Texto por Marco Fialho
O cinema de Paul Thomas Anderson (PTA) é sempre mobilizador. O maior cineasta dos Estados Unidos da sua geração, é conhecido, e reconhecido, por realizar filmes cuja artesania insinuante vem precedida por um roteiro esmerado e cuidadoso. Em Uma Batalha Após a Outra o diretor se arrisca numa novidade, o filme de ação e o faz com a correção habitual. Soma-se a esse projeto, o ator Leonardo DiCaprio, em uma parceria inédita que funciona demais, embora a grande cereja desse bolo seja a performance de Sean Penn, como um oficial militar de conduta bem duvidosa.
Algumas características marcantes do cineasta podem ser detectadas em Uma Batalha Após a Outra, como a simultaneidade de histórias, o uso de steadicam (mecanismo que prende a câmera no corpo para se facilitar o acompanhamento dos movimentos dos atores), tramas familiares, contexto que envolva alguma relação com os anos 1970, assim como tratar da fragilidade humana perante à vida. Mas vale ressaltar que a realização de um filme de ação é a maior surpresa de uma carreira que é longa e sem a ênfase nesse viés. Dito isso, durante a projeção, não conseguimos esquecer que estamos diante de um filme de PTA.
O mais interessante de Uma Batalha Após a Outra é a conexão que PTA estabelece entre política do passado com a do presente. Aqui temos dois grupos que são hegemônicos, apesar de antagônicos na trama, um de revolucionários que pretendem derrubar o capitalismo pela violência e luta armada, e outro, um grupo supremacista branco de extrema direita, dispostos a tudo para manter integralmente seus interesses e privilégios. O nome dessa organização revolucionária é French 75 e o personagem de Leonardo DiCaprio (Bob Ferguson) e de Teyana Taylor (Perfídia Beverly Hill) são os que assumem um protagonismo nesse grupo político. Já pela extrema direita, o Cel. Steven Lockjaw é quem toma para si a incumbência de exterminar com o grupo revolucionário armado.
O tom com que PTA envolve sua obra é o cômico, muito embora o humor vindo de um filme dele nunca seja o do riso fácil, e sim um que está imposto pela situação e pelo bizarrismo dos acontecimentos. Não há gags ou piadinhas de mau gosto, mas situações exploradas com contradições latentes que revelam alguma fragilidade de um personagem, como a descoberta que o Cel. Lockjaw, um supremacista assumido transou com uma guerrilheira negra, o que não é bem visto pela organização que pertencia. As aparições da personagem Perfídia e Bob Ferguson também vislumbram humor pelo radicalismo nada usual de suas ideias, numa sociedade em que a direita predomina historicamente a política nos Estados Unidos, sem deixar rastros para a existência de uma militância de esquerda.
PTA trata o personagem de DiCaprio com uma ironia fina, pois no fundo ele é um revolucionário desastrado, que não consegue executar sequer as senhas do seu grupo de luta, e o que fica sugestionado é que o uso contumaz da maconha é o principal motivo. Há ainda um outro deboche de PTA perante as senhas revolucionárias, que mais lembra as estruturas excessivamente burocráticas dos aparelhos políticos de esquerda. Óbvio que o ridículo dá o tom de Uma Batalha Após a Outra e PTA está muito mais a frisar o quanto é besta os extremismos políticos. Apesar do filme se passar nos dias atuais, é nítida a inspiração setentista do grupo French 75, assim como o clima de guerra fria que paira incessantemente no ar.
A cada nova cena, PTA incrementa mais uma matiz a anterior, como a dos imigrantes mexicanos, que logo a seguir descobrimos, possuírem uma organização complexa por debaixo dos panos. É através do personagem de Benicio Del Toro que vamos abrindo essa caixa de pandora, em que a pobreza e o abandono do Estado é gritante, embora haja um esforço solidário e forte entre eles. Se inicialmente temos o tema do racismo na berlinda da história, PTA vai ampliando até chegar nos desprezados povos latinos. A câmera se revela uma grande protagonistas nessas cenas, conferindo uma agilidade vertiginosa surpreendente, ao adentrar em vários espaços como se entrasse em um ninho de vespas.
Mas o espectro político não é o forte e a maior intenção de Uma Batalha Após a Outra, apesar de no começo PTA parecer querer explorar e aprofundar o tema político, no decorrer da ação esse interesse se apequena frente a trama de perseguição que se instaura na narrativa. A obsessão do Cel. Lockjaw contra os revolucionários logo se amaina, sendo substituída por uma busca por Perfídia, e depois por Willa (Chase Infiniti), já que ele desconfia ser ela filha sua. As cenas entre o Coronel e a revolucionária são excelentes e beiram o irreal. A ideia de que os opostos se atraem fica em evidência e provocam um certo estranhamento no filme, como na cena em que Perfídia está em uma ação revolucionária e ele se masturba vendo tudo de longe, com um binóculo dentro de um carro ou que eles flertam em um banheiro.
As cenas de perseguição se saem bem como um bom filme de ação hollywoodiano, mas também nessa esfera PTA deixa a sua marca inconfundível ao realizar no final do filme uma das melhores e mais criativas sequências do cinema de ação, onde Willa, em estradas desertas, repletas de subidas e descidas, é perseguida por um matador supremacista e PTA se utiliza dessa conformação da estrada para filmar uma das sequências mais vertiginosas do cinema. Dá para sentir a tontura de Willa, tamanha a oscilação que a câmera impõe ao estar dentro do carro da menina.
Mesmo pensando que Uma Batalha Após a Outra tem quase três horas de duração, esse tempo se faz relativo devido à fluência do roteiro de PTA, com seus encadeamentos de planos precisos. Entretanto, preciso confessar que o filme não me pegou tanto como outros filmes dele, mesmo sendo este mais um ótimo filme, talvez tenha faltado mais músicas, que sempre se encaixam em seus filmes como se fossem feitas especialmente para eles, sinceramente não sei. Mas para ser bem direto, não consigo o comparar ao vigor de Sangue Negro (2007), a energia de Boogie Nights (1997), o encantamento romântico de Embriagado de Amor (2002), a elegância de Trama Fantasma (2017), ou até mesmo, com a leveza adolescente de Licorice Pizza (2021) ou os malabarismos narrativos de Magnólia (1999). Talvez seja o cinema com seus mistérios e imprevisibilidade, nos desafiando os sentidos ininterruptamente.
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