Texto por Marco Fialho
Se tem um escritor no Brasil que é subdimensionado esse é Ignácio de Loyola Brandão. Não Sei Viver Sem Palavras vem colaborar para tirar um pouco esse personagem apenas do âmbito da universo da literatura, onde goza respeito e reconhecimento, para ganhar um pouco mais visibilidade em lugares para além da literatura.
O filme é dirigido pelo filho de Ignácio, Andre Brandão (que coloca Ricardo Carioba destacadamente como um codiretor, não sei exatamente o que isso quer dizer, mas está posto assim nos créditos iniciais) que depois de um início de filme um pouco confuso, onde o nascimento do diretor se confunde com imagens de Loyola em épocas diferentes na estação ferroviária de Araraquara, cidade natal do escritor. Não Sei Viver Sem Palavras é um documentário que vai cavando pela montagem uma face, como se tateasse um universo que quer explorar e exibir, mas que não soubesse bem qual caminho escolher para contar.
Nem sempre o filme define seu alvo. O que se quer mostrar é a relação com o pai escritor ou se almeja destrinchar a obra e a carreira do escritor? Quer falar pelo próprio escritor ou colocar um narrador para dizer palavras suas? Essas irregularidades narrativas prejudicam uma maior fluência do filme, impacta no ritmo e o torna claudicante.
Logo no início há uma fala de Ignácio de Loyola Brandão sobre um sonho que ele alimentou na vida de ser cineasta, o que deveras não ocorreu jamais. Mas eis que ele está aqui como um protagonista e porque não aproveitá-lo em sua inteireza, de corpo e alma, com imagem e som que o integralize? O melhor de Não Sei Viver Sem Palavras é a presença em carne e osso de Loyola. Quando ele está em cena o filme se expande com a sua inteligência e verve, com o dom da palavra que carrega organicamente, quando sai dele para outros voos o filme dá uma esfriada.
Sinceramente, é de difícil compreensão colocar Gabriel Braga Nunes para fazer intervenções como Loyola, quando a melhor voz é a do próprio Loyola. O artifício de um narrador com essas características, só se faz necessário na ausência do protagonista, quando se realiza um filme póstumo. Como é bonita a sequência em que Loyola narra a sua infância, a relação com a mãe, depois lê uma carta para o filho, como um confessionário de sua solidão.
Não Sei Viver Sem Palavras é bonito quando atinge a alma de Loyola, a necessidade do escritor viver recluso e só. É interessante a construção não linear que Andre arquiteta para o documentário, assim como a atmosfera poética que instaura corajosamente, mesmo quando todo esse arranjo não funcione plenamente a contento. Há bastante belezas a serem colhidas no decorrer da narrativa, em especial as palavras de Loyola que nos chegam direta ou indiretamente.
Tem uma cena em que Loyola cata feijões para poder citar o aprendizado que teve com a mãe, sobre a importância de se escolher as palavras como se escolhe os melhores feijões a serem cozinhados. Essas são cenas simples, mas repletas de sensibilidade e revelação sobre Loyola e sobre o processo artístico em si. Ou os discursos religiosos do pai, que sabia escolher as palavras e era aplaudido pela comunidade do bairro. Essas são os aprendizados de Loyola, suas motivações para o exercício da profissão de escritor.
Uma das partes mais interessantes de Não Sei Viver Sem Palavras é quando o documentário enfoca sua participação como um defensor da democracia e sua militância contra a ditadura militar e a censura, que interferia diretamente no texto que produzia. É ótima a parte em que se narra o início da carreira de Loyola como jornalista, depois como cronista e antes ainda como crítico de cinema (confesso que fiquei curioso por ouvir impressões de Loyola sobre os filmes), que infelizmente é pouco explorado pela direção.
O que mais me deixou impressionado com Não Sei Viver Sem Palavras é a lucidez pela qual Loyola fala de sua carreira. O sentimento ao verificar que como jornalista queria ir além dos fatos e o quanto gostava de colocar a imaginação a serviço da escrita, sendo esse para ele, o maior atributo da profissão de escritor.
As melhores passagens do documentário é quando Loyola fala de sua obra literária, o que o motivou a escrever algumas delas. Ignácio fala de Zero (1974), Não Verás País Nenhum (1981), Cadeiras Proibidas (1988), entre outras. Seus principais temas aparecem, como a crítica aos descaminhos da humanidade e do poderes constituídos. Assim, sua literatura verteu para um misto de análise da realidade e uma descrença acerca do futuro, uma revolta distópica perante o mundo.
Entretanto, o que mais eu aprecio em Não Sei Viver Sem Palavras é a sua entrega ao poético, sem medo de errar pelo excesso ou pela música às vezes saliente demais. Ver Loyola é de uma força imensa, sim, apenas a imagem dele já é forte, mas quando vemos cada palavra lúcida dita por ele, tudo cresce pela inteligência que emana. Como é bonito ver Loyola prezando pelo inesperado, tanto na vida quanto na literatura, mas sempre deixando pelas palavras, gestos e ideias perenes para se pensar o mundo.

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