Pular para o conteúdo principal

LADRÕES (2025) Dir. Darren Aronofsky


Texto por Marco Fialho

O diretor Darren Aronofsky é conhecido por fazer um cinema de excessos tanto no plano do roteiro (histórias que levam personagens a extremos perante a vida) e no plano narrativo com encenações pirotécnicas, uma esquisita estética do exagero, que servem para salientar o psicológico dos seus protagonistas. Sempre fui um crítico desse tipo de cinema que transforma em espetáculo a dor alheia. Baleia (2022), Mãe (2017), Cisne Negro (2010), O Lutador (2008), por exemplo, seguem essas premissas histriônicas do diretor.

Ainda que os filmes citados se prevaleçam por uma mise-en-scène escalafobética, com movimentos de câmera exagerados e forçados, traziam indagações psicológicas interessantes. Agora, com Ladrões (2025), seu novo projeto, Darren Aronofsky apela para um filme cuja forma fílmica expõe a um certa ironia seus personagens. Se antes os seus personagens beiravam o ridículo pelo apelo dramático, agora  o que ele quer é extrair uma graça de situações inusitadas e inesperadas. 

Ladrões se aproxima mais de um filme de ação cômica, onde o drama do personagem Hank Thompson (Austin Butler, famoso por protagonizar Elvis, de Baz Luhrmann) se vê envolvido em circunstâncias de alta periculosidade de seu vizinho Russ (Matt Smith) e o filme se transforma em uma trama de gato e rato, com máfias russas, judaicas e polícia corrupta no seu pé. Por mais que haja cenas exageradas de perseguição e tortura, Ladrões não se compara a outras obras do diretor. Para os padrões de Aronofsky, o filme até se mostra um dos mais comedidos de sua carreira. Como uma típica comédia de costumes de ação, o submundo mafioso adentra na história mais como comédia do que como drama, dado às situações ridículas a que são submetidos. 

Mesmo assim, fica bem evidente a propensão de Darren Aronofsky para realizar um cinema acrobático, um gosto em buscar ângulos inusitados, como os planos subjetivos em contra-plongée do gato Bud e as reincidentes cenas da batida do carro de Hank sob ângulos variados. Essa é a marca desse cinema que se quer intenso, que abusa dessa ideia de intensidade para se afirmar.  Mesmo que o roteiro não se aprofunde nas questões psicológicas que levanta sobre Hank, a ação sempre supera a reflexão e esse ponto parece inegociável para Aronofsky nesse trabalho.   

O mais irônico em analisar Ladrões é ver o quanto que a guinada dada por Aronofsky em sua cinematografia, não fez o seu cinema mais interessante do que o estilo de antes. Ladrões não deixa de ser o filme mais palatável do diretor e o mais superficial e esquecível. Se por um lado, Aronofsky investe em adrenalina, agregando ainda um toque satírico pela reincidência do azar de Hank e isso nos diverte bastante em seus 107 minutos, por outro, assim que saímos do cinema não resta muitos elementos para se discutir ou aprofundar nenhuma discussão. O que fica é a certeza de um entretenimento a contento, pois Ladrões lembra tantos outros filmes hollywoodianos já realizados de perseguição, corridas de carro, fugas, drogas, traições e máfia, que certamente não vai suscitar um risco de pesadelos assim que colocarmos a cabeça no travesseiro.     

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

O PASSAGEIRO: PROFISSÃO REPÓRTER (1975) Direção de Michelangelo Antonioni

Entra no carro, nós seremos o passageiro Passearemos pela cidade à noite Passearemos pela traseira rasgada da cidade Veremos a brilhosa e oca lua Veremos as estrelas que brilham tão claras Estrelas feitas para nós esta noite                                       Trecho da música "The passenger", de Iggy Pop   Por Marco Fialho Identidades feridas em um mundo devastado Incentivado pelo lançamento de 3 obras essenciais do mestre Michelangelo Antonioni em blu-ray pela Versátil Home Vídeo, fiquei tentado em escrever sobre um dos filmes que mais aprecio no cinema: "O passageiro: profissão repórter", um dos filmes mais comentados e discutidos nos cursos de cinema, em especial devido ao plano-sequência final. O título dado no Brasil desde os anos 1970 é mais um daqueles inapropriados. O original, "The  passenger" (que adotarei aqui) ,  é brilhante por permitir uma leitura ampliada ...