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Mostrando postagens de setembro, 2025

PARIS, TEXAS (1984) Dir. Win Wenders

Texto por Marco Fialho Nada define melhor  Paris, Texas , grande clássico do cinema contemporâneo, dirigido por Win Wenders, do que a trilha musical melancólica, milimetricamente pensada e executada por Ry Cooder. Quando ouvimos aquele slide de sua guitarra somos sugados de imediato para algo que ainda não sabemos o que é, mas que nos chega com uma força impressionante.  Se formos pensar na história que Wenders nos proporciona, veremos que não há nada de esplendoroso, ela é simples: um homem que é achado perdido no deserto, depois de 4 anos desaparecido, capturado pelo irmão no sul dos Estados Unidos, perto da fronteira com o México, e que depois tenta se entender para reaver a sua vida, e quem sabe, reparar alguns erros do passado, em relação à esposa e filho. Em menos de três linhas, podemos narrar a história, ou odisseia, de Travis (Harry Dean Stanton, numa interpretação das mais sensíveis do cinema), sem maiores dificuldades.  O que faz, então,  Paris, Texas ser...

UMA BATALHA APÓS A OUTRA (2025) Dir. Paul Thomas Anderson

Texto por Marco Fialho O cinema de Paul Thomas Anderson (PTA) é sempre mobilizador. O maior cineasta dos Estados Unidos da sua geração, é conhecido, e reconhecido, por realizar filmes cuja artesania insinuante vem precedida por um roteiro esmerado e cuidadoso. Em Uma Batalha Após a Outra o diretor se arrisca numa novidade, o filme de ação e o faz com a correção habitual. Soma-se a esse projeto, o ator Leonardo DiCaprio, em uma parceria inédita que funciona demais, embora a grande cereja desse bolo seja a performance de Sean Penn, como um oficial militar de conduta bem duvidosa. Algumas características marcantes do cineasta podem ser detectadas em Uma Batalha Após a Outra , como a simultaneidade de histórias, o uso de steadicam (mecanismo que prende a câmera no corpo para se facilitar o acompanhamento dos movimentos dos atores), tramas familiares, contexto que envolva alguma relação com os anos 1970, assim como tratar da fragilidade humana perante à vida. Mas vale ressaltar que a reali...

O AMOR EM FUGA (1979) Dir. François Truffaut

Texto por Marco Fialho A canção  L'Amour en Fuite , cantada por Alain Souchon, não só dá o título ao último filme da saga Antoine Doinel como o define bem: "nós nos deixamos e nada explicamos. É o amor em fuga".  O Amor em Fuga é acima de tudo um filme em retrospectiva, uma espécie de síntese e fechamento de um dos personagens mais longevos do cinema. O que O Amor em Fuga marca é a principal característica de Doinel, o seu perpétuo movimento na vida, sua capacidade de ir e vir, mas sobretudo, de caminhar sempre, de nunca parar diante das situações. Essa é a sua maior subversão como personagem, encarar a vida, mesmo não sendo ninguém em especial, ou melhor, o que Truffaut faz é sublinhar as existências aparentemente mais banais como as que povoam mais a sociedade. Com ele, os conflitos se dissolvem, pois é justamente o seu eterno movimento que o impede de ficar estagnado. Sempre há algo na próxima esquina ou no próximo trem. Ele representa a dinâmica e a poesia contidas na...

DOMICÍLIO CONJUGAL (1970) Dir. François Truffaut

Texto por Marco Fialho Domicílio Conjugal  retorna mais uma vez ao personagem Antoine Doinel para uma nova aventura, agora, numa fase onde ele e a personagem Christine (Claude Jade) estão devidamente casados. Se em  Beijos Proibidos , Christine apareceu como uma jovem insegura, e até assustada com a fase adulta, aqui François Truffaut a reconstrói com personalidade e com um maior protagonismo.  E logo no início, tem uma cena bem representativa do que estamos a dizer, que ocorre quando o novo casal visita os pais de Christine, e Truffaut volta a filmar uma cena de  Beijos Proibidos ,   onde Doinel rouba um beijo de Christine no porão da casa. Só que agora é Christine que rouba um beijo dele no mesmo lugar de antes, só que agora é ela que o imprensa nas paredes de pedra. É evidente que há em  Domicílio Conjugal  uma inversão. Agora, é Doinel que parecerá relutante e indeciso nessa fase, partindo inclusive para um adultério, que logo a seguir se arre...

BEIJOS PROIBIDOS (1968) Dir. François Truffaut

Texto por Marco Fialho Beijos Proibidos é mais um filme de François Truffaut que leva avante o personagem Antoine Doinel, o menino protagonista que vimos em Os Incompreendidos  e depois em Antoine & Colette  (1962). Jean Pierre Léaud, o ator que representou Antoine criança, continua a empreitada de dar vida ao personagem, um tipo de alterego de Truffaut.   Beijos Proibidos não deixa de ser um filme sobre a entrada de Doinel na fase adulta, em que ele se envolve com a jovem Christine (Claude Jade). Mas ainda não é uma obra sobre essa relação, como veremos depois de maneira mais explícita em Domicílio Conjugal (1970), Beijos Proibidos é nitidamente sobre Antoine Doinel. O que mais chama a atenção em Beijos Proibidos é como Truffaut organiza a mise en scène a partir de um roteiro francamente fragmentado, quase anárquico para o padrão mais rígido do diretor. O tom cômico do filme serve para tornar tudo que está em cena mais leve, como se Beijos Proibidos se inspiras...

JULES E JIM (1963) Dir. François Truffaut

Texto por Marco Fialho Jules e Jim é o terceiro longa de François Truffaut e uma obra fundamental na sua filmografia, além de ser um marco para a Nouvelle Vague francesa. O filme reafirmou o sucesso do diretor no cenário mundial, que já tinha realizado o grande Os Incompreendidos , que já havia lançado em 1959, o seu nome como um importante artista do cinema contemporâneo.  É a segunda vez que Truffaut acende a discussão sobre o amor em sua obra (tinha iniciado um ano antes com Antoine e Colete - 1962), tema que jamais abandonará até o final da carreira, em 1983. Jules e Jim aborda um triângulo amoroso entre os amigos Jules (Henri Serre), Jim (Oscar Werner) e a imponente Catherine (Jeanne Moreau). Apesar do título sugerir o nome de dois homens, é a personagem feminina a grande protagonista da história. Embora seja sempre afirmativa em suas aparições, Catherine mantem um quê de mistério durante toda a história. Truffaut adaptou Jules e Jim de um romance que até então era obscur...

OS MALDITOS (2024) Dir. Roberto Minervini

Texto por Marco Fialho Os Malditos , filme do diretor ítalo-americano Roberto Minervini, traz uma história áspera e desalentada acerca da participação dos homens na guerra. E mais: pode ser visto como um típico cinema antibelicista. E como faz sentido que esse filme se passe numa guerra nos Estados Unidos, no caso, a guerra de secessão no Século XIX, afinal, é a nação mais belicosa do pós-guerra, não só pelas guerras que enfrenta como o apoio que fornece a quase todas as guerras que acontecem no planeta. O filme foi justamente agraciado com um prêmio de melhor direção no Festival de Cannes, na prestigiosa mostra Un Certain Régard .   O fato de retratar em 2024 uma guerra do passado, não deixa de ser bastante curioso e relevante, pois nada melhor do que se filmar o passado para se trazer discussões para o nosso presente. Realmente, a guerra como fenômeno é algo inerente à humanidade, por isso, sempre é interessante podermos trazê-la à baila, por mais antiga que seja. E Roberto ...

O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES (1977) Dir. François Truffaut

Texto por Marco Fialho O Homem Que Amava as Mulheres aborda a vida de Bertrand Morane (Charles Denner), um homem obcecado pela beleza das mulheres. Esse não é um filme de François Truffaut em que há um ponto de vista feminino, embora a narração seja de uma mulher, pois o diretor buscou apenas esmiuçar os pensamentos do personagem, suas relações e a publicação de suas memórias sexuais com as mulheres.  O que mais me chamou a atenção em O Homem Que Amava as Mulheres  é a narrativa que Truffaut privilegia para o seu filme, visivelmente um flerte com a literatura, arte que Truffaut se afinava e adorava. Curiosamente, o filme inicia do fim, com o enterro de Morane, algo que contraria muito a filmografia de Truffaut, mas que aqui cai bem e não atrapalha o desenvolvimento do roteiro. A sequência de abertura é lindíssima, com a câmera colocada em contra-plogée, para se filmar a partir do ângulo que mais agradava ao morto, o das pernas das mulheres.        Truffaut ...

SR. BLAKE AO SEU DISPOR (2023) Dir. Gilles Legardinier

Texto por Marco Fialho Sr. Blake ao Seu Dispor chega aos cinemas tendo simplesmente John Malkovich e Fanny Ardant como protagonistas, um cartão de visitas realmente primoroso. O filme de estreia do escritor Gilles Legardinier na direção, adaptando o Best Seller Complètement Cramé! ,   de sua autoria. Mesmo que as premissas sejam interessantes (apesar de manjadas), um viúvo rico tentando levar a vida depois da morte da esposa, o resultado em tela não é dos mais felizes. A maior decepção de Sr. Blake ao Seu Dispor é uma vontade deliberada da direção de afagar ao público, temperando a obra com momentos edificantes e pitadas de facilidades e até de fofuras. É um tipo de filme bem comum do atual cinema francês, que tenta trabalhar com o público dentro de uma margem de conforto. Dentro desse espectro, a obra de Gilles Legardinier cumpre o seu papel e muito bem, sobretudo, porque tem tanto um elenco principal quanto coadjuvante excepcional, que leva à empreitada com competência. Assim, t...

A NOITE AMERICANA (1973) Dir. François Truffaut

Texto por Marco Fialho A Noite Americana , conforme o título prenuncia, versa sobre o artifício do cinema. O filme inteiro se passa em um set de cinema, portanto, temos aqui um caso típico de um filme dentro do filme. Mas A Noite Americana com certeza é bem mais do que isso, senão não seria um filme de Truffaut. O próprio Truffaut numa entrevista para uma televisão francesa disse que a obra era uma crônica sobre uma filmagem.  Dessa forma, somos mergulhados tanto na história que está sendo filmada como no processo de uma equipe durante a filmagem de um filme fictício chamado A Chegada de Pâmela . Lógico, que temos então duas histórias ficcionais que correm em paralelo e isso não deixa de ser inusitado, pois os atores estão em duas frentes diferentes. Ao invés do glamour , o que vemos são as contradições entre o que se filma e o que se faz para que aquele filme chegar até o público, o que fica gravado na película. Talvez a cena do gatinho seja a mais simbólica dessa realidade cotidi...

DE REPENTE, NUM DOMINGO (1983) Dir. François Truffaut

Texto por Marco Fialho De Repente, Num Domingo é o último filme do mestre François Truffaut e pode ser visto como uma obra que homenageia a magia do cinema. Em 1979, o diretor deu uma entrevista em que falou acerca de suas crenças no cinema:  "Para que os filmes parem de se assemelhar a documentários, devemos voltar ao artifício. Creio que provavelmente foi isso que primeiro me interessou em Hitchcock. Se existiu um pensamento constante em minha vida é a convicção de que o inimigo do tipo de cinema de que eu gosto é o documentário. Jamais filmei um documentário em toda a minha vida e espero nunca fazê-lo (...) O que me levou ao cinema foi o meu amor pela ficção, e comecei a fazer filmes por conta do meu desejo de estruturar uma história de ficção." (in Gillain, Anne.  O Cinema Segundo François Truffaut . Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, RJ, 1990, p. 428 e 429)  Dentro dessa ideia de fazer um cinema onde a ficção não dava margem para o documentário, De Repente, Num Domi...

A MULHER DO LADO (1981) Dir. François Truffaut

Texto por Marco Fialho A Mulher do Lado é o penúltimo filme dirigido por François Truffaut, antes dele, tragicamente, nos deixar. É mais uma obra em que o mestre francês versa sobre a natureza do amor, sua maior temática da carreira. O envolvimento dele com o tema é tão intenso e profundo, que se reunirmos toda a obra de Truffaut, poderíamos fazer um tratado sobre o amor. A cada novo filme, Truffaut tece as variantes do amor e mostra como esse tema possui os mais variados vieses. Mas uma vez, há um apelo ao mestre Alfred Hitchcock, e um toque de suspense que vai tomando conta da trama romântica, um traço bem significativo na sua filmografia.  Truffaut definiu A Mulher do Lado como um filme de personagens, onde os cenários e a atmosfera estão a serviço deles e essa característica narrativa traz para a obra uma grande densidade dramática. Esse cuidado com os personagens se faz propício porque Truffaut ama os atores e o ato de trabalhar com eles. Inclusive os atores reconheciam como e...

UM SÓ PECADO (1964) Dir. François Truffaut

Texto por Marco Fialho Quero começar dizendo como Um Só Pecado me surpreendeu positivamente. Esse era um filme de Truffaut que por algum motivo deixei infelizmente passar. Até cheguei a pensar que já o tinha visto, mas a cada cena vista o encantamento só aumentava e mostrava que jamais o havia visto antes. O filme é uma nítida e escancarada homenagem ao mestre Alfred Hitchcock, embora haja muito do próprio Truffaut em tudo, especialmente no tema do amor e no toque literário que sempre marcaram a sua carreira como diretor. À época do lançamento de Um Só Pecado , Truffaut falou sobre o tema que sempre o motivou a fazer filmes: "O amor é o tema dos temas. Ocupa tanto espaço na vida, nos apartamentos, nas ruas, nos escritórios, nos jornais, na política, nas guerras, nas fábricas, na vitória, no fracasso, nas festas populares, nos jardins das praças públicas, nas escolas, nas casernas e nos aviões que, se me provassem estatisticamente que noventa por cento dos filmes são sobre o amor, ...