Texto de Marco Fialho
Antes de MaXXXine efetivamente começar, o diretor Ti West nos propõe uma frase rascante da grande atriz Bette Davis: "Neste ramo, até você ser reconhecida como monstro, você não é uma estrela". Ao final do filme, descobrimos o quanto essa sentença é emblemática, já que MaXXXine trata deliberadamente da carreira de uma pretendente à atriz de uma maneira cruel, em pleno anos 1980, época da loucura e aceleração ditada pela cocaína, onde matar ou ser morto faz parte da rotina de quem quer brilhar em Hollywood.
Enfim, os 1980 foram tempos adrenalizados e comentados pela ambição extrema, uma década marcada pela política belicista do presidente Ronald Reagan, que preconizava uma política externa intervencionista e agressiva com os países em desenvolvimento econômico. Socialmente, tinham os yuppies, ávidos por faturar milhões na bolsa de valores. O cinema da época era de grandes blockbusters e conseguir uma vaga nessa indústria era algo para poucos e sinônimo de sucesso garantido.
Tanto que na primeira cena vemos Maxine em um teste de elenco, em busca de fazer um papel que não era o que habitualmente realizava, o de atriz de filmes pornográficos. Se no primeiro filme da trilogia, X, a Marca da Morte, Maxine estava em busca de um reconhecimento no mundo do pornô, lá no final dos anos 1970, agora em MaXXXine, ela já é uma estrela do pornô, o que evidentemente não garante a ela uma posição de estrelato como atriz na tão sonhada indústria hollywoodiana. Talvez, isso significasse até um empecilho devido ao preconceito de que uma atriz do ramo do pornô não seria capaz de atuar em um filme dramático. Daí a oportunidade de Maxine ser em um filme de terror, gênero considerado de segunda categoria no meio hollywoodiano.
O mundo dos sonhos intrínseco à Hollywood já foi tema de diversos filmes, dentre eles, talvez o mais expressivo seja Cidade dos Sonhos, de David Lynch. É perceptível o quanto esse filme influenciou MaXXXine, embora esse não seja a única referência ali ventilada. Em verdade, MaXXXine é um suco de referências. Hitchcock (Psicose) e Mario Bava (Seis Mulheres Para um Assassino), por exemplo, estão a permear MaXXXine epidermicamente, formam uma camada fundamental da sua estrutura tanto narrativa quanto visual. Já o personagem de Kevin Bacon é uma clara referência aos tipos esquisitos tão peculiares de David Lynch, sobretudo de Veludo Azul. A um certo momento, lá pelo fim, Maxine se traveste de Kim Novak, a loura fetiche do mestre Hitchcock. Sonho, realidade e pesadelo caminham tão próximos de cada aspirante a ser uma estrela, que a navalha pode, a todo instante, cortar para qualquer um desses lados. E definitivamente corta mesmo.
Contudo, se compararmos MaXXXine com Pearl e X, a Marca da Morte, creio que esse seja o menos original dos três, o que Ti West menos deixa a sua marca como diretor, provavelmente por se espelhar em demasia em diversas referências. Isso não tira do filme o seu valor, apenas o deixa, ao meu ver, em um patamar abaixo dos dois anteriores. Visualmente, creio ser essa uma obra muito bem acabada, com uma fotografia elaborada com preciosismo, que em várias cenas lembra as produções requintadas dos giallos italianos, especialmente a da morte do amigo de Maxine, Leon, com diversos closes na luva preta do assassino, nas abruptas estocadas da faca, no rasgo do pescoço, dos cortes bruscos e no predomínio de um colorido vultoso. Mas não temos como negar que esse é o filme da trilogia todo afeito ao talento inequívoco de Mia Goth. Ela está esplêndida em todas as cenas, sem exceção, tal o carisma que ela transborda a cada nova aparição. Pode-se dizer, sem medo, que Maxxxine foi pensado para ela brilhar, o que justamente acontece.
Vale assinalar, que Maxxxine incorpora o slasher como trama periférica, embora essa subtrama esteja presente em vários momentos, nitidamente mais como homenagem, uma maneira de celebração de um subgênero importante do terror, assim como a influência do gore em poucas, mas significativas cenas, como a da morte do pai. Ti West vai realizando cena a cena, plano a plano, um filme colagem de diversos subgêneros do terror, desde os mais clássicos, com elegantes usos de planos sequências bem estruturados, que servem para desvirginar os bastidores dos estúdios dos filmes desse tipo de cinema. Outro artifício bem utilizado é o das inserções dos telejornais, fundamentais tanto para alinhavar o contexto quanto para propagar notícias sobre os assassinatos das atrizes pornôs, isto é, justamente para inserir o slasher na trama.
De certa forma, Maxxxine se ampara numa estrutura cíclica, por começar com um vídeo em super 8 da infância dela com o pai e quase no final ter esse mesmo vídeo sendo reprisado em sua totalidade. Sonho e realidade se confrontam violentamente, um passado que se depara com o presente, forçando uma resolução final. Se no início existe uma expectativa, ao final o falso sagrado da religião se choca com a verdade demoníaca do plano carnal. O exorcista é exorcizado perante a loucura do fanatismo.
Ao se sustentar em demasia em referências, Maxxxine revela alguns altos e baixos narrativos e possui perturbações rítmicas causadas por irregularidades e momentos de pulverização da trama. Ti West patina um pouco entre alguns caminhos que quer trilhar. Ora vai pela tortuosa estrada do slasher, mas de repente derrapa para o delírio inerente ao sonho humano. Mas ainda há uma trama policial que aparece, desaparece e depois irrompe no final. Ti West paga um preço, que talvez nem seja alto apenas estilístico, em especial por querer juntar o universo onírico de Lynch com um dote tributário de um fluxo amparado no slasher.
A metáfora da colina também está presente em Maxxxine, afinal, Maxine precisa literalmente escalar a montanha sagrada de Hollywood para poder vencer o passado. Por um lado, para realizar o sonho de infância, terá que manchar-se de sangue e transpassar momentos de pesadelo antes de alçar vôos na sua carreira. Lá no final, antes de morrer, o policial diz: "também já quis ser ator", e complementa: "nunca vim aqui em cima" (da montanha que traz o nome do sonho de tantos). Mas o que ficou em mim como reflexão foi uma das últimas palavras de Maxine, que guarda um fundo de quase certeza do seu inequívoco futuro: "eu queria que durasse (o estrelato) para sempre". É ou não é esse um final dramático, e porque não, melancólico. Ti West demonstra o quanto sabe fazer do terror um filme de personagem.
Coincidência maravilhosa! Ontem vi X. Vi primeiramente Pearl. Considero Pearl genial! Achei X icônico dentro do contexto a q se propõe! Esperando ansiosamente por Maxxxine. Abraços, Márcia Cannes
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