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A HORA DO MAL (2025) Dir. Zach Cregger,


Texto por Marco Fialho

Modismo se define como algo notório, mas de caráter efêmero, que ocorre na sociedade ou em grupos dela. Creio que esse seja um bom termo para definir A Hora do Mal, filme de terror dirigido por Zach Cregger, um hype fabricado pelo mercado para ser digerido avidamente por um tempo e depois ser esquecido de maneira tão rápida quanto foi consumido. Não consegui assistir ao filme na estreia e eis que leio uma saraivada de críticas o apontando como o terror do ano (vamos convir que essa frase está cada vez mais banalizada, né?) e corri atrás para vê-lo, mesmo com uma semana de atraso do lançamento.  

Quando enquadro A Hora do Mal como um filme de moda, o que quero dizer com isso? Estaria aqui afirmando que A Hora do Mal é um filme mal filmado e que nem vale ser assistido? De certo não penso dessa forma. Pode-se até dizer que os dois primeiros terços são muito bons, narrativamente muito bem realizados, mas o que fazer com o terço final, em que toda a justificativa recai sobre uma visão cristã estereotipada de bruxa, como um ser maligno? Pois é isso de que trata a tal tia Gladys (Amy Madigan), mulher diabólica com poderes sobrenaturais forçados e banais. Outra estranheza do filme é como o desaparecimento de 17 alunos de uma escola é tratado pela polícia de uma pequena cidade. O mais óbvio de ser feito, que é olhar as câmeras disponíveis na cidade, só é feita pelo pai de Matthew. Não havendo nenhum foco no trabalho da polícia, já que o policial na história é apenas amante da professora.

Até o aparecimento de Gladys, o roteiro e a direção vão bem ao narrar a mesma trama pelo viés de um personagem por vez. Assim, vamos assistindo como cada personagem viveu a experiência do dia do desaparecimento das crianças. A professora Justine (Julia Garner), o pai do menino Matthew (Josh Brolin), o diretor da escola (Benedict Wong), o policial e o menino Alex (Cary Christopher) têm os seus pontos de vista do acontecimento. O que mais sustenta o filme em seus dois terços iniciais é o suspense de sabermos o que ocorreu com as crianças desaparecidas, mas também alguns jump scares (que são aqueles sustos inesperados típicos de alguns filmes de terror), mas convenhamos, até aí nada demais, nada que justifique tanto frisson, apenas mais um filme bem filmado e com recursos cinematográficos bem utilizados. 

Mas porque o filme cai tanto no terço final, se antes tudo caminhava tão bem nos blocos narrativos anteriores? Justamente quando se introduz a personagem causadora do problema, a tia Gladys. A inconsistência da trama recai sobre ela e por uma motivação muito simples: o seu personagem carece de um mínimo de realidade e sustentação. A sua construção no roteiro descamba para a raia da ingenuidade. Seus poderes de bruxa são de uma simplicidade atroz. Ela se utiliza de um caule espinhoso de uma roseira, onde enrola algum pertence de quem ela quer amaldiçoar e machuca a mão para pingar o seu próprio sangue numa bacia de água, o que já deixa o amaldiçoado catatônico, para logo depois balançar um sino e fazer dessa pessoa um bicho desenfreado (algo como um zumbi desarvorado). Essas cenas beiram o patético e levam o filme para a banalidade. Falta a A Hora do Mal uma lógica interna (não confundir com verdade, pois sabemos que a essência do cinema é a mentira e a enganação), algo que faça sentido para o que se está propondo em sua premissa narrativa.    

Se a visão construída de bruxa é ridícula, rasteira e preconceituosa, a mise-en-scène é convencional ao apelar inicialmente para o suspense, para depois cair em um gore batido e sem graça. A narrativa em episódios em que voltamos para o mesmo e recorrente tempo, está longe de ser novidade. Filmes como Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994) já recorreram a esse recurso. Creio que o mais importante seja analisar como esse recurso foi utilizado e qual o resultado a que ele chega. E nesse ponto, tudo soa como mais uma futilidade narrativa, pois quando Gladys entra em cena o mistério acaba, mas poderia ainda restar algum suspiro pela motivação da personagem, entretanto não existe nenhuma e sobra ainda uma perspectiva simbólica acerca de uma suposta opressão da infância na contemporaneidade, que também não consigo enxergar, por mais que o horário do desaparecimento das crianças (2:17) sugira o versículo bíblico de Matheus (sim, um dos meninos desaparecidos se chama Matthew), mas essa citação não acrescenta muito ao filme, nem confere a ele algo de especial ou uma mensagem subliminar. 

Mais do que uma boa premissa, um filme precisa ser visto em seu todo, em como ele pensa a conclusão da premissa que levantou. E qual suco podemos tirar de A Hora do Mal, e aqui cabe qualquer justificativa, seja ela simbólica, cinematográfica ou social. Para mim, o tal hype vem de um merchandising aprumado e certeiro para transformar um filme esquecível (apesar de bem realizado tecnicamente) do circuito em algo especial e fora da curva. Alguns compararam a narrativa de Cregger a de Stephen King, ao meu ver uma comparação injusta, já que King fundamenta muito bem suas premissas, inclusive um de seus atributos. Mas para mim, cinema precisa ir mais fundo tanto na linguagem quanto na narrativa, o que infelizmente não é o caso desse incensado filme mediano vindo de Hollywood.

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