Texto de Marco Fialho
Tem documentários que preferem penetrar na alma de um personagem ao invés de querer pretensamente falar tudo sobre a vida dele. Fausto Fawcett na Cabeça, dirigido por Victor Lopes, vai por esse primeiro caminho e com muita eficiência. Copacabana é o território no qual Fausto Fawcett se banha para criar letras e textos literários precisos sobre um Rio de Janeiro urbano, caótico e contraditoriamente encantador. Confesso que a minha veia cronista foi fisgada pela abordagem de ver Fausto como um pensador tipicamente compatível com o bairro de Copa, um personagem que se mistura com o próprio cenário.
Victor Lopes contagia Fausto Fawcett na Cabeça com uma proposta imagética potente, à altura da obra do artista de Copacabana. Explora as nuances da personalidade solitária e intensa de Fausto, e vai fundo em seu método de trabalho. Esquadrinha a abordagem mosaica do artista montando imagens igualmente fragmentadas. Espelhos anunciam o pensamento tortuoso vindo da cabeça de Fawcett. O documentário se esbalda nas músicas vibrantes compostas por Laufer e letradas com a visceralidade do pensamento de Fausto, marcado por uma forma muito específica de ver o universo em que vive, mas o documentário não esquece de incluir algumas valiosas imagens e vídeos de outras épocas.
Aos depoimentos relevantes de Fawcett, se somam as falas de diversos parceiros de trabalho, como Fernanda Abreu, Regininha Poltergeist, Debora Colker e bonitas participações musicais de Chico Science, Maria Bethânia e Lulu Santos. A cada apresentação fica evidente a existência de um mundo muito próprio criado com esmero. É bom assistir e constatar o quanto Fausto Fawcett está muito além de Katia Flávia e Rio 40 Graus, que esses sucessos são a ponta de um imenso iceberg.
O processo do artista é revelado através de um mural caleidoscópico montado na parede, com fotos de artistas e outras imagens que compõe o painel sintético sobre o qual quer pensar e discursar. O mural lembra aqueles vistos em filmes policiais de psicopatas, onde os assassinos obstinadamente vão somando imagens das possíveis e futuras vítimas. Interessante como Fawcett realiza interferências nesses murais, os grafitando para que o caótico prevaleça sobre tudo.
É até difícil traçar todos os elementos que formam o universo de Fawcett, dado à complexidade da coisa. O artista confessa seu fascínio pelas ruas, de dia, de noite, a todo instante, os clubes de sexo, de música, os botecos e os lugares tradicionais de Copa, como o Cervantes. Os personagens de suas letras e histórias são devidamente garimpados na observação do cotidiano. Victor Lopes se mostra atento aos depoimentos primorosos de Fawcett, deixa o artista falar à vontade e esse espaço é fundamental para que acompanhemos a inteligência e originalidade do seu pensamento.
Depois de muito externalizar sobre personagens, livros, letras de música e sobre Copacabana, território privilegiado e exclusivo de seu trabalho, Fausto Fawcett nos brinda acerca de uma reflexão profunda do mundo que vivemos, de como a tecnologia dominou a sociedade. A montagem sabe valorizar as partes sem esquecer de ao final promover uma costura coerente que dá um sentido ao universo abordado. A efervescência e contundência da obra ficam registradas e saímos do documentário com vontade de ir dar uma volta em Copacabana para partilhar da beleza daquele universo caótico.
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