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SR. BLAKE AO SEU DISPOR (2023) Dir. Gilles Legardinier


Texto por Marco Fialho

Sr. Blake ao Seu Dispor chega aos cinemas tendo simplesmente John Malkovich e Fanny Ardant como protagonistas, um cartão de visitas realmente primoroso. O filme de estreia do escritor Gilles Legardinier na direção, adaptando o Best Seller Complètement Cramé!, de sua autoria. Mesmo que as premissas sejam interessantes (apesar de manjadas), um viúvo rico tentando levar a vida depois da morte da esposa, o resultado em tela não é dos mais felizes.

A maior decepção de Sr. Blake ao Seu Dispor é uma vontade deliberada da direção de afagar ao público, temperando a obra com momentos edificantes e pitadas de facilidades e até de fofuras. É um tipo de filme bem comum do atual cinema francês, que tenta trabalhar com o público dentro de uma margem de conforto. Dentro desse espectro, a obra de Gilles Legardinier cumpre o seu papel e muito bem, sobretudo, porque tem tanto um elenco principal quanto coadjuvante excepcional, que leva à empreitada com competência. Assim, tecnicamente, o filme atende às expectativas, mas talvez falte na narrativa algum diferencial que mexa verdadeiramente com o público.

A impressão que fica é que todas as ações da direção são devidamente planejadas para não sair do script, o que leva Sr. Blake ao Seu Dispor para uma certa padronização narrativa. Por mais que tudo seja muito profissional, os elementos cinematográficos estão ali para enfatizar ou o drama ou a comédia da trama e esse movimento em um determinado momento cansa, porque já sabemos de antemão que o padrão narrativo e estético estabelecido não será jamais quebrado. Tudo é tão bonitinho e fofinho, os personagens são tão perfeitinhos e previsíveis, que soa tudo muito estranho, pouco factível, e sobretudo, forçado. 

A trilha musical de Sr. Blake ao Seu Dispor é um dos elementos que mais incomodam. A todo instante, cena a cena, a música rouba literalmente a cena numa evidente intenção de sublinhar a mensagem ou guiar o emocional do espectador, mas sem oferecer sequer um contraponto e nos tirando da própria narração do filme. É óbvio que esse é um dos papéis da música na maioria dos filmes com narrativa clássica, mas por isso mesmo, ela devia ser a mais sutil possível e não o elemento mais destacável da narrativa. A boa música em um filme, que se propõe ter uma narrativa clássica, deve ser um elemento a complementar à trama, jamais ser a protagonista ou roubar a cena para si.

Como já mencionei antes, Sr. Blake Ao Seu Dispor é adaptado de um livro, só que é sempre bom lembrar que muitas vezes o que funciona na literatura, pode não funcionar quando transposto para o cinema, e me refiro especialmente aqui aos diálogos, quando eles são excessivamente expositivos e não deixam que a própria imagem fundamentalmente narre a história. Quando esse excesso de exposição da história acontece, a primeira consequência visível é se desperdiçar os atores experientes e talentosos que a direção tem em mãos, para se cair em algo banal, pois imagem, diálogos e músicas estão ali meramente para reforçar o explícito e não para enriquecer e conferir nuances à narrativa. É isso, falta nuances em Sr. Blake ao Seu Dispor.

Tudo é pensado para ser tão legível e compreensível para o público, que me vem logo a ideia de filme-passatempo. Chamo assim, um filme com as características narrativas como as de Sr. Blake ao Seu Dispor, capaz de lançar ideias às claras, entregar tudo de bandeja ao espectador, e assim, facilitando o entendimento da mensagem que almeja passar. Pode-se chamar também de filme Best Seller, aquele que a mensagem precisa estar de acordo com cada centavo vindo dos exemplares vendidos no mercado editorial, (ops), ou seria melhor dizer cinematográfico. Essencialmente aquela obra que busca diagnosticar e se desenvolver se voltando para um suposto gosto médio dos leitores e espectadores. Esse tipo de filme ou livro são os que transformaram a literatura e o cinema em grandes supermercados culturais e vem envenenando as artes mundo afora.

Mas para não ficarmos somente no plano da elocubração de ideias, vamos analisar melhor a estrutura narrativa do filme. Gilles Legardinier propõe o dividir em blocos (felizmente não o fez em capítulos, esse mal não é cometido pelo menos), inicialmente expõe a crise do personagem e a necessidade de mudança de rumos para a sua vida. Decide sair de Londres e ir para o interior da França, para o local onde conheceu a sua esposa há alguns anos atrás. Depois há um suposto engano e o tratam como um candidato a vaga de mordomo, não como um turista que quer alugar um quarto, inclusive em seu primeiro contato, ele diz "vim pelo anúncio do quarto", não diz "vim pelo anúncio do emprego", mas mesmo assim, continuam o tratando como um possível empregado. Mas o mais esdrúxulo é que ele aceita tudo isso e se transforma em um mordomo, mesmo sendo um homem milionário e super bem-sucedido. Entretanto é nesse momento que tudo soa estranho para mim. Como Sr. Blake retorna a esse local e ninguém o reconhece ou pelo menos ele reconhece alguém? Mudaram-se todos, morreram absolutamente todos, não há um lembrança sequer a ser lembrada? Dentre vários absurdos do roteiro, que provavelmente já vem do livro, fica difícil do público estabelecer algum amálgama com essa história.

Assim o filme segue, impondo camadas e suas piadinhas de mal gosto, que alimentam aquela diferença cultural e histórica entre os franceses e ingleses. Tudo bem leve, para não ferir a percepção dos espectadores com nada que soe muito hostil ou violento. Porém, evidente, que sua estadia vai culminar no mais batido das histórias: viverá experiências novas e surpreendentes que ressignificarão a sua vida. O clichê está posto desde então e o que acontecerá até o último frame será isso. Sr. Blake transformará a sua vida e a dos que estão a sua volta e com seu charme, educação, e sobretudo, com sua fortuna, que poderá reposicionar e solucionar todas as crises da decadente senhora Beauvillier (Fanny Ardant), atual proprietária do maravilhoso castelo medieval.      

Sr. Blake ao Seu Dispor parte então de uma aceitação duvidosa, que introduz uma forma de inversão de posições sociais, já que um milionário idoso aceita se passar por uma função na qual é sequencialmente humilhado. Mesmo que aos poucos essas hierarquias vão se amainando, ainda assim, não faz sentido essa empreitada, pois a volta de Sr. Blake a esse lugar tinha a ver com um reencontro espiritual com a esposa recém falecida. Essa inversão não deixa de ser os obstáculos que esse personagem privilegiado precisa encarar para poder recomeçar sua vida, e o cume disso acontece quando a Sra. Beauvillier retribui todos os afetos que Sr. Blake doou para aquele ambiente. Do início ao fim, o filme nesse ponto não decepciona, ele consegue sempre dar mais um passo na sua mensagem de edificação humana. E evidente, que essas mensagens só poderiam vir de um generoso homem rico. Enfim, nada de novo no front.       

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