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LOLA PATER - Direção de Nadir Moknèche



O desperdício de uma atriz fora-de-série


Crítica de Marco Fialho

A primeira referência que nos remete o filme “Lola Pater” é a do espanhol Pedro Almodóvar. Um filho em busca de um pai que ele pouco conviveu na infância, que abandonou o casamento para mudar de sexo e casar com uma lésbica. Parece mesmo, mas as semelhanças param por aí. O tom adotado pelo diretor Nadir Moknèche é bem mais sereno, um drama delicado e terno sobre relações familiares incomuns.


O grande trunfo de “Lola Pater”, sem dúvida, é o talento de uma das grandes damas do cinema francês, Fanny Ardant, que faz a personagem-título. O desafio desse papel salta aos olhos, pois representar uma mulher que já foi homem não é uma tarefa fácil, mesmo para uma atriz de primeira grandeza, musa de tantos clássicos como “A Mulher ao Lado” (Truffaut) e “A Família” (Ettore Scolla). Justamente são os traços masculinos a maior dificuldade de dar vida a essa complexa Lola, e Fanny consegue edificar esse personagem com todas as nuances possíveis, se valendo de sutilezas reveladoras. Podemos dizer que Fanny leva o filme nas costas.


A abordagem de Nadir Moknèche é de uma simplicidade sofisticada, não existe nenhuma cena ousada. A trilha musical acompanha de forma competente a sobriedade da narrativa. O que predomina é o lirismo, até a metade do filme a construção das cenas é toda engajada na descoberta sobre a identidade do pai; já a segunda metade desenha-se em torno da necessidade de um aprendizado de todos os personagens perante a nova situação colocada pela vida.


Há na segunda metade um desnível em relação a primeira parte do filme. O final da primeira parte estabelece um conflito, o da aceitação do filho pelo pai, afinal é aceitável o estranhamento quando se revela a nova identidade em contraste com a imagem anterior da sua figura paterna. Só que infelizmente as situações provocadas pelo roteiro para a aproximação de pai e filho soam forçadas por demais.


Ao provocar uma tentativa de suicídio, o personagem perde muito de sua potência. Afinal, um suicídio não significa uma crise de identidade? Ou a revelação de uma grave insatisfação com a vida? Se a tentativa de se encerrar uma vida é extrema, como fica esse personagem afinal? Uma reconciliação entre pai e filho, nesse contexto de suicídio enfraquece por demais a obra. Se pelo menos o pretexto para essa aproximação fosse uma doença, ainda sim o final continuaria comprometido, já que uma boa dose de pieguice continuaria imperando, mas garantiria ao personagem uma magnanimidade e tudo ficaria menos desastroso e contraditório, pois não envolveria uma crise psíquica. Acredito que tanto Lola quanto Fanny Ardant não merecia um desfecho tão desleixado, preguiçoso e simplório por parte do diretor.

A impressão que fica é que Almodóvar, inspiração mór desse filme, tristemente concordaria com minhas conclusões acerca do desenlace decepcionante de “Lola Pater”’.

Visto no Estação Net Rio 3, no dia 29/11/2017

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