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Mostrando postagens de agosto, 2025

LADRÕES (2025) Dir. Darren Aronofsky

Texto por Marco Fialho O diretor Darren Aronofsky é conhecido por fazer um cinema de excessos tanto no plano do roteiro (histórias que levam personagens a extremos perante a vida) e no plano narrativo com encenações pirotécnicas, uma esquisita estética do exagero, que servem para salientar o psicológico dos seus protagonistas. Sempre fui um crítico desse tipo de cinema que transforma em espetáculo a dor alheia. Baleia (2022), Mãe (2017), Cisne Negro (2010), O Lutador (2008), por exemplo, seguem essas premissas histriônicas do diretor. Ainda que os filmes citados se prevaleçam por uma mise-en-scène escalafobética, com movimentos de câmera exagerados e forçados, traziam indagações psicológicas interessantes. Agora, com Ladrões (2025), seu novo projeto, Darren Aronofsky apela para um filme cuja forma fílmica expõe a um certa ironia seus personagens. Se antes os seus personagens beiravam o ridículo pelo apelo dramático, agora  o que ele quer é extrair uma graça de situações inusitadas ...

CINEMA DO DESEJO (2025) Dir. Stella Lizarra e Cavi Borges

Texto por Marco Fialho Um filme quase sempre resulta de uma mistura entre uma camada subjetiva e outra objetiva. Em Cinema do Desejo esse fenômeno fica bem evidente. O documentário parte das experiências da transsexual Stella Lizarra, em meados da década de 1980, no Cine Orly, situado na Cinelândia, principal polo exibidor carioca desde às origens do cinema no Brasil, ainda lá no final do século XIX. Assim, o espaço e a experiência se entrecruzam para que adentremos em um pedaço de uma história envolta em tabus, segredos, interdições, e sobretudo, memórias.  Cinema do Desejo é dirigido pela própria Stella Lizarra, em parceria com Cavi Borges, mas o filme traduz muito a personalidade assertiva e inteligente da diretora que também é franca narradora e protagonista do documentário. A direção opta por dividir a obra em capítulos, cujos avisos são anunciados em charmosos letreiros afixados comumente nas marquises dos cinemas de rua de antigamente. A criatividade é uma das marcas de Cine...

A PRAIA DO FIM DO MUNDO (2024) Dir. Petrus Cariry

Texto por Marco Fialho Quem acompanha a trajetória cinematográfica do cineasta cearense Petrus Cariry, sabe o quanto seus filmes misturam o fantástico e a realidade com um alto grau de intensidade. É o que ocorre em A Praia do Fim do Mundo , seu novo filme. Petrus investe com ênfase em um cinema de atmosfera, que provoca o espectador a sair do terreno da lógica e mergulhar no sensitivo.  Para isso, o diretor nos convida a um mergulho na sua proposta sombria de fotografia (e observem que o próprio Petrus Cariry assina a direção de fotografia), tudo gira em torna de um conceito imagético, inclusive o som imersivo e hipnótico, e o que falar das interpretações, em especial a de Marcélia Cartaxo como Helena, catalisadora e responsável pelo toque soturno que perpassa a obra. Seu corpo e semblante dizem mais do que mil palavras, cada vez que é enquadrado em seu mistério. Ela carrega o horror de uma existência que por si condensa o presente aterrador de toda uma comunidade que se apaga len...

ROSARIO (2025) Dir. Felipe Vargas

Texto por Marco Fialho Rosario , marca a estreia do diretor colombiano Felipe Vargas em longas metragens nos Estados Unidos. Rosario  tinha muitos elementos para ser um original e surpreendente filme de terror, mas a direção se perde em meio a um roteiro que enfraquece a boa encenação e as belas fotografia e cenografia que exploram bem o soturno apartamento da avó da personagem-título. O equívoco que a direção comete em  Rosario chega a ser primário, o de construir o universo ancestral do vodu como algo demoníaco e do mal. A visão estereotipada salta aos olhos sempre que a temática surge no enredo, e se isso serve para apimentar mais a história, possibilita de quebra que a torne mais superficial e preconceituosa. Inclusive foi Hollywood a principal responsável por propagar uma visão simplista dessa religião de matriz africana, com vertentes no Haiti e Estados Unidos.  Os filmes de terror são uma imensa porta para se adentrar no inconsciente humano, em nossas fraquezas me...

O ÚLTIMO AZUL (2024) Dir. Gabriel Mascaro

Texto por Marco Fialho O diretor Gabriel Mascaro trabalha em dois flancos em O Último Azul . Em um deles, temos um Estado autoritário impondo aos idosos a partir dos 75 anos a viverem numa colônia. Em outro, temos Tereza, uma mulher prestes a ter que entrar na tal colônia, mas cujo sonho é voar de avião e não aceita o futuro que lhe é dado. Assim, distopia do poder e a utopia individual convivem lado a lado nessa obra premiada com o Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim. A grande protagonista de O Último Azul é Tereza, em uma interpretação magnética da atriz Denise Weinberg. O filme rapidamente se transforma em um enviesado  road movie , realizado entre barcos, canoas e outros veículos que levam a personagem para um voo indeterminado e sem destino pré-fixado. O Estado surge em forma policialesca enquanto vemos pichações em protesto contra o autoritarismo de forçar idosos a viver reclusos do resto da sociedade. O Último Azul não deixa de ser uma ode contra a opressão social ...

AMORES À PARTE (2025) Dir. Michael Angelo Covino

Texto por Marco Fialho O cinema clássico normatizado pelo gênio de David W. Griffith foi uma transmutação das teorias do teatro aristotélico e isso já foi largamente difundido e comentado nos livros que estudaram a origem do cinema como forma artística e narrativa. Evidente que essa visão clássica aos poucos absorveu sem maiores traumas, sublevações modernas e contemporâneas de linguagem, em especial depois da 2ª Guerra Mundial, com os movimentos de Nouvelle Vague mundo afora, inclusive no próprio Estados Unidos, com Cassavettes e a chamada Nova Hollywood.  Filmes como Amores à Parte trazem essas incorporações modernas, ainda mais que o tema das relações não monogâmicas está na ordem do dia e o filme inicia numa discussão entre o casal Carey (Kyle Marvin) e Ashley (Adria Arjona) numa estrada a caminho da casa do casal Julie (Dakota Johnson) e Paul (Michael Angelo Covino), que instaura uma crise entre o casal viajante, depois que Ashley vê a morte de uma jovem em um acidente de trân...

NO CÉU DA PÁTRIA NESSE INSTANTE (2024) Dir. Sandra Kogut

Texto por Marco Fialho Mais do que realizar um documentário, Sandra Kogut registra em  No Céu da Pátria Nesse Instante , um processo histórico que culminaria na tentativa fatídica de um golpe de estado no dia 8 de janeiro de 2023, uma semana depois que o governo Lula assumiu a presidência do país. O que a cineasta não sabia à época, e que hoje já sabemos, é o quanto desse processo foi orquestrado pelo ex-presidente Bolsonaro, na intenção de voltar para o Planalto da Alvorada pelas portas dos fundos do golpismo.  As investigações sobre o golpe, capitaneada pelo ministro Alexandre de Moraes, aprofundaram a participação de Bolsonaro no planejamento e articulação de um golpe de Estado para beneficiar seu projeto político que foi vencido nas urnas pela ampla aliança liderada pelo atual presidente Luis Inácio Lula da Silva. Mas o filme de Kogut traz uma intenção clara de mostrar a mentalidade dos envolvidos, assim como o medo de cada um dos dois lados que disputavam a eleição presid...

OS ENFORCADOS (2025) Dir. Fernando Coimbra

Texto por Marco Fialho Os Enforcados tem um clima dos filmes policiais dos anos 1970, com sua mise-en-scène arrojada, com interpretações fortes e bem delineadas pelo diretor Fernando Coimbra ( O Lobo Atrás da Porta ). É um filme cru, de certa forma ousado por ser direto sem esquecer o aspecto simbólico e trazer uma perspectiva feminina de um universo predominantemente masculino do jogo de bicho carioca. Personagens dispostos a tudo por mais poder e dinheiro dão a tônica dessa obra que pretende expor uma questão social por uma narrativa impregnada por uma visão shakeasperiana da elite carioca envolta no crime e em bizarras mortes.     As entranhas desse universo são desveladas por meio de uma narrativa nitidamente inspirada em Macbeth, de William Shakespeare. A personagem Regina (Leandra Leal) faz às vezes de Lady Macbeth, a esposa que inferniza o marido a matar o tio (Stepan Nercessian) para assumir sua riqueza e poder. Quem mora no Rio de Janeiro, não verá muita novidade...

A MELHOR MÃE DO MUNDO (2024) Dir. Anna Muylaert

Texto por Marco Fialho O novo trabalho de Anna Muylaert, A Melhor Mãe do Mundo , me despertou emoções díspares durante a sua projeção. Em primeiro lugar, creio ser importante pontuar que esse é um filme que mistura abertamente realidade e fantasia na sua concepção ao retratar a vida de Gal (Shirley Cruz) e seus dois filhos (Rihanna e Benin) na busca de uma libertação maior: a da violência doméstica advinda de uma relação abusiva com o marido. O abusador da vez é Leandro (Seu Jorge), que aparece na segunda metade do filme, onde se é possível compreender a amplitude do problema em que está metida Gal. É nessa parte ainda que a discussão acerca da aceitação da violência diária acontece, em especial com Val (uma surpreendente atuação da cantora Luedji Luna), naquela corriqueira ideia de que se a vida é ruim com o agressor, pode pior sem ele.  Mas A Melhor Mãe do Mundo tem uns pontos que podem ser questionados. Em vários momentos, o filme lembra a obra de Roberto Benigni, A Vida é Bela ...

JUNTOS (2025) Dir. Michael Shanks

Texto por Marco Fialho Logo na primeira aparição do casal Tim (Dave Franco) e Millie (Alison Brie) um paradigma se estabelece e vai perdurar até o final do filme: será que sobrevive nos dias de hoje a máxima de que é imprescindível para o sucesso de um casamento dois indivíduos se transformam em um só? É essa ideia de fusão entre duas pessoas amadas que Juntos , do diretor canadense Michael Shanks centra sua narrativa perturbadora.  Juntos poderia ser só uma grande baboseira insossa, tem até seus momentos bobocas, mas Shanks mantém quase sempre o vigor narrativo e não deixa o filme se esvair pelo ralo, não deixa suas premissas se perderem, sabe focar a narrativa no casal central e sabe explorar tanto os atributos do body horror com pitadas certeiras do terror gore quanto os psicológicos que a trama sustenta, guardando os efeitos especiais para os momentos mais cruciais. Desde o começo fica evidente o quanto Tim se encontra inseguro quanto a ideia de casamento, de ter que abri...

A HORA DO MAL (2025) Dir. Zach Cregger,

Texto por Marco Fialho Modismo se define como algo notório, mas de caráter efêmero, que ocorre na sociedade ou em grupos dela. Creio que esse seja um bom termo para definir A Hora do Mal , filme de terror dirigido por Zach Cregger, um hype fabricado pelo mercado para ser digerido avidamente por um tempo e depois ser esquecido de maneira tão rápida quanto foi consumido. Não consegui assistir ao filme na estreia e eis que leio uma saraivada de críticas o apontando como o terror do ano (vamos convir que essa frase está cada vez mais banalizada, né?) e corri atrás para vê-lo, mesmo com uma semana de atraso do lançamento.   Quando enquadro A Hora do Mal como um filme de moda, o que quero dizer com isso? Estaria aqui afirmando que  A Hora do Mal é um filme mal filmado e que nem vale ser assistido? De certo não penso dessa forma. Pode-se até dizer que os dois primeiros terços são muito bons, narrativamente muito bem realizados, mas o que fazer com o terço final, em que tod...

AMORES MATERIALISTAS (2025) Dir. Celina Song

Texto por Marco Fialho  Se eu fosse na tal agência matrimonial na qual a personagem Lucy (Dakota Johnson) trabalha em Amores Materialistas ,   jamais seria indicado a mim a cineasta Celina Song como possível parceira amorosa, pois seria fácil de perceber o quanto a nossa visão de mundo e de cinema são incompatíveis. Já havia sentido isso no aclamado Vidas Passadas , um dos grandes sucessos do circuito de 2023, mas que não me empolgou como a grande maioria da crítica (muitos o elegeram à época o filme do ano). Agora em Amores Materialistas , a investida de Song na comédia romântica, até que o problema não está no argumento, mas sim no desenvolvimento da trama. A diretora tinha um grande argumento em mãos, mas o que ela faz com ele é que fragiliza a ideia. Nas primeiras cenas, tudo indicaria que Song discutiria as relações amorosas no capitalismo, mas o que vemos depois é apenas a superfície dessa discussão que poderia render debates maravilhosos, mas que são desperdiçados ...

DRÁCULA - UMA HISTÓRIA DE AMOR ETERNO (2025) Dir. Luc Besson

Texto por Marco Fialho Drácula - Uma História de Amor Eterno é mais uma versão cinematográfica da célebre obra literária de Bram Stoker. A pergunta que sempre se faz quando surge mais uma versão de uma obra já repetida vezes adaptada para o cinema é se realmente essa nova visão colabora ou acrescenta algo a outras já realizadas. A essa primeira indagação creio que o filme de Luc Besson não consegue ficar de pé. O Drácula que ele sustenta é um dos mais insossos da história e mesmo que o diretor revista seu filme com doses pesadas de um cinema mais preocupado com a espetacularização do que com a narrativa em si. Definitivamente, tentar fazer da obra de Bram Stoker um conto de fadas não foi uma boa ideia, pelo menos da maneira como Besson enfrenta essa inglória missão.   Um dos maiores problemas do filme começa pela concepção que Luc Besson faz do Drácula enquanto indivíduo social. Na tentativa de humanizá-lo ao extremo, o diretor constrói um personagem que o contradiz a ponto de...

ENSAIOS DE CINEMA (2025) Dir. Cavi Borges e Patrícia Niedermeier

Texto por Marco Fialho Queridos Cavi e Pati,  Deliberadamente inspirado nos Ensaios de Cinema , venho lhes escrever este texto em forma de missiva. Ando distante, eu sei, os motivos são de força maior, como vocês sabem, mas as cartas têm o dom de aproximar corpos distantes ou que se encontram desgarrados pelo tempo. A esperança nossa é que um vento ou uma nuvem furtiva (pode ser digital, inclusive) faça chegar essa mensagem inoculada pela saudade que espero ser recíproca. Assistimos aqui no inverno crepuscular carioca, em nosso novo lar, as 12 pílulas de amor ao cinema que vocês docemente filmaram, e que para a nossa felicidade, aqueceram uma noite que prometia ser fria e melancólica. Os Ensaios de Cinema são uma viagem à nossa memória cinematográfica. É delicioso ver homenagens a Glauber, Helena Ignez, Agnés, Varda, Maya Deren, Muybridge, os Lumière, David Lynch, Humberto Mauro, Mario Peixoto, François Truffaut, Alfred Hitchcock, Orson Welles e Méliès. Como vocês fustigaram exempl...

A PRISIONEIRA DE BORDEAUX (2024) Dir. Patricia Mazuy

Texto por Marco Fialho Isabelle Huppert é conhecida por fazer filmes um atrás do outro, numa profusão de trabalhos no cinema contemporâneo francês e mundial (basta lembrar da parceria com o coreano Hong Sang-Soo). Mas o resultado desse empilhamento de filmes nem sempre é garantia de bons êxitos. A Prisioneira de Bordeaux pode figurar entre as obras medianas em que ela atua.  O filme dirigido por Patricia Mazuy tem um enredo já bem batido no cenário cinematográfico francês, a da relação interclasses, entre uma mulher burguesa e uma imigrante árabe, cujo marido foi preso por assaltar uma joalheria. O maior problema em  A Prisioneira de Bordeaux está no fato de sua narrativa flertar com estratégias e propostas clássicas e se ressentir de conflitos que façam a trama avançar em um ritmo que prenda a atenção do espectador e que justifiquem a aderência a essa forma de narrativa.   A direção opta por trabalhar com o abismo social entre Alma (Isabelle Huppert) e Mina (Ha...