam à Jeanne como vozes a explorar as características estéticas do Modigliani, além de suas influências e intenções.  Valeria Parisi se prende muito ao espaço para narrar seu filme. Assim, ela mistura imagens do passado e presente para situar ...

ENTERREM SEUS MORTOS (2024) Dir. Marco Dutra

Texto por Marco Fialho A marca registrada de Enterrem Seus Mortos , novo filme de Marco Dutra, o que mais chama a atenção nele é o seu estranhamento. Desde a primeira sequência, um acidente envolvendo uma carro, uma moto, uma carroça de palhoça e um cavalo, somos apresentados ao inusitado, não só pela maneira como a sequência é encenada, mas também pela curiosa ação dos intérpretes, especialmente a de Selton Melo como Edgar Wilson, um homem que trabalha recolhendo corpos de animais mortos pelas estradas. O melhor dessa sequência é voltar a pensar nela depois que saímos da sala de cinema, de tentar imaginar o impacto dela no que veio depois. E refletir sobre o sentido mórbido desse começo será um bom guia para que acompanhemos a trama até o seu fim.  De certo, a sequência inicial de nada destoará de tudo o que veremos até o final do filme. A opção de Dutra não é a de explicar muito o que vamos vendo no transcurso da obra e sim ir deixando fios desencapados soltos para que nos arrisq...

QUERIDO TRÓPICO (2025) Dir. Ana Endara

Texto por Marco Fialho Querido Trópico é um filme que nos pega por uma afetividade transbordante. A diretora Ana Endara esbanja sensibilidade e empatia em uma narrativa que explora com extrema habilidade a história de uma relação improvável entre Mercedes (uma Paulina García como sempre brilhante), uma mulher idosa e empresária em processo acelerado de demência e Ana Maria (Jenny Navarrete), uma imigrante colombiana contratada pela filha de Mercedes para ser cuidadora da mãe. Como são felizes as escolhas dramáticas, narrativas e cinematográficas de Ana Endara. Querido Trópico nasce como um filme que contem uma humanidade latente, e de uma beleza visual esmerada. O ritmo que o filme encampa respeita o tempo na qual a relação entre Ana Maria e Mercedes acontece, seus silêncios e olhares atentos em que ambas destinam uma a outra. Mercedes é conhecida por ser uma mulher de personalidade emburrada e teimosa, mas a paciência de Ana Maria é tão espontânea, que rapidamente conquista a confianç...

IRMÃOS (2024) Dir. Greta Scarano

Texto por Marco Fialho Sabe aquele filme repleto de boas intenções, mas que desconhece que o inferno é justamente o lugar onde elas mais se proliferam? Esse é o caso de  Irmãos , dirigido por Greta Scarano, que trata de um tema atualíssimo, mas da maneira mais ineficiente possível, com os eternos vícios dos caminhos fáceis e apelativos. E resta ainda mencionar, que de italiano, o filme só tem a língua, pois parece ser muito mais um subproduto hollywoodiano do que um filme realmente italiano.  Irmãos aborda fundamentalmente a relação familiar entre dois irmãos, Irene (Matilda De Angelis) e Omar (Yuri Tuci), ele um homem de quase 40 anos, autista (somado com deficiência intelectual leve) e super protegido pelos pais, e ela, uma jovem bem-sucedida na carreira, mas que traz muitas frustrações do que queria ser na vida. Eles estão separados por duas cidades, ele mora com os pais, tia e avó em Rimini, ela em Roma. Os pais vão viajar, e precisam que Irene retorne a Rimini para cuidar...