Texto por Marco Fialho
O cinema clássico normatizado pelo gênio de David W. Griffith foi uma transmutação das teorias do teatro aristotélico e isso já foi largamente difundido e comentado nos livros que estudaram a origem do cinema como forma artística e narrativa. Evidente que essa visão clássica aos poucos absorveu sem maiores traumas, sublevações modernas e contemporâneas de linguagem, em especial depois da 2ª Guerra Mundial, com os movimentos de Nouvelle Vague mundo afora, inclusive no próprio Estados Unidos, com Cassavettes e a chamada Nova Hollywood.
Filmes como Amores à Parte trazem essas incorporações modernas, ainda mais que o tema das relações não monogâmicas está na ordem do dia e o filme inicia numa discussão entre o casal Carey (Kyle Marvin) e Ashley (Adria Arjona) numa estrada a caminho da casa do casal Julie (Dakota Johnson) e Paul (Michael Angelo Covino), que instaura uma crise entre o casal viajante, depois que Ashley vê a morte de uma jovem em um acidente de trânsito. Será que ela viveu os seus desejos mais profundos ou morreu acreditando no discurso careta da vida "normal" e monogâmica? Esses pensamentos a fazem pirar, mas o mais estranho é que ela confessa ao marido ter tido vários amantes (isto é, na prática sua monogamia sequer existia, só na teoria).
Amores à Parte se define pela comédia de costumes, como uma obra que escolhe o exagero como caminho de diálogo com o público. Assim, as cenas são caracterizadas pela exacerbação, uma briga dura alguns minutos e chega a enjoar, como a de Carey com Paul. Quando Ashley e Carey acertam levar uma relação não monogâmica, a casa fica apinhada de ex-amantes que Ashley acumula pelo caminho. Algumas discussões sobre relacionamentos são interessantes, mas as subversões narrativas de Amores à Parte nunca chegam à página dois, sempre se arrefecem, nunca se aprofundam.
O mais engraçado é o quanto a trama vira de ponta à cabeça, revira novamente, para enfim se encerrar quase como começou. Se Amores à Parte começa com pitadas de ousadia, inclusive as interpretações buscam quebrar os padrões das comédias estadunidenses, ao final tudo lembra uma comédia romântica que já vimos tantas vezes no cinema deles. Chocar para depois voltar ao padrão, esse parece ser a tônica do filme, com toques indeléveis de um cinismo programado para durar até a página dois.
No fim, nada soa mais conservador do que o pretenso progressismo de Amores à Parte. De certo, nota-se que os atores e atrizes estão à vontade e o fato do diretor Michael Angelo Covino integrar o elenco estelar, colabora para que os atores fiquem soltos e entreguem realmente alguns momentos engraçados, embora outros fiquem enfadonhos e repetitivos. Se inicialmente havia uma indicação de que essa seria uma comédia com traços mais europeus, com uma ênfase numa encenação que provoca um estranhamento no espectador, no meio do caminho as coisas desandam e a tal troca de casais acaba não funcionando tanto assim, e a essa altura, o que era para ser transgressor termina como mais uma comédia estadunidense um pouco melhor acabada e burilada, mas essencialmente boboca e pouco reflexiva.
A maior herança que o cinema norte-americano carrega é a que Griffith, lá nos anos 1910 sugou do teatro. A cada filme, a cada ano e década essa tradição se firma. A ênfase aristotélica nos três atos se fortalece como o motor da narrativa clássica, com seus pontos de virada bem delineados, tal o escopo estabelecido pelo mestre Sid Field em seus livros sobre roteiro. Amores à Parte parece ser um filme a buscar novos caminhos e modelos narrativos, mas acaba por reafirmar os velhos métodos com uma capa moderninha e uma aparência transgressora. Pode até virar um hype, para a alegria momentânea do mercado, mas em breve será mais um a adentrar e engrossar a gaveta dos filmes esquecíveis vendidos como fora-de-série pela quase sempre insossa indústria hollywoodiana.
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