Texto de Marco Fialho
A Estrela Cadente é um filme diferente, não naturalista, dirigido pelo casal Dominique Abel e Fiona Gordon (os mesmos diretores e atores do sucesso Perdidos em Paris), que insere diversas características do teatro do absurdo em sua estrutura dramática, e mais ainda, em sua mise-en-scène. Essas notas diferenciadas dificulta um pouco a digestão de A Estrela Cadente, pelo menos por uma parcela do público pouco afeita aos malabarismos cênicos que essa obra propõe ao trazer em seu bojo interpretações excessivamente teatralizadas, calcadas em intervenções corporais e performáticas dos atores e atrizes, assim como também na acentuada caracterização dos personagens.
Vale salientar que a autoralidade de A Estrela Cadente pode ser notada pelo fato de Dominique Abel e Fiona Gordon, os diretores, serem igualmente ator e atriz nesta obra. Pode-se até dizer que há uma pitada de Aki Kaurismäki na maneira como a direção concebe planos, embora a direção de atores seja muito específica e rapidamente desfaz essa ideia, ou pelo menos a dilui um pouco. Mas há uma melancolia que permeia o todo que de certo modo aproxima o diretor finlandês do casal Dominique e Fiona, talvez algumas ambiências, como a do bar que se torna cenário principal do filme. Pode-se ainda aproximá-los pela fotografia e uso da cor, como o vermelho e o azul bem demarcados nas cenas.
Mas creio que a maior marca estilística do casal de diretores seja mesmo o teatro do absurdo, em especial pela naturalização de situações esquisitas, como um homem com uma prótese de braço ser um matador profissional, o que cria situações inusitadas ao extremo, ou até abre uma impossibilidade do mesmo ser um matador, já que a precisão do tiro não é o seu forte, apenas permite uma brecha para a comicidade das cenas. De uma maneira geral, os movimentos dos corpos chamam bastante atenção, por emprestarem uma artificialidade às cenas, em especial pelos movimentos ritmados e abruptos realizados pelos intérpretes nas tomadas. Dominique e Fiona são perfeitos para a execução da proposta dramatúrgica, pois como diretor e diretora conseguem trazer para as cenas exatamente o que pensaram para os seus personagens. Dominique interpreta dois papéis, um deles como duplo do protagonista, escolhido para ser morto em seu lugar, e vem dele a maioria das cenas mais cômicas do filme.
Evidente que a ideia do absurdo provoca inúmeros momentos cômicos em A Estrela Cadente, embora nem todos hilariantes, a maioria talvez até mais desconcertantes do que realmente engraçados. Mas essa é mesma a proposta do filme, provocar mais sensações do que momentos hilariantes. A Estrela Cadente traz ainda em sua concepção visual e estilística traços da tradição do filme noir, apesar de não abusar tanto das externas e dos pisos brilhantes como consequência imediata de uma noite chuvosa. Uma característica muito própria do teatro do absurdo e que está presente em A Estrela Cadente é a estrutura cíclica da história. Quase todas as cenas acabam retornando para o bar, como elemento cênico originário da dramaturgia, inclusive o final que evoca muito as comédias arrebatadoras da época chapliniana, com a aceleração forçada da cena com o intuito de aumentar a comicidade e artificialidade da mise-en-scène.
O absurdo realmente é uma marca inconfundível de várias sequências do filme, como a que o matador invade a casa dos protagonistas para executar o personagem de Dominique, mas tem um ataque cardíaco e usa o telefone do suposto inimigo para chamar uma ambulância. E o absurdo não termina neste fato, se estende na cena seguinte, quando o enfermeiro chega sozinho (por conta de um corte no orçamento do hospital) para acudi-lo e rola o seu corpo escada abaixo. O inusitado do cotidiano está presente a todo momento, sempre numa representação física e não realista dele.
Se o espectador não estiver bem sintonizado com a proposta dramatúrgica de A Estrela Cadente, fatalmente vai considerar a obra simplesmente amalucada, sem sentido e tola. É necessário a aceitação do estilo cômico para haver um envolvimento com a trama. O meu maior senão para o filme é que o elemento a detonar a ação é o político, mas ele é abandonado por uma ação que enfatiza a crítica comportamental ao invés da política. A quase completa despolitização do enredo político confesso que me incomoda, já que é uma tendência de um cinema atual, vide Guerra Civil, que recentemente conseguiu desenvolver uma trama de suspense e ação dentro de uma história política completamente despolitizada.
A Estrela Cadente, mesmo que frustre pela abordagem por demais generalista e por não conseguir extrair uma crítica política potente, ficando muito presa nas irregularidades de esquetes advindas da própria encenação absurda, ainda sim possui momentos engraçados e bem encenados, mesmo que ao final o esvaziamento político da trama enfraqueça a proposta, já que o maior traço do teatro do absurdo é o de trabalhar uma ideia vinda do cotidiano para revelar nele as suas contradições, os elementos que nos são obliterados por um status quo pretensamente conservador. Apesar de ser louvável o aparecimento de um filme com esses traços estéticos (lembro do quanto me impactou a comédia sueca Um pombo pousou num galho refletindo sobre a existência, de Roy Anderson há quase 10 anos atrás) senti falta em A Estrela Cadente de um maior desenvolvimento do eixo principal da ação, que fica sempre muito solta e não potencializa tanto as cenas cômicas como poderia.
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