Texto por Marco Fialho
Duas abordagens da natureza conduzem O Que a Natureza Te Conta, novo trabalho do profícuo coreano Hong Sang-soo, a natureza que está fora de nós e a que guia as nossas relações como humanos. É nessa interseção que o diretor propõe sua história e narrativa, talvez uma das mais interessantes que construiu em sua longa carreira, pois já são 33 filmes realizados, e boa parte deles, exibidos aqui no Brasil.
Em O Que a Natureza Te Conta, essa relação com a natureza se organiza dentro de um tempo específico, em um dia do jovem Donghwa (Seong-guk Ha) depois de namorar há três anos a jovem Junhee (Yoon So-yi) casualmente conhece sua família, depois de levá-la de carro até a sua casa. E são nessas quase 24 horas em que as relações se estabelecerão e revelarão as personalidades que oscilarão entre aparentes amenidades e conflitos irremediáveis, muitos deles geracionais. O filme se resume a 5 personagens: o jovem casal, os pais da menina e sua irmã mais velha.
O filme se passa em um região fora de Seul, mais agrária e bucólica, onde mora a família de Junhee. O primeiro choque ocorre logo na apresentação do jovem ao pai da menina, interpretado pelo experiente e habitual ator Kwon Hae-hyo, que fica impressionado com o carro velho do rapaz e se oferece a dirigi-lo, o que já gera um certo constrangimento. Essa cena inicial traduz muito o que veremos a seguir, um jovem constrangido tentando agradar à família da namorada. Sim, chama a atenção o fato do casal ter três anos de namoro e o rapaz não conhecer ainda a família dela. Creio que isso ilustra bem uma característica geracional que Sang-soo quer trabalhar em seu filme, de uma certa lentidão por parte dos jovens nos processos da vida.
Sang-soo constrói a narrativa em blocos temporais organizados por numerações. Em cada bloco conhecemos melhor as facetas de cada um dos personagens, mas parece que Sang-soo quer nos apresentar Donghwa como se tivéssemos o conhecendo junto com a família de Junhee. A intenção de Donghwa inicialmente é conhecer a casa, que ele considera bem grande e atrativa, mas logo se depara com o pai, o que desencadeia uma série de acontecimentos, todos dentro desse dia na casa da namorada.
Como um típico filme de Sang-soo, a conversa é o que desenha a história, com a câmera quase sempre fixa e os personagens a falar. É curioso como muitas vezes o falar em Sang-soo representa mais se esconder do que se revelar, pois o que se revela é que cada um de nós possui um personagem já devidamente desenhado para si, e o que fazemos é tentar sustentá-lo para os outros. Aqui, Donghwa é um poeta idealista, desapegado das coisas materiais e sem muito interesse ou talento para ganhar dinheiro, mas é sempre bom lembrar que o seu pai é um proeminente advogado.
Donghwa passa de sequência em sequência conhecendo a família de Junhee e começa pelo pai, o apresentando o imenso jardim arborizado inclinado da casa, e fumando em um banco com vista panorâmica, onde a conversa não sai do esperado, com elogias a Junhee e a sua avó, já falecida e idealizadora da casa. A revelação da natureza só atrai comentários amenos e aprazíveis sobre a beleza da poesia e os mistérios do mundo. Mas essa é a parte onde a natureza está ali para ser idealizada e contemplada e Sang-soo parece querer nos deixar inebriados com esses planos bonitos e que pouco revelam e aprofundam sobre os personagens.
Desde que Donghwa entra na casa de Junhee, eles só saem para um almoço entre o casal e a irmã mais velha. Novamente, em um restaurante, cenas que Sang-soo tanto aprecia fazer, as conversas sobre a vida se avolumam e criam uma maior intimidade entre os três, mas um fato importante ocorre, quando Donghwa come além da conta, chegando a comer partes da comida da namorada e da irmã, o que gera uma certa má impressão em relação a sua pessoa. Dali, os três vão passear em um templo, ele escreve e mais à frente filosofa dizendo que "a gente não sabe nada da vida...".
Mas é na volta para a casa da namorada que Sang-Soo promove uma grande guinada no filme. Claro que o diretor escolhe mais uma vez uma mesa de jantar, regada a bebidas alcóolicas como o local propício para que ocorra as maiores e mais contundentes revelações. Donghwa se torna o centro das atenções e de certa maneira é pressionado a falar mais de si. Mais uma vez ele filosofa quando a mãe pergunta sobre poesia: "quando escrevo parece que tudo a minha volta muda".
Depois de beber um pouco de saquê, Donghwa, a namorada, a irmã e o pai delas vão contemplar o pôr-do-sol no jardim e mais uma vez a natureza intervém com beleza, como mediadora poética, como inspiração para uma vida vista de dentro para fora, e nesse terreno, Donghwa se sai bem. Mas quando eles voltam para à mesa, Sang-soo filma o que melhor sabe fazer, as célebres cenas com personagens perdendo os filtros que barreiravam suas verdades. Donghwa discursa sobre a vida, de como não faz questão de ter dinheiro, apenas de ter o básico para viver. Com a bebida, Donghwa se expõe e se fragiliza. O que parecia carinho e atenção se transforma rapidamente em tensão. A mãe de Junhee pede para ele citar uma poesia. Ele o faz e a recepção é fria. A irmã de Junhee diz que o discurso dele é possível porque o pai é um advogado de renome. Ele explode e as máscaras vem abaixo.
Sang-soo gosta desse jogo do social, desse teatro, mas sobretudo de desfazer com eles, desmontá-los até o constrangimento vir à tona. Mas não satisfeito por expor as contradições, o diretor ainda toca em um tema atual na contemporaneidade, a do abismo geracional. Donghwa simboliza um dado de geração, o desapego e até mesmo o desprezo ao trabalho formal que tomou conta dos jovens, um certo idealismo que move a juventude e que vai além de um país, que está registrado em vários filmes de hoje. Ao final, Sang-soo nos convida a rever todo o filme sob o prisma de todas as conversas que vimos, para que possamos ligar os fios que poderiam soar aleatórios ou sem sentido.
O flagrante de Sang-soo ao mostrar as conversas sinceras entre o pai e a mãe de Junhee sobre Donghwa são exemplares sobre a descrença deles perante o rapaz. Falas como a do pai: "Ninguém vive economicamente só de poesia...", ou a da mãe: "ele nunca bateu de frente com a realidade"..., atestam o abismo de uma geração para outra. O velho carro de Donghwa enguiçado ao final, fecha bem a ideia de como as diferenças estão postas, com o rapaz assumindo que seria melhor vender o carro.
As famosas aproximações de Sang-soo realizadas dentro das cenas com o movimento das lentes (os famosos zoom-in), ocorre no final, mas só que nesse movimento tem um pequeno detalhe. Junto dele vem um desfocado da imagem, e justamente a imagem de Donghwa dentro do carro enguiçado. A visão sobre alguém parece não ser a mais nítida e Sang-soo revela isso pela imagem que a câmera artificialmente revela. Quem fica embriagado ao final não só os personagens, mas também nós, os ingênuos espectadores.

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