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Mostrando postagens de julho, 2024

PEQUENAS CARTAS OBSCENAS (2024) Dir. Thea Sharrock

Texto por Marco Fialho Apesar de baseada em uma história verídica,  Pequenas Cartas Obscenas pode ser compreendida como uma fábula soft , cômica e feminista sobre a sociedade londrina de 1920, sobretudo pela diretora Thea Sharrock propor uma abordagem em que o aspecto absurdo da história prevalece na narrativa.  O filme provoca risos da plateia e isso acontece devido ao apuro técnico do elenco, que brilha absolutamente em todas as cenas. Olivia Colman, Jessie Buckley, Timothy Spall, Anjana Vassan, Gemma Jones, Joanna Scanlan, Hugh Skinner, Eileen Atkins, Lolly Adefope e Jason Watkins mostram a força da escola inglesa de atores e atrizes. Todos acertam no tom cômico de seus personagens, numa trama que esbarra demais na narrativa de Arthur Conan Doyle (criador do personagem Sherlock Holmes), amparada no humor sarcástico, capaz de rir de si próprio. Pequenas Cartas Obscenas flerta descaradamente com o clássico humor inglês, com o filme policial, o de tribunal e com a crítica de c...

A MÚSICA NATUREZA DE LÉA FREIRE (2024) Dir. Lucas Weglinski

Texto por Marco Fialho A primeira coisa que quero dizer a respeito de  A Música Natureza de Léa Freire é um agradecimento ao diretor Lucas Weglinski (Máquina do Desejo - 2021), por nos descortinar uma preciosidade do quilate de Léa Freire. Como vivemos todo esse tempo sem saber da existência dessa música e compositora extraordinárias, de sua verve e entrega absoluta à vida e à música. Aqui vemos a ideia de documentário atingir um dos seus grandes propósitos, o de revelar algo de novo, ou pelo menos, nos despertar para um ângulo diferente acerca de um personagem ou fato da história. Nesse caso, o de Léa Freire, nem se trata propriamente de um resgate, já que sequer a mesma possuía antes uma mínima projeção midiática. Esse filme é sobre a nossa capacidade como país de não valorizar pessoas fantásticas, que deveriam ser discutidas em um patamar altíssimo. Surpreende, e muito, esse apagamento, não só pelo fato de Léa Freire ser uma mulher, mas sobretudo por ser uma compositora e instru...

A FILHA DO PESCADOR (2024) Dir. Edgar De Luque Jácome

Texto por Marco Fialho A Filha do Pescador mostra o quanto em muitos casos, é difícil realizar uma obra cinematográfica na América Latina. O diretor Edgar De Luque Jácome é colombiano e o filme é resultado de uma coprodução entre Colômbia, Brasil e Porto Rico, e filmado na República Dominicana. Essas dificuldades de filmagem estão um pouco refletidas no resultado um tanto irregular desse filme que marca a estreia do diretor em longas.  Não que A Filha do Pescador não tenha seus méritos. Sim, os tem, embora falte ao roteiro e a direção a mesma coragem que está colocada na história. Abordar a temática LGBT em uma região inóspita, praticamente inabitada, onde os papéis de gênero são bastante demarcados sinaliza sim um ato de ousadia. O grande problema é que o diretor não consegue fugir de uma narrativa insossa, linear e sem brilho. O tom das intepretações é destoante, o ator Roamir Pineda (Samuel), no papel do pai não está afinado com o de Nathalia Rincón, sublime como Priscila, uma m...

LO QUE QUEDA EN EL CAMINO (2024) Dir. Jakob Krese e Danilo do Carmo

Texto de Carmela Fialho O documentário Lo que queda en el camino aborda a caminhada da guatemalteca Lilian e seus quatro filhos menores da Guatemala até a fronteira do México com os EUA. Os diretores Jakob Krese e Danilo do Carmo optam por fazer um documentário observacional acompanhando as diversas situações difíceis de Lilian ao escapar de um marido violento e partir para uma jornada incerta com seus filhos, sendo uma delas ainda uma bebê. Apesar das dificuldades encontradas pelo caminho, Lilian consegue sobreviver graças a ajuda de outras mulheres que assim como ela estão fugindo de situações de pobreza, exploração e desilusões amorosas.   Os diretores fazem a opção por revelar a personagem através de suas conversas com os filhos, as mulheres que cruzam o seu caminho e alguns homens que também buscam conhecer um pouco da sua história. Revelam através de conversas telefônicas para os EUA, que ela tinha um amante guatemalteco residente no Arizona , que pretendia recebê-la jun...

FAUSTO FAWCETT NA CABEÇA (2024) Dir. Victor Lopes

Texto de Marco Fialho Tem documentários que preferem penetrar na alma de um personagem ao invés de querer pretensamente falar tudo sobre a vida dele. Fausto Fawcett na Cabeça , dirigido por Victor Lopes, vai por esse primeiro caminho e com muita eficiência. Copacabana é o território no qual Fausto Fawcett se banha para criar letras e textos literários precisos sobre um Rio de Janeiro urbano, caótico e contraditoriamente encantador. Confesso que a minha veia cronista foi fisgada pela abordagem de ver Fausto como um pensador tipicamente compatível com o bairro de Copa, um personagem que se mistura com o próprio cenário.  Victor Lopes contagia  Fausto Fawcett na Cabeça  com uma proposta imagética potente, à altura da obra do artista de Copacabana. Explora as nuances da personalidade solitária e intensa de Fausto, e vai fundo em seu método de trabalho. Esquadrinha a abordagem mosaica do artista montando imagens igualmente fragmentadas. Espelhos anunciam o pensamento tortuoso ...

SILVANA BELINE: O CINEMA QUE A GENTE SENTE (Ensaio)

: Texto de Marco Fialho Silvana Beline: o cinema que a gente sente Em abril de 2024, a convite, fui realizar um trabalho de cinema em Anápolis, cidade do interior de Goiás, e tive a honra e o prazer de me deparar com muitos profissionais brilhantes do audiovisual da cidade, e tive a surpresa de conhecer um filme de Silvana Beline. O título do filme não era fácil de pronunciar de pronto, Diriti De Bdé Burè , mas a obra, muito pelo contrário, era de uma beleza e força surpreendentes. Lembro de ter me emocionado muitíssimo vendo esse tocante documentário. Logo me comprometi a escrever sobre o curta e quis conhecer outras obras da diretora. Eis que a própria me enviou os links e pude assistir encantado a força que esse cinema irradia. E fiquei a pensar: "porque um cinema com esse vigor e rigor estilístico não é ainda conhecido por muitos?" São as idiossincrasias de um mercado que reluta em falar e revelar novos nomes, ainda mais se o filme não tiver um apelo de marketing para atr...

EU SOU O CINEMA, O CINEMA SOU EU (2024) Dir. Cavi Borges e Patrícia Niedermeier

Texto de Marco Fialho Intro Se viajar é para a maioria uma oportunidade de conhecer outras paisagens e culturas, para Cavi Borges e Patrícia Niedermeier viajar representa algo maior, uma possibilidade de fazer novos trabalhos audiovisuais. Em Eu Sou o Cinema, o Cinema Sou Eu o casal cinematográfico se apossa da temática cinema para compor 14 novas videoartes para a sua filmografia, são pequenas peças cuidadosamente filmadas, com o esmero de quem ama o ofício do cinema. Contudo,  Eu Sou o Cinema, o Cinema Sou Eu tem uma abertura especial, uma curtíssima e luxuosa videoarte de Neville D'Almeida, como um preâmbulo temático e premeditório. Nela vemos Patrícia Niedermeier se enroscando em celulóides estilizados que emulam uma película de cinema, com imagens de cenas de filmes famosos. Há, sem dúvida, um apelo erótico na cena, uma aproximação carnal movida pelo desejo de estar perto do cinema, de se envolver com ele. Trata-se de uma bela introdução provocativa ao que virá: videoartes con...

GREICE (2024) Dir. Leonardo Mouramateus

Texto por Marco Fialho O cinema de Leonardo Mouramateus vem se dividindo entre Brasil e Portugal, e  Greice , seu mais novo trabalho não é diferente, pois a própria história já engendra a presença tanto de Fortaleza quanto de Lisboa. O espectador é instado a seguir a personagem-título, uma jovem que estuda escultura em Lisboa e que tem como hábito ficcionalizar os fatos de sua vida, tanto os do presente quanto os do passado. Mouramateus adota o ponto de vista de Greice (Amandyra em ótima interpretação) e assim, dentro da camada ficcional, uma personagem tem a liberdade de reinventar a sua própria história. Greice  não deixa de ser isso, uma complexa composição de camadas de ficcionalização, tendo sido escolhida a comédia como uma forma estilística para que se possa rir do fato narrado.    Mouramateus mixa habilmente uma certa formalidade portuguesa com uma informalidade brasileira e isso causa um desenho narrativo desigual e desconcertante. As línguas podem até ser s...

TWISTERS (2024) Dir. Lee Isaac Chung

Texto de Marco Fialho Twisters , dirigido por Lee Isaac Chung, como um bom filme de Hollywood não consegue se separar da ideia de heroísmo. Parece que, se algum personagem não assumir essa faceta edificante, ele nada pode ser. É uma condicionante do ato de existir desse cinema, querer encorajar cada cidadão a ser diferenciado, tendo o germe de quem está sempre apto a fazer a diferença. E claro, ainda tem os traumas do passado, esse elemento que gera motivação ou até mesmo culpa nos protagonistas. Porém, como realizar um filme de catástrofe sem inserir heróis. Twisters  trata desse tema que também é muito propício aos efeitos especiais, afinal, como retratar a destruição de um tornado no cinema sem o auxílio da tecnologia, dos recursos tão avançados que se dispõe? E nesse quesito, o filme é uma baita realização, não só pela imagem em si, mas igualmente pelo som muito bem construído.  Twisters poderia até ser mais um blockbuster alucinado, com muita ação e correria, estron...

COMO VENDER A LUA (2024) Dir. Greg Berlanti

Texto de Marco Fialho Como Vender a Lua , dirigido por Greg Berlanti, traz à berlinda o velho tema sobre a primazia da chegada do homem à lua, na época da chamada Guerra Fria entre os Estados Unidos e a já extinta União Soviética. A produção hollywoodiana recria a história na perspectiva do marketing, da necessidade de se vender para o país e o congresso a ideia da importância da concretização de promessa feita no começo da década de 1960 por John Kennedy. No final dos anos 1960, já no Governo Nixon, a viagem à lua havia perdido força no país e algo deveria acontecer para se retomar o fôlego de antes.  Entretanto, mais do que trazer perguntas sobre o passado, Como   Vender a Lua  suscita interrogações para o mundo de hoje sobre a guerra de informações que tanto perturba nossas vidas. O filme vai lá nos anos 1960 para resgatar algo importante para o presente, no caso, as narrativas como princípio de uma guerra ideológica maior. Certa vez, o filósofo Paul Virilio afirmou qu...

DIVERTIMENTO (2024) Dir. Marie-Castille Mention-Schaar

Texto de Marco Fialho Divertimento é um filme que trata da relevante temática da inserção da mulher na regência de orquestras na França. Ainda pode ser acrescido que a personagem Zahia ( Oulaya Amamra ) vem das camadas mais humildes da França, de uma escola de música situada em uma região metropolitana de Paris. O filme parte de uma história verídica, o que torna tudo mais urgente de ser contado. Se tem algo que se destaca em Divertimento é a agilidade e fluência na qual a história se desenvolve. Tanto a montagem quanto a direção são pontos coerentes e se articulam com muita competência. Outro destaque é o elenco que apesar de numeroso, afinal o filme se passa numa escola, com muitos personagens coadjuvantes participando das cenas. A protagonista, interpretada por Oulaya Amamra, esbanja carisma e desenvoltura ao segurar o papel de Zahia com leveza e determinação. Sua irmã gêmea, Fettouma (Lina El Arabi), violoncelista, serve como um ótimo apoio para discussões, conversas e diversão com...

CAMINHOS CRUZADOS (2024) Dir. Levan Akin

Texto de Marco Fialho O que mais me agradou em "Caminhos Cruzados" é o quanto o diretor sueco Levan Akin vai conduzindo a sua história paulatinamente, de modo a nos envolver cena a cena com a sua proposta. Se por um lado, os personagens vão criando laços entre si, nós vamos igualmente sendo sugados por uma narrativa aparentemente despretensiosa, mas com uma imensa capacidade de enredar a quem assiste. E isso é, por si só, fascinante e recompensador.  O cinema de Levan Akin (do ótimo E Então Nós Dançamos ) é dos afetos em meio ao rascante mundo que vivemos. É curioso como a câmera de Akin está sempre na mão, inclusive quando poderia estar fixa em um pedestal, o que me incomodou em algumas cenas, ver a câmera balançando quando algum personagem estava sem sair do lugar. Embora considere que a câmera na mão de Caminhos Cruzados , antes de tudo, instale um desejo de estar junto a cada personagem, uma vontade de cumplicidade e companheirismo. Quando Dona Lia (Mzia Arabuli) chega na...

MAXXXINE (2024) Dir. Ti West

Texto de Marco Fialho Antes de MaXXXine efetivamente começar, o diretor Ti West nos propõe uma frase rascante da grande atriz Bette Davis: "Neste ramo, até você ser reconhecida como monstro, você não é uma estrela". Ao final do filme, descobrimos o quanto essa sentença é emblemática, já que MaXXXine trata deliberadamente da carreira de uma pretendente à atriz de uma maneira cruel, em pleno anos 1980, época da loucura e aceleração ditada pela cocaína, onde matar ou ser morto faz parte da rotina de quem quer brilhar em Hollywood.  Enfim, os 1980 foram tempos adrenalizados e comentados pela ambição extrema, uma década marcada pela política belicista do presidente Ronald Reagan, que preconizava uma política externa intervencionista e agressiva com os países em desenvolvimento econômico. Socialmente, tinham os yuppies, ávidos por faturar milhões na bolsa de valores. O cinema da época era de grandes blockbusters e conseguir uma vaga nessa indústria era algo para poucos e sinônimo ...