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BEIJOS PROIBIDOS (1968) Dir. François Truffaut


Texto por Marco Fialho

Beijos Proibidos é mais um filme de François Truffaut que leva avante o personagem Antoine Doinel, o menino protagonista que vimos em Os Incompreendidos e depois em Antoine & Colette (1962). Jean Pierre Léaud, o ator que representou Antoine criança, continua a empreitada de dar vida ao personagem, um tipo de alterego de Truffaut.  

Beijos Proibidos não deixa de ser um filme sobre a entrada de Doinel na fase adulta, em que ele se envolve com a jovem Christine (Claude Jade). Mas ainda não é uma obra sobre essa relação, como veremos depois de maneira mais explícita em Domicílio Conjugal (1970), Beijos Proibidos é nitidamente sobre Antoine Doinel.

O que mais chama a atenção em Beijos Proibidos é como Truffaut organiza a mise en scène a partir de um roteiro francamente fragmentado, quase anárquico para o padrão mais rígido do diretor. O tom cômico do filme serve para tornar tudo que está em cena mais leve, como se Beijos Proibidos se inspirasse nas comédias mudas e em Ernst Lubitsch com suas histórias de amor enviesadas e improváveis. 

O corpo errático de Jean-Pierre Léaud muito diz sobre Beijos Proibidos é o caráter nervoso da própria mise en scène do filme. A todo instante o personagem parece reagir a própria câmera que se agita tal como ele pelas locações. O filme registra esse movimento jovial de Antoine pelo mundo urbano intenso e desafiador. 

Mas o mais interessante é como Truffaut constrói esse personagem para ele ser um elemento desafiador para o próprio sistema. Suas ações não se encaixam nas pretensões estabelecidas a priori para os indivíduos. Beijos Proibidos representa o desencaixe de um jovem frente a uma sociedade que quer enquadrar os jovens em seus ditames conservadores. 

Assim, Doinel começa sua empreitada saindo do exército por insubordinação e inadequação (o discurso do oficial militar é exemplar e cômico aos olhos de Doinel), para depois visitar a família da ex-namorada, que logo arruma um trabalho como atendente em um hotel no Centro de Paris, que logo dá errado e Doinel acaba por trabalhar numa agência de detetive, o que não deixa de ser uma bela homenagem que Truffaut rende a tantos filmes que o formaram. 

A trajetória de Doinel pela juventude é como a de muitos, passa por um turbilhão de amontoados de fatos na tentativa de se compreender o mundo. Paixões românticas, platônicas ou não, um verdadeiro passeio pela difícil autodescoberta, e por isso, a cena de Doinel repetindo seu nome no espelho do banheiro é tão significativa, como se a repetição fosse um passo adiante para que o personagem se reconhecesse diante da confusão mental em que se encontra. Amar uma "aparição" madura e exuberante como a Sra. Tabard (Delphine Seyrig) ou a bela jovem insegura e imperfeita como Christine? Os descaminhos do amor estão postos e eles atormentam o jovem Doinel.

A icônica canção Que Reste T'il de Nos Amours, de Charles Trenet, dá o tom saudosista de um tempo de outrora que não existe mais e como Truffaut se amarra a essa ideia para desenvolver suas premissas dramatúrgicas. E a canção está na abertura do filme, diante imagens da Cinemateca Francesa, justamente à época em que seu fundador Henri Langlois (a quem o filme é dedicado) é afastado da direção da instituição responsável pela memória do cinema. Por isso, Beijos Proibidos é também uma homenagem aos filmes que formaram Truffaut tanto cinéfilo quanto depois como crítico e cineasta.

Mas Beijos Proibidos não seria uma obra de Truffaut se esquecesse do amor, afinal, a relação entre Doinel e Christine sempre está ali rondando com seus altos e baixos, além da sua aparente fragilidade. Beijos Proibidos termina com uma promessa de amor entre Doinel e Christine, embora esse amor não prometa o que o perseguidor de Christine entoe, isto é, um amor perfeito, exuberante e inteiramente dedicado. Seria mesmo isso o que buscamos? O que essa juventude busca no amor ou espera dele? São perguntas que Truffaut como um balzaquiano que sempre foi, espera extrair dos livros, como um bálsamo possível de ser transponível da literatura para a vida. Vamos ver o que dirão as próximas aventuras amorosas de Doinel a respeito.

        

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