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TERRUÁ PARÁ (2022) Dir. Jorane Castro

 

O som da floresta e o urbano eletrônico 

Texto de Marco Fialho

Em Terruá Pará, a diretora Jorane Castro traz a essência da música que é produzida por neste potente Estado do Norte e vai resgatar os sons do lugar das profundezas da terra, dos rios e do céu amazônicos. Não casualmente ela começa seu filme no interior da floresta amazônica, deixando que os sons mais recônditos invadam a tela e criando com o espectador uma empatia espontânea. 

No filme, vemos e ouvimos tudo extasiados, pois a multiplicidade da música realizada no Pará começa nos seus caudalosos rios e vão parar (com a licença do trocadilho) em um caldo, uma mistura insólita sem igual no país. Jorane vai aos poucos costurando os elementos naturais e culturais que sedimentam uma música que está sempre em eterno movimento, que não para de se misturar, que jamais se estagna. Assim, alguns artistas como Jaloo, Manoel Cordeiro, Dona Onete, Keila, Toni Brasil, Léo Chermont vão discursando e performando em lugares onde as suas músicas fazem sentido. 

Interessante como Jorane começa no interior da floresta para depois colocar sua câmera virada para uma Belém urbana a princípio longínqua, vista apenas ao fundo e isso não ocorre uma vez, se repete como se a diretora quisesse nos dizer que esse movimento tem uma origem, que o seu deslocamento se deu da floresta para o centro urbano e que a música ouvida hoje em Belém, seja no Centro, ou nas periferias, possui ecos vigorosos da floresta. 

Jorane costura e celebra tradições híbridas, do balanço e colorido do boi bumbá, passando pela ladainha de São Benedito e pela missa em latim cabocla até chegar no fenômeno das guitarradas, do tecnobrega, da tecnoguitarrada e dos surpreendentes aparelhos. Como diz o músico Léo Chermont, as coisas eletrônicas já estão incorporadas à tradição, já são nossas. O que guia tudo é o movimento, a dança, o corpo como escritura cultural. A riqueza aqui é tão caudalosa quanto os mananciais dos rios e da chuva amazônica (fenômeno presente no filme e que quem já presenciou sabe o que é). De alguma maneira tá tudo ali, a mistura afro, indígena, caribenha, das Guianas, do eletrônico, do brega e do que mais vier. É como diz a carismática cantora Keila que tudo é um misto de autenticidade, energia e tristeza. 

Se Vinícius de Moraes dizia que o samba carioca é a tristeza que balança, imagina a música paraense onde o movimento está na essência de tudo e o corpo combina instrumento e ancestralidade. Se o Brasil do Sudeste se fechou a tudo isso problema dele, agora aguente e receba essa potente tromba d'água nas fuças, mesmo sem continuar a entender de onde veio tanta riqueza e informação musical de uma só região. 

Ao final, o documentário de Jorane Castro nos faz querer mais, conhecer muito mais, nos faz querer comprar uma passagem aérea e ir direto para o Pará conhecer de perto todo esse manancial cultural inesgotável e rico. 

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