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PLANETA DOS MACACOS: O REINADO (2024) Dir. Wes Ball


Texto de Marco Fialho

Planeta dos Macacos: O Reinado é um dos melhores filmes, senão o melhor, da nova fase dessa franquia que sempre rende bons trabalhos. A trama revela muitas camadas e discussões interessantes acerca das relações sociais construídas historicamente pelos homens, tendo aqui os macacos como seres modificados geneticamente pelos humanos, o que lhes garantiu adquirir fala, mais inteligência e maior habilidade motora em um mundo distópico, totalmente destruído pelos humanos e dominado pelos macacos.      

O filme se passa a muitas gerações à frente de Cesar, um líder mitológico desconhecido por muitos no presente, já que os macacos vivem dispersos, divididos por tribos, cada qual com uma organização própria. Noa (Owen Teague) é um macaco que vive com a Tribo das Águias, comunidade de chimpanzés que vive alienada do que acontece após um túnel que leva para um mundo proibido, que eles acreditam ser habitado pelos Ecos (que é como eles chamam os humanos). Mas o grande barato é que esse outro mundo não é exatamente como eles pensavam, aliás, tudo é bem diferente e ele descobre isso da pior maneira possível, com a destruição de sua tribo pela invasão dos gorilas.  

Planeta dos Macacos: O Reinado até tem ação, mas creio que o seu ponto forte é a discussão filosófica que ele encampa e insere no enredo. Há uma atenção muito grande às relações e as conversas entre os personagens. Discussões que abordam o tema relacional entre homens e macacos; de macacos entre macacos; ou ainda, entre homens e homens. Todas essas discussões são centrais no filme, na verdade, conduzem o enredo. O diretor Wes Ball sabe explorar os closes que destacam os olhares quase sempre desconfiados ou atônitos com descobertas surpreendentes para os personagens. A maioria dos personagens são de macacos. Apenas dois humanos realmente se constituem como personagens. Não podemos esquecer que o mundo está sob o domínio dos macacos, os homens ou vivem como selvagens mudos, ou estão escondidos, tentando arrumar uma forma de reverter o poder dos macacos.

Entre os macacos existe nitidamente uma hierarquização: Os gorilas são militarizados e violentos, além de propensos a controlar o poder político e subordinar tanto os humanos quanto os outros macacos; ainda tem os chimpanzés, que na história vivem isolados numa floresta; os orangotangos, aparentemente quase extintos, são representados pelo melhor personagem do filme, o velho Raka (Peter Macon), que traz consigo a tradição, ou melhor, a história de quem era Cesar, um macaco que acreditava na convivência harmônica e pacífica entre homens e macacos. Há nessa visão de Raka uma certa idealização mitológica, pois coube a ele concentrar uma história que lhe foi transmitida pelos seus antepassados; mas para complementar a tríade dos macacos, temos os gorilas, os que cultuam Proximus Cesar (Kevin Durand) um grande guerreiro que se assume como um novo e ambicioso Cesar. Os gorilas dominam a todos pela força bruta e pela violência e contam como lhes interessa a história de Cesar.

Entre os humanos, somos apresentados a Mae (Freya Allan), uma personagem que aos poucos se destaca como crucial para a trama. Ela é fundamental na ideia de discussão do filme em torno das questões de relação. Wes Ball constrói Mae como uma humana instável, repleta de contradições de caráter. Até as cenas finais, não sabemos realmente quem é Mae, quais as suas verdadeiras intenções quando se junta a Raka e Noa no encalço de Proximus Cesar. Planeta dos Macacos: O Reinado é muito sobre essa relação entre esses três personagens e da possibilidade de construção de uma utopia. Mas antes de viver essa utopia, eles precisam enfrentar Proximus Cesar, o macaco ambicioso que quer controlar os equipamentos (em especial os de guerra) deixados pelos humanos, mas que é fortemente protegido por uma porta muito resistente, que ele insiste em derrubar sem sucesso algum.  

Mas o que Planeta dos Macacos: O Reinado acaba por mostrar é o quanto destrutivo são os apetrechos criados pelas sociedades humanas, sustentadas por uma tecnologia bélica capaz de sempre exterminar e matar a vida no planeta. Inclusive, o mais interessante que o filme cria são as analogias à história humana. De repente, vemos Proximus Cesar como um líder que evoca os feitos heroicos do histórico Cesar realizar rituais de poder amparados por mentiras e manipulações, como se fora um pastor inescrupuloso a recontar a história de Jesus para usufruir de poder e riqueza retirando dos que tem menos para dar.  

O que mais me encantou em Planeta dos Macacos: O Reinado foi como o chimpanzé Noa enfrenta Proximus Cesar se utilizando de poderes tradicionais e de uma aliança conquistada por uma relação de cuidado com as águias, exemplarmente bem construída na primeira parte do filme. É exatamente uma relação afetiva que destrói a ambição desenfreada de Proximus Cesar e isso carrega sim uma beleza. Planeta dos Macacos: O Reinado pode até ser um filme épico que volta e meia segura a narrativa pela ação e pela contundência musical a impulsionar os feitos e as aventuras que a história conta (afinal essa é a natureza desse tipo de obra), mas não se esquece de sublinhar que possui personagens fortes, bem delineados, com motivações bem construídas, e que esses devem ser os maiores sustentáculos de uma narrativa. Sem esquecer da importância de se ter momentos com menos ação, porém reservados para que personagens possam conversar, trocar olhares e firmarem parcerias e entendimentos. Um primor de personagem como Raka é utilizado como um elo entre uma história do passado e um futuro possível de se almejar. Sua trajetória na história é relativamente curta, embora crucial para o desenvolvimento dos outros personagens.     

Planeta dos Macacos: O Reinado mostra que até mesmo um blockbuster pode sim respeitar a inteligência do público e até provocá-lo a pensar sobre coexistência pacífica entre as espécies, da importância da história e da memória, da força que uma tradição pode ter para uma comunidade e o quanto o companheirismo pode sedimentar as relações entre os seres, tudo isso, sem se perder a dimensão que estamos imersos em um entretenimento.           

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