Texto por Marco Fialho
Realizar um documentário sobre um artista que possui poucas imagens disponíveis dele, mas cuja obra tem um arsenal nítido de intenções e gestos, por mais esses sejam muitas vezes misteriosos e indeterminados, é um desafio imenso e que a diretora Valeria Parisi se propôs a enfrentar. O resultado pode ser contraditório e até irregular, às vezes cansativo pela ostensiva narração em off que a diretora escolhe como a maior referência narrativa do filme.
Essa voz em off que nos persegue em todo Maldito Modigliani é a de sua última esposa, a jovem Jeanne Hébuterne, que se suicida dois dias depois da morte do artista. Essa voz, é intercalada por especialistas em arte e um cineasta (Paolo Virzi), que no presente se somam à Jeanne como vozes a explorar as características estéticas do Modigliani, além de suas influências e intenções.
Valeria Parisi se prende muito ao espaço para narrar seu filme. Assim, ela mistura imagens do passado e presente para situar os locais pelos quais o pintor de Livorno realizou suas obras, que à época não fizeram sucesso, mas que hoje valem milhões de dólares e euros. Maldito Modigliani aposta no aspecto boêmio do artista e na sua qualidade de grande sedutor de mulheres (que serviam como inspirações para os rostos que amava pintar e que viraram a sua faceta artística mais celebrada), como uma das marcas da sua personalidade elegante e ao mesmo tempo selvagem que possuía.
Maldito Modigliani possui uma montagem avassaladora, sem muitos respiros, na medida que registra muitos museus, casas e espaços públicos determinantes para a carreira de Amedeo Modigliani. Essas imagens difusas, do passado e do presente, servem de moldura para uma narrativa exaustiva, ininterrupta de informações. São muitos detalhes que revelam uma pesquisa acurada acerca da vida do artista. Algumas imagens de hoje, inclusive as encenações com atores representando os personagens, soam por demais artificiais e até eroticamente apelativas.
O filme não se calca muito em fases do artista, prefere delimitar a personalidade insólita e afirmativa de Modigliani e o quanto transitou por diversas relações com outros artistas como Picasso e o escultor Constantin Brancusi, partilhando com esses dois o amor pelo chamado primitivismo, para que a ideia moderna de arte não solapasse as culturas ancestrais vindas dos Continentes da África e Oceania.
Maldito Modigliani enfoca muito as cabeças cariátides, uma de suas fixações como artista e um dos traços mais evidentes da busca primitiva, muito embora tenha ali também características de Botticelli. Envolvendo ainda essas cabeças cariátidas, correu nos anos 1980 uma lenda de que Modigliani antes de deixar Livorno para ir para Paris teria jogado no rio da cidade três esculturas de cabeças, o que serviu de mote para que um falsificador afundasse três cabeças para serem resgatadas e vendidas por uma fortuna.
Ao meu ver, Valeria Parisi se perde um pouco na sua narrativa quando introduz e se detém em demasia nas histórias de falsificação da obra de Modigliani. Mesmo que se justifique a diretora manter a condução de Maldito Modigliani como se Jeanne estivesse nos dias de hoje dialogando com o artista italiano, esse é outro artifício que leva o filme para algo sempre esperado, que não resiste a sua duração total, por mais que ela intercale isso com depoimentos de especialistas da obra dele.
Em um documentário, em que se possui muitos fatos para serem expostos e analisados, é comum haver uma boa dose de dispersão. É isso ocorre com Maldito Modigliani. A diretora Valeria Parisi vai puxando muitos fios e para cada um tece histórias e mais histórias. De repente, ficamos naquela sensação de qual filme estamos vendo: é sobre as relações amorosas; as influências pictóricas; a Paris efervescente dos anos 1920; a falsificações que a obra de Modigliani sofreu, enfim, são muitas frentes que se abrem e que ampliam por demais as perspectivas analíticas de Maldito Modigliani.
Mesmo que o filme traga muitas ideias e desenvolva algumas a contento, outras parecem ficar incompletas, o que passa a impressão que determinadas temáticas internas ao filme poderiam ser mais trabalhadas do que foram. A riqueza da vida de Modigliani, com certeza, impõe vieses dos mais variados e imensos desafios para quem se aventura a realizar um filme sobre ele. Mas ainda assim, Maldito Modigliani vale pelo risco e pela tentativa corajosa de Valeria Parisi de pensar a vida e a obra do mestre italiano em um conjunto, mesmo que ao final isso soe impreciso.
Sempre me pergunto sobre as escolhas narrativas de um filme e aqui isso se sobressai imensamente, já que quem narra não é propriamente Modigliani e sim uma de suas esposas, e como eu já disse antes, alguns especialistas em arte e na obra dele. Por mais que haja uma visão carinhosa dela para com Modigliani, essa construção não deixa de ter um pé numa ideia clássica de narração em documentário (por mais que aqui ela esteja camuflada pela voz de uma de suas esposas), e se sustentar pelas vozes que estão ali para justificar a qualidade ou as características de um artista, esse pressuposto narrativo carrega algo de duvidoso, como se Modigliani precisasse desses avais ou de quaisquer outros balizamentos teóricos para enaltecer o seu trabalho ou comportamentos que tomou durante a vida.
Cabia em Maldito Modigliani uma decisão capital: ou se narrava exclusivamente pela perspectiva dela ou dos especialistas. Essa mistura de visões deixou o filme numa indecisão problemática acerca de sua vertente narrativa e de sua intenção perante ao seu objeto de estudo.

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