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Mostrando postagens de maio, 2024

CRÔNICAS DO IRÃ (2023) Dir. Ali Asgari, Alireza Khatami

Texto de Marco Fialho Numa época em que os filmes de ação e violência estão muito em voga, Crônicas do Irã , dirigido pelos jovens Ali Asgari ( Até Amanhã ) e Alireza Khatami, mostra o quanto um filme pode ser violento sem derramar uma gota de sangue ou mesmo abrir mão de uma câmera nervosa e cortes abruptos. Apesar da direção concisa, sem nenhum floreio técnico, a obra soa cortante por ser cirúrgica ao tocar numa ferida aberta inerente ao sistema político do Irã, em especial à censura. Na primeira e longa cena inicial, vemos um plano geral da grande cidade de Teerã indo lentamente acordando, da noite vamos avistando a luz do dia e os sons característicos da urbanidade, os carros e as ambulâncias avisando sobre o que é viver naquele turbulento território. Mas se a cidade ao longe parece como qualquer outra, de perto não é bem assim. A partir de então vamos conhecendo histórias que poderiam ser de terror, como a primeira em que um homem não consegue registrar o nome do seu filho como Da...

A METADE DE NÓS (2024) Dir. Flávio Botelho

Texto de Marco Fialho O cinema rotineiramente trata de temas espinhosos e difíceis e A Metade de Nós , de Flávio Botelho, mergulha na dor de pai e mãe depois de perder um filho que suicidou-se. O que podemos dizer, em um primeiro momento, é que a direção trata o tema com muita seriedade e respeitando os silêncios inerentes ao assunto e que valorizam o vazio existencial que o tema impõe.  A escolha do elenco foi um dos grandes acertos de A Metade de Nós . Denise Weinberg, Cacá Amaral, Kelner Macedo e Clarisse Niskier não poderia ser melhor. É evidente a busca desses atores em entender a proposta e a executá-la com o máximo de cuidado e competência. O enredo basicamente se divide entre Winberg e Cacá, na maneira como cada um tenta lidar com uma situação limite, algo irreparável ou insuperável. Daí o acerto de Flávio Botelho em trabalhar com um filme de personagem, enfocando a dor intransponível do casal.  A câmera basicamente está a serviço dos atores, atenta a flagrar sobretudo...

FURIOSA: UMA SAGA MAD MAX (2024) Dir. George Miller

Texto de Marco Fialho Se há um mérito que não se pode tirar de George Miller é a enorme capacidade de criar um poderoso mundo imagético e sonoro à sua imagem e semelhança. A franquia Mad Max prova isso, ainda mais essa segunda leva iniciada com a Mad Max: Estrada da Fúria (2015), e confirmada agora, na regressão temporal tour de force  para realizar  Furiosa: Uma Saga Mad Max , um filme mais preocupado com o drama dos personagens do que na ação em si. O diretor mostra que não é só um bom criador de mundos, mas também um roteirista atento (aqui junto com Nico Lathouris, que igualmente dividiu o roteiro com ele em Estrada da Fúria ) imprime uma força impressionante aos principais personagens da trama.  Um dia antes de assistir a Furiosa: Uma Saga Mad Max  vi um vídeo na internet que mostrava o que resta ainda da área   verde em nosso planeta e o quanto é assustador como o estamos destruindo com celeridade em nome de uma ambição econômica desenfreada e devastadora....

FÚRIA PRIMITIVA (2024) Dir. Dev Patel

Texto de Marco Fialho Fúria Primitiva , primeiro longa dirigido pelo renomado ator Dev Patel (Lion: uma jornada para casa, Quem quer ser um milionário, Atentado ao Hotel Taj Mahal), parte de uma ideia que a sociedade, pelo menos a da Índia, é um jogo com cartas marcadas, ou melhor, quer falar da tal da organização por castas sociais, em que uma forte hierarquização dita as regras, para que tudo continue sempre como está, mesmo que na superfície algo aparente mudar. Realmente há audácias, ou pelo menos maneirismos visuais, não resta dúvidas, mas nada que já não tenhamos visto em tantos eficientes filmes de ação que o cinema já entregou ao longo das últimas 4 décadas e se quisermos ser mais rigorosos, na última década (e falaremos muito disso aqui). Prefiro considerar Dev Patel um bom aprendiz, um diretor promissor, embora ainda seja cedo para projetar tanto à frente, mas dentro de uma lógica de cinema que já vem sendo praticada por alguns setores da grande indústria dominante. Creio...

JÁ É CINEMA - ideias livres e sem amarras sobre o nosso mundo.

Ensaio-crônica (ou um ensaio crônico) de Marco Fialho Se antes era uma mera promessa, hoje, a nossa vida já é cinema. Essa sentença síntese enuncia um mundo que já vivemos: o da ficcionalização da vida cotidiana. Existe nela uma incontornável ambiguidade, o de sermos na vida real algo que a princípio deveria habitar somente em um mundo imaginário. Mas é justamente essa clivagem entre o imaginado e o real que não mais existe. Instaurou-se um mundo a partir das narrativas, como se a vida só existisse quando narrada. Substituímos a vida pela narração dela. Mais do que a internet, as redes sociais fixaram essa prática. Fica a pergunta: se vida real e mundo imaginado se fundem, o homem de hoje estaria apartado da imaginação? Nos parâmetros contemporâneos, para ser, se precisa aparecer. Em um mundo ditado pela imagem, o ter condiciona-se ao estar em evidência para muitos. Eis a nova equação. A vida comum, essa na qual saímos nas ruas e vemos pessoas indo às compras, à praia, pegar à condução...

OSPINA, CALI, COLÔMBIA (2023) Dir. Jorge Carvalho

Texto de Marco Fialho O cinema do colombiano Luis Ospina é um dos mais importantes da América Latina, apesar de não ser muito divulgado aqui entre nós, a não ser em mostras raríssimas dedicadas especificamente a sua obra. Me lembro que em 2017, a Caixa Cultural trouxe não só os filmes como ainda nos presenteou com a presença do próprio Ospina falando dos filmes e de cinema de uma maneira geral. Hoje, o que me restou dessa época foi um catálogo que guardo com carinho dessa bela mostra de 2017. Ospina, Cali, Colômbia é um documentário que resgata a sua obra visceral, que reconstitui a carreira de Ospina a partir de uma entrevista do diretor Jorge Carvalho com o diretor colombiano, mais uma oportunidade para fomentar o interesse à obra desconhecida de Ospina no Brasil. Hoje, mesmo depois da sua morte, Luis Ospina é o mais destacado nome do cinema colombiano no mundo e o seu cinema ganhou a corruptela Caliwood, que se refere tanto ao baixo orçamento dos seus filmes (e parceiros) quanto su...

ÀS VEZES QUERO SUMIR (2023) Dir. Rachel Lambert

Texto de Marco Fialho Às Vezes Quero Sumir é um drama intimista, pequeno, sem pretensões maiores, embora narrado com grande feeling e sensibilidade pela diretora Raquel Lambert. E como é bonito sentir a mão feminina em todas as cenas, como se houvesse sempre uma mão carinhosa a afagar cada plano filmado, em especial os da protagonista. Essa é uma típica obra de personagem, no caso, a de Fran, que conta com uma interpretação cativante de Daisy Ridley, uma jovem a procura de si mesma, e em busca de seu lugar nesse mundo. A maior parte da história de Às Vezes Quero Sumir se passa no pequeno escritório em que Fran trabalha como auxiliar, fazendo planilhas e cuidando da liberação de itens de escritório, uma vida simples que mantem o sustento financeiro, mesmo que algo no seu semblante deixe transparecer um quê de infelicidade.  A delicadeza com que Raquel Lambert vai deslanchando pacientemente a vida de Fran é instigante, pois a cada novo instante pouco sabemos sobre como ela é, d...

BACK TO BLACK (2024) Dir. Sam Taylor-Johnson

Texto de Marco Fialho É de entender que um filme sobre a cantora e compositora Amy Winehouse viesse imerso em expectativas e atraisse uma atenção fora do comum, afinal, ela foi uma artista que esbanjou talento e polêmicas enquanto esteve entre nós. Back To Black , dirigido por Sam Taylor-Johnson, ficou longe, e bota longe nisso, de impressionar o público. Infelizmente, todas as cenas ficam no superficial, se ressentindo da falta de ousadia narrativa. Back To Black se mostra um filme monocórdico, que passa levemente por um furação que foi Amy Winehouse. O diretor Sam Taylor-Johnson não consegue passar do morno ao não provocar nenhum grande conflito em sua história e restringir demais a trama à relação amorosa da cantora com Blake, interpretado por um insosso Jack O'Connell. Se o diretor Taylor-Johnson acerta na escolha do elenco de apoio, erra feio nos protagonistas. Marisa Abela não emplaca como Amy (e não creio que seja apenas por questões de aparência física, apesar dela ser uma ...

A ESTRELA CADENTE (2023) Dir. Dominique Abel e Fiona Gordon

Texto de Marco Fialho A Estrela Cadente é um filme diferente, não naturalista, dirigido pelo casal Dominique Abel e Fiona Gordon (os mesmos diretores e atores do sucesso  Perdidos em Paris ), que insere diversas características do teatro do absurdo em sua estrutura dramática, e mais ainda, em sua mise-en-scène . Essas notas diferenciadas dificulta um pouco a digestão de A Estrela Cadente , pelo menos por uma parcela do público pouco afeita aos malabarismos cênicos que essa obra propõe ao trazer em seu bojo  interpretações excessivamente teatralizadas, calcadas em intervenções corporais e performáticas dos atores e atrizes, assim como também na acentuada caracterização dos personagens. Vale salientar que a autoralidade de A Estrela Cadente pode ser notada pelo fato de Dominique Abel e Fiona Gordon, os diretores, serem igualmente ator e atriz nesta obra. Pode-se até dizer que há uma pitada de Aki Kaurismäki na maneira como a direção concebe planos, embora a direção de atores sej...

UM DIA NOSSOS SEGREDOS SERÃO REVELADOS (2023) Dir. Emily Atef

Texto de Marco Fialho Um Dia Nossos Segredos Segredos Serão Revelados é um filme sobre o desmoronamento em vários níveis. A diretora Emily Atef monta sua história em 1989, à época da reunificação alemã e filma tudo como uma grande metáfora de um momento que trouxe a um só tempo esperança e angústia, em especial para quem vivia na Alemanha Oriental.  Emily Atef realiza um filme maduro, muito bem alinhavado, e demonstra muita habilidade e inteligência narrativa. A história vai se revelando sempre com muita paciência, em um conta-gotas narrativo impressionante. A diretora arquiteta o tempo ao seu bel-prazer, o manipula seguindo as regras do território na qual o filme se passa, uma pequena fazenda na Alemanha Oriental, habitada por uma família que possui um pequena venda para os habitantes locais e luta muito para manter uma vida simples, mas razoável numa sociedade em que as dificuldades econômicas são muitas.   A diretora também capricha na captação de cenas em que se pode ...

TRANSE (2022) Dir. Carolina Jabor e Anne Pinheiro Guimarães

Texto de Marco Fialho Transe antes de tudo, é um poderoso documento sobre a ingenuidade e prepotência de uma geração jovem e de classe média que considerava que a vida dos brasileiros era igual a sua. Daí o susto quando percebe que a sua forma de ver e sentir a vida representava uma bolha, não a maioria da população. O filme de Carolina Jabor e Anne Pinheiro Guimarães parte de uma ideia híbrida entre o registro ficcional e documental para falar da época das eleições presidenciais de 2018, em que Lula estava preso e Fernando Haddah e Bolsonaro disputam o cargo máximo do país.  Carolina Jabor e Anne Pinheiro Guimarães constroem uma estrutura narrativa muito coerente, que parte do ponto de vista do trio protagonista, formado por Luisa Arraes, Johnny Massaro e Ravel Andrade, três jovens que vivem de maneira libertária uma relação que inicialmente é de casal entre Ravel e Luisa, mas que vai se abrindo com a chegada do aventureiro e sedutor Johnny. Não existe um pano de fundo, pois os tr...

PLANETA DOS MACACOS: O REINADO (2024) Dir. Wes Ball

Texto de Marco Fialho Planeta dos Macacos: O Reinado é um dos melhores filmes, senão o melhor, da nova fase dessa franquia que sempre rende bons trabalhos. A trama revela muitas camadas e discussões interessantes acerca das relações sociais construídas historicamente pelos homens, tendo aqui os macacos como seres modificados geneticamente pelos humanos, o que lhes garantiu adquirir fala, mais inteligência e maior habilidade motora em um mundo distópico, totalmente destruído pelos humanos e dominado pelos macacos.       O filme se passa a muitas gerações à frente de Cesar, um líder mitológico desconhecido por muitos no presente, já que os macacos vivem dispersos, divididos por tribos, cada qual com uma organização própria. Noa (Owen Teague) é um macaco que vive com a Tribo das Águias, comunidade de chimpanzés que vive alienada do que acontece após um túnel que leva para um mundo proibido, que eles acreditam ser habitado pelos Ecos (que é como eles chamam os humanos). ...

RIVAIS (2023) Dir. Luca Guadagnino

  Texto de Marco Fialho O primeiro ponto que gostaria de ressaltar em Rivais  é o quanto o diretor Luca Guadagnino se revela um grande artesão cinematográfico. Creio que o forte do filme seja a direção, a construção dos planos, a câmera e a concepção narrativa consciente que Luca faz quando executa uma cena. Isso independe se o resultado me satisfaz ou não, é apenas um reconhecimento honesto de uma habilidade. Para mim, foi difícil pensar Rivais  fora de uma ideia de produto. Isto porque há um acabamento impressionante, um cuidado delicado com cada cena. Rivais não deixa de ser um produto bem embalado, como um comercial de TV bem produzido, apelativo e feito com o propósito de provocar sensações variadas. É um filme típico da atual indústria cinematográfica: caprichar no invólucro para que não se pense tanto no conteúdo.  Creio que um dos elementos mais charmosos de Rivais  seja a sua câmera, a valorização da estética do movimento. Encantar pelo olhar, pelo...

O SIGNO DO CAOS (2005) Dir. Rogério Sganzerla

Texto de Marco Fialho O cinema de Sganzerla é um cinema de rupturas e  O signo do caos de certa maneira e por esse viés, pode ser considerado o filme mais radical de Rogério Sganzerla. O seu último filme lançado segue um tendência do diretor em lutar contra o academicismo e a preguiça intelectual encruada no Brasil. Sganzerla volta a Orson Welles e define o seu filme na abertura como anticinema. O signo do caos pode ser considerada ainda como uma anticomédia à grosseria representada pelo ato insano da censura. Mas antes de tudo, o filme é mais um experimento de Sganzerla acerca da ruptura que ele tanto realizou em sua trajetória. O cinema como um espelho do Brasil, como uma peça crítica sobre a nossa cultura. Devorá-la antropofagicamente e pelo popular, sendo fiel ao pensamento oswaldiano. Sganzerla inicia o filme com a apreensão da obra filmada por Welles no Brasil ( It's All True ) por um censor com um nome muito assintomático, Sr. Amnésio, acompanhado por diversos assessores, qu...

DIÁLOGOS COM RUTH DE SOUZA (2022) Dir. Juliana Vicente

Texto de Marco Fialho Há muito tempo que Ruth de Souza, uma das nossas mais importantes atrizes brasileiras, merecia ter um documentário para explorar a riqueza de sua trajetória no cinema, no teatro e na televisão. Ruth foi a primeira atriz negra a ter uma carreira sólida nas artes dramáticas e isso por si só garante a relevância de Diálogos com Ruth de Souza , dirigido por Juliana Vicente.  Se por um lado,  Diálogos com Ruth de Souza  é um filme obrigatório, cabe também assinalar o quanto ele também é   irregular em sua construção, em especial pela montagem que não consegue costurar uma bela história. Um dos elementos que mais atrapalha o ritmo são as imagens ficcionais realizadas pela diretora, que por serem muito imprecisas pouco acrescentam aos depoimentos e imagens de arquivos. Essas imagens impedem sistematicamente o envolvimento do público com as histórias relevantes de Ruth de Souza. Outro elemento que dificulta a atenção do espectador, é a pouca fluência en...

A FILHA DO PALHAÇO (2022) Dir. Pedro Diógenes

Texto de Marco Fialho A Filha do Palhaço , novo filme do cearense Pedro Diógenes, um egresso do criativo ajuntamento cinematográfico Alumbramento, reafirma a temática interpessoal como a mais forte de sua recente filmografia solo. A busca por uma narrativa terna marca uma abordagem que antevê as relações humanas dentro de um espectro contemporâneo marcado pela diversidade de gêneros.  Pai e filha estão no centro da narrativa e da mise-en-scène de A Filha do Palhaço , Joana (Lis Sutter) e Renato (Démick Lopes). Pedro Diógenes constrói um filme sobre a aproximação desses dois personagens que anseiam resgatar um tempo perdido pela ausência forçada pelos caminhos imprevisíveis e tortuosos da vida. Na reconexão entre pai e filha está a beleza de uma narrativa fluente que Diógenes impõe ao seu filme. Como já havia feito em Inferninho (2019), Diógenes faz uso de uma fotografia que por vários momentos é impregnada por um universo que beira o onírico e muito realiza isso por meio de Silvane...