Texto por Marco Fialho
No desenrolar de Honey, Não!, dirigido por Ethan Coen, sentimos falta de algo, talvez a presença do irmão Joel, para dar maior textura narrativa ao filme. Mas isso não quer dizer que Honey, Não! seja uma obra fraca, apenas sentimos que o humor poderia ser mais afiado e arrojado em algumas cenas, que o elenco poderia ser melhor aproveitado, com mais nuances para ficar mais engraçado, pois quanto mais conhecemos os personagens, mais o cômico se sobressai na mesma medida.
Ao final de Honey, Não! percebe-se a intenção de Ethan Coen, já trabalhado em outros tantos filmes já realizados, como Veludo Azul (1986), Deu a Louca nos Astros (2000) e Fargo (1996), apenas para citar alguns, de mostrar o descompasso de uma cidade do interior com o discurso emancipatório do presente, o anacronismo das práticas sociais viciadas e retrógradas se encontrando com o desenvolvimento econômico e ideológico, ainda mais quando se está retratando a realidade de um Estado fronteiriço como é o caso do Novo México.
Por isso, se entende a escolha por realizar uma comédia ácida, com toques de um cinema neo-noir, com a presença de algumas cenas de violência explícita, mesmo se essas referências não sejam noturnas e sim diúrnas. Esses formatos são sentidos tanto na interpretação dos personagens (alguns excessivamente lacônicos contrastando com outros bastante falastrões), mas também pelos cortes rápidos, vertiginosos e nos planos detalhes de objetos cruciais, que Ethan Coen executa.
O maior acerto de Honey, Não! é a escalação de Margaret Qualley como Honey, uma detetive particular sapatão que precisa encarar as investigações e os preconceitos na mesma medida. Assim, paira sempre no ar a interrogação masculina: como uma mulher bonita pode ser sapatão? O ambiente de masculinidade tóxica está presente em diversos momentos, tanto nas descrições dos pais violentos das famílias quanto nas cantadas baratas desferidas pelo Pastor Drew (Chris Evans), um assediador implacável a querer subordinar todos os corpos femininos que encontra pelo caminho, inclusive o de Honey.
Honey, Não! parte de um suspeito acidente de carro que vai desencadeando outros crimes, afinal, numa cidade hipócrita do interior, quase todos são culpados de algum crime ou precisam esconder fatos proibidos de seus cotidianos. Ethan Coen mostra que nem sempre o que vemos é só aquilo e que por detrás de um acontecimentos muitos segredos precisam ser abafados. Assim, nem todos os assassinatos que vemos em Honey, Não! possuem uma única motivação e isso é o que faz do filme algo gratificante, por sua capacidade de se expandir pela sociedade local.
Aos poucos, vemos que a psicopatia social é generalizada e não está apenas incrustada no Templo dos Quatro Caminhos do Pastor Drew. A perversão e as mortes podem até ter sido desencadeadas por um único incidente, mas estão longe de ser pelos mesmos motivos. Esse é um aspecto interessante de Honey, Não!, o de possibilitar adentrar em uma psicopatia encruada, ainda mais se pensarmos em quem eram os pais de cada um, em especial os que nos são apresentados, como o pai da policial MG Falcone (Aubrey Plaza), um herói de guerra para o país e violento com a filha e a família. Ethan Coen aqui está a pensar sobre esse Estados Unidos mais íntimo e doentio por dentro, corroído pela própria violência que as contínuas guerras ajudaram a conformar.
Em alguns momentos, o filme ganha contornos até melodramáticos, ainda mais quando surge em cena o pai de Honey, disposto a se redimir pelos fatos violentos do passado em família. Há uma fragilidade no filme advindo de alguns desses inúmeros personagens e que vale a pena aqui pontuar. A personagem Chère (Lera Abova) tem três rápidas aparições e mal sabemos quem ela realmente é, apesar de ter grande importância na dinâmica das cenas em que aparece. O delegado Marty (Charlie Day) é construído de maneira estereotipada, como um típico macho de uma cidade do interior, aparentemente inofensivo e inoperante, mas será mesmo ele um personagem tão horizontalizado e boboca assim? O menino Hector (Jacnier), um imigrante mexicano, também é desenhado como um traficante de drogas, não se vai muito fundo nele, mas nada mais previsível e estereotipado tratá-lo como um bandidinho, não? Assim, vários personagens são meros tipos e esse é o risco de se trabalhar com um elenco tão vasto, mesmo que se possa argumentar que a narrativa veloz é o maior sentido a ser aferido aqui e não os pormenores de cada um que surge nas imagens.
Se a história apontava inicialmente para um grande plano ou algo ligado a esquemas poderosos, com o tempo o que se revela são as incongruências sociais de uma cidade árida, sem árvores e onde cada um mostra o quão pequena e mesquinha é a sua vida. A maior tarefa de Ethan Coen é costurar um enredo fragmentado em diversos personagens, onde cada um se revela importante ou não para o enredo, mas que de alguma maneira se articula a outro. Alguns se estabelecem como pistas falsas, apenas elementos para serem descartados logo a seguir pela direção, mas que ajudam a confundir o espectador.
Mas o que mais me fez refletir em Honey, Não! foi um tipo de estudo que o diretor realiza de uma pequena cidade, de falar dela sob um contexto contemporâneo, com temáticas do presente, como a da afirmação explícita de orientação sexual da protagonista e outras personagens, mas sem esquecer o quanto de atraso esse lugarejo ainda traz de suas raízes e o quanto isso a faz ser um poço de contradições e pasmaceira. Segundo Ethan Coen, é possível sim ser contemporâneo e arcaico ao mesmo tempo.

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