Texto por Marco Fialho
Logo na primeira aparição do casal Tim (Dave Franco) e Millie (Alison Brie) um paradigma se estabelece e vai perdurar até o final do filme: será que sobrevive nos dias de hoje a máxima de que é imprescindível para o sucesso de um casamento dois indivíduos se transformam em um só? É essa ideia de fusão entre duas pessoas amadas que Juntos, do diretor canadense Michael Shanks centra sua narrativa perturbadora.
Juntos poderia ser só uma grande baboseira insossa, tem até seus momentos bobocas, mas Shanks mantém quase sempre o vigor narrativo e não deixa o filme se esvair pelo ralo, não deixa suas premissas se perderem, sabe focar a narrativa no casal central e sabe explorar tanto os atributos do body horror com pitadas certeiras do terror gore quanto os psicológicos que a trama sustenta, guardando os efeitos especiais para os momentos mais cruciais. Desde o começo fica evidente o quanto Tim se encontra inseguro quanto a ideia de casamento, de ter que abrir mão de um pouco de si para ensejar a tal unidade que um casamento normalmente clama. Inclusive é marcante vermos logo nas primeiras cenas do casal, a perturbação de Tim quando Millie fala sobre a combinação de suas roupas, e logo na cena a seguir notamos que ele mudou o casaco para que as cores de sua roupa destoassem das dela.
O melhor de Juntos é a manutenção de uma narrativa em que a força imagética está sempre abrindo mão de grandes explicações lógicas, o que normalmente põem tudo a perder nos filmes de terror, e partir de algo que instigue o espectador a mergulhar junto com Tim e Millie em um turbilhão de emoções que só a vida a dois pode proporcionar. O diretor Shanks sabe que o que sustenta um filme de terror como este é o quanto de atmosfera é inserida na trama e Juntos equilibra bem tudo o que está dentro e fora do quadro, não deixando o clima somente com a banda sonora, mas o deslocando também para as atuações dos atores, os efeitos especiais, a direção de arte e nas angulações e movimentação da câmera.
A ida do casal para uma localidade erma e com uma natureza abundante no entorno, aumentam os pesadelos já frequentes de Tim e fortalecem a ideia de perturbação, em especial depois que ambos caem em um buraco na floresta e ele bebe uma água que tinha no local. A direção sabe explorar os silêncios do local para salientar e sublinhar o aspecto psicológico de Tim. O silêncio torna-se assim um belo alimento para se fortalecer a atmosfera de terror que Juntos preconiza, assim como olhares e enquadramentos bem realizados. É interessante realçar que Tim e Millie só caem no buraco porque estão perdidos, sem saber por onde ir.
Mas é na exploração imagética que a parábola da dependência monogâmica se expande, com os efeitos corpóreos que ocorrem assim que Tim se afasta de Millie. Shanks mostra o quanto uma boa imagem vale mais do que mil diálogos ou narrativas em off desnecessárias. A força da narrativa está nas ações e reações dos corpos frente aos processos psicológicos em que são submetidos. Quando Tim retorna ao buraco para tentar buscar explicações, ele vê um casal cuja união corporal não foi bem sucedida, o que ali criou um ser monstruoso (com destaque para a sugestiva maquiagem gore), o que imageticamente nos leva a pensar sobre a ideia de que nem sempre a unidade é realizada com eficácia.
Juntos traz muitas ideias originais, sobretudo no plano imagético, por mais que Michael Shanks abuse da narrativa clássica, salvaguarda curiosas imagens dos corpos se atraindo como se tivessem possuídos por um ímã irresistível. O mais apavorante de Juntos é a reflexão que o filme faz em relação a como encaramos os relacionamentos conjugais na contemporaneidade (não importando se a relação é hétero, gay, lésbica ou qualquer outra que se imaginar), em especial algumas camadas relativas à monogamia, do quanto aceitamos abrir mão da nossa individualidade por uma hipotética unidade. Mas o melhor de tudo, é que o filme não julga as relações nem alicerça uma teoria sobre o tema, apenas fustiga a imaginação e lança um final imprevisível, engraçado e perturbador.
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