Texto por Marco Fialho
Os Malditos, filme do diretor ítalo-americano Roberto Minervini, traz uma história áspera e desalentada acerca da participação dos homens na guerra. E mais: pode ser visto como um típico cinema antibelicista. E como faz sentido que esse filme se passe numa guerra nos Estados Unidos, no caso, a guerra de secessão no Século XIX, afinal, é a nação mais belicosa do pós-guerra, não só pelas guerras que enfrenta como o apoio que fornece a quase todas as guerras que acontecem no planeta. O filme foi justamente agraciado com um prêmio de melhor direção no Festival de Cannes, na prestigiosa mostra Un Certain Régard.
O fato de retratar em 2024 uma guerra do passado, não deixa de ser bastante curioso e relevante, pois nada melhor do que se filmar o passado para se trazer discussões para o nosso presente. Realmente, a guerra como fenômeno é algo inerente à humanidade, por isso, sempre é interessante podermos trazê-la à baila, por mais antiga que seja. E Roberto Minervini captura um momento minúsculo dela para interrogar acerca da necessidade de sua existência para a existência de quem está nela. O diretor impõe ao público certos desconfortos, uma narrativa até certo ponto arrastada, que nos empurra insistentemente para o abismo existencial. É muito bom quando um filme provoca incômodos, em especial em um mundo onde a violência é cada vez mais naturalizada, assim como o mercenarismo tão comum nas guerras injustas.
É interessante como Roberto Minervini escolhe narrar de um modo nada convencional a história de uma tropa do exército dos Estados Unidos que é destacada para explorar o oeste inóspito, perto da chegada do inverno. A questão da estação do ano é fundamental para a narrativa e funciona como uma metáfora do abandono e da solidão desses homens que se encontram em um limbo. E nesse isolamento forçado, esses soldados começam a refletir sobre as decisões de suas vidas, de como cada um foi parar na guerra. A ausência de mulheres no elenco, sublinha ainda mais a aridez de cada cena, além de marcar a guerra como um fenômeno essencialmente masculino.
Os Malditos possui um forte teor filosófico e a mise en scène proposta por Roberto Milervini só acentua esse viés. Os enquadramentos mais usuais são os próximos e os closes, que se alternam com os mais gerais, o que colabora para formar imagens contraditórias entre o espaço amplo (e belo) com as angústias marcadas nos rostos dos soldados. Aqui, a natureza humana caótica se mostra em desequilíbrio em relação com a beleza da natureza da paisagem, fotografada no máximo da exuberância, o que é mais um elemento a criar um contraste com a bestialidade da guerra. O som salienta o silêncio perturbador a registrar a espera de um possível enfrentamento com o inimigo. São esperas que se expandem para os espectadores. O silêncio é mais aterrador do que qualquer música, pois ele instaura o pavor nas almas humanas.
Como em toda a guerra contemporânea, o que vemos são os soldados em luta, nunca os políticos que regaram os confrontos geradores dos conflitos armados. Passar uma hora e meia com esses soldados nos levam a perguntar qual a serventia não só dessa guerra, mas de qualquer outra. E nesse contexto fílmico, ficamos na interrogação de que serve uma vida dedicada à violência, destinada a matar e a morrer.
Mais do que se preocupar em contar uma história, Roberto Minervini se prende a construir a atmosfera desse grupo militar, e lentamente vai revelando como cada um dos soldados chegaram ali. O discurso de um jovem sobre sentido religioso da vida é contrastado pela experiência de um outro soldado que faz o discurso ingênuo do jovem se desmanchar no ar. No front, não há Deus nem o Diabo, apenas homens uniformizados se matando reciprocamente.
Evidente que o sentido da vida se submerge perante à nulidade da guerra para a elevação de cada um dos participantes daquela luta que não se sabe qual é o fim e a sua utilidade. A guerra só interessa aos poderosos e Roberto Minervini não se perde em frisar a ação da guerra em si, mas o seu despropósito para as populações. Se a guerra não faz sentido em uma trincheira com centenas de homens, faz menos ainda em um grupo destacado que mal sabe para onde está indo.
Os Malditos chama a atenção quando pensamos na conexão entre a primeira e a última imagem do filme. Na cena inicial, lobos devoram uma carniça de um antílope, uma bela metáfora para a insanidade da guerra. Já na cena final, um dos soldados, que não sabemos mais onde ele está, se encanta com o espetáculo da neve em seu rosto. Nas duas, a natureza se faz presente, e no irracional que as guerras se incrustam na mente humana. Toda guerra esconde suas verdadeiras motivações, embora as maiores vítimas sejam sempre exatamente os malditos, os tais malditos soldados.
Comentários
Postar um comentário
Deixe seu comentário. Quero saber o que você achou do meu texto. Obrigado!