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SEUS OSSOS E SEUS OLHOS (2019) Dir. Caetano Gotardo


O corpo como texto

Texto de Marco Fialho

Uma primeira observação a fazer acerca do surpreendente "Seus ossos e seus olhos" é que ele se mostra como um filme que coloca a própria narrativa como protagonista. Mas não só. Além das palavras que costuram essa narrativa, os corpos também estão ali atravessando tudo que é dito. 

Há um repetição narrativa, mas ela não consubstancia tudo que vemos e ouvimos. Os gestos dos corpos também se repetem em movimentos como se eles buscassem se ajustar no mundo e isso fica evidente logo na segunda cena do filme, onde o corpo inquieto do personagem vivido pelo próprio diretor se enrosca pelo chão, numa tentativa ansiosa de se conformar ao espaço. 


O diretor Caetano Gotardo constrói uma obra sofisticada, muito atenta aos detalhes, tanto no texto falado quanto no texto corporal que descortinam como uma espécie de fabulação, embasada numa memória muitas vezes imprecisa. Não à toa a nomeação das coisas e dos fatos assumem um papel fundamental nesse sensível e belo filme. E perguntas como: quais impactos podem as imagens nos causar? Em uma cena em que dois personagens visitam o museu e rememoram o que aquela imagem representa para eles, somos levados a refletir como os corpos estão em constante transformação. 

O visível e o invisível, o audível e o inaudível se fazem presentes e Caetano parece nos dizer que os corpos conversam, dançam e dialogam permanentemente com o mundo para além das representações que comumente se fazem deles, nos entregando uma integralidade e uma intensidade corporal poucas vezes vista no cinema.



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