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Mostrando postagens de junho, 2025

O GRANDE GOLPE DO LESTE (2024) Dir. Natja Brunckhorst

Texto por Marco Fialho O Grande Golpe do Leste , filme alemão dirigido por Natja Brunckhorst, me lembrou muito a divertida comédia A Parte dos Anjos (2012), do veterano Ken Loach, em especial o espírito rebelde que toma partido da união da classe trabalhadora frente o caos de viver em regimes opressores, independente da ideologia de quem está no poder.  Em O Grande Golpe do Leste , a diretora constrói uma trama fictícia baseada em uma história real, acontecida com um grupo de trabalhadores de um pequeno bairro metalúrgico fabril logo depois da derrubada do Muro de Berlim em 1989. Tudo inicia com a descoberta por esse grupo de um bunker do extinto governo da Alemanha Oriental, onde se guardava as notas de dinheiro recolhidas para a implantação do marco como nova moeda oficial que passa a valer também na parte oriental do país. Natja Brunckhorst realiza tudo com imensa leveza e faz as quase duas horas do filme deslizarem a nossa frente. O melhor de O Grande Golpe do Leste reside no f...

EROS (2024) Dir. Rachel Daisy Ellis

Texto por Marco Fialho Eros , filme pernambucano dirigido por Rachel Daisy Ellis, pode ter muitos atrativos e curiosidades, afinal, o instinto humano de saber o que acontece na intimidade alheia pode ser alvo de muita gente por aí. Mas será que o que vemos em Eros é realmente intimidade? Creio que não e vou partilhar porque não considero possível filmar a intimidade nas condições em que o documentário foi realizado.  Durante boa parte de Eros me reportei ao mestre Eduardo Coutinho e sua máxima de que qualquer pessoa defronte a uma câmera ligada se transforma de imediato e passa a performar, assim como é capaz de reinventar a história da sua vida. Sendo assim, como filmar a intimidade partindo desse viés levantado por Coutinho? A proposta de Ellis de fazer as pessoas se filmarem parte de uma premissa em que teremos de tudo ali filmado, menos a intimidade das relações. Aqui até o explícito parece falso, encenado porque claramente encenado para a câmera. A ideia de adentrar nas entran...

PREDIO VAZIO (2024) Dir. Rodrigo Aragão

Texto por Marco Fialho Rodrigo Aragão tem uma das trajetórias mais interessantes dos cinema brasileiro de gênero do século XXI. Seu trabalho pode ser considerado como herdeiro de José Mojica Marins, nome que despontou como pioneiro lá pelos idos dos anos 1960 e que filmou quase até à sua morte em 2020. Juliana Rojas, Marco Dutra e Aragão formam a tríade do terror realizado hoje no Brasil, mas talvez seja Aragão, o nome que menos investiu no terror psicológico e mais no terror trash e no gore , o que justifica ele trazer mais explicitamente o legado de Mojica, mesmo que Aragão parta de premissas bem diferentes das filmadas pelo mestre.  A carreira de Rodrigo Aragão foi consolidada no Espírito Santo onde mesmo sem ter recursos financeiros realizou seus filmes como dava. Desde o destemido Mangue Negro (2008), Aragão vem produzindo seus filme de baixo orçamento, preenchendo lacunas históricas do nosso cinema e inéditas, como a introdução de zumbis numa trama fantástica aqui no Brasil....

SEGREDOS (2024) Dir. Daniele Luchetti

Texto por Marco Fialho Depois de ser o cinema mais vigoroso por algumas décadas seguidas, desde os anos 1940 com o neorrealismo e todos os desdobramentos posteriores, que culminou em obras-primas de Fellini, Antonioni, Visconti, Rossellini, De Sica, Pasolini, Leone, apenas para citar alguns, o cinema italiano ressurgiu nos anos 2000 com Garrone, Sorrentino, Crialese. Curiosamente, a geração do diretor Daniele Luchetti está fora desses dois grandes momentos, já que começa a filmar nos anos 1980 e se firma no cenário cinematográfico em 1990, com uma ótima comédia chamada Volere, Volare (1991).  O que Luchetti faz hoje com extrema categoria é surfar no chamado risorgimento italiano . Agora, com Segredos isso fica muito evidente. Segredos vem para figurar em um dos melhores filmes lançados em 2025, pois sobra em vigor, interpretação, roteiro e concepção imagética e sonora. Há camadas e mais camadas que podem ser saboreadas e destacadas durante a sua projeção, uma riqueza de significado...

AINDA NÃO É AMANHÃ (2024) Dir. Milena Times

Texto por Marco Fialho O início de Ainda Não é Amanhã nos induz a acreditar que este filme será sobre jovens e diversão, quando vemos jovens dançando e se amando no ímpeto da euforia de viver. Mas logo descobrimos que este é um filme sobre o cotidiano de Janaína (Mayara Santos), uma menina que mora em um conjunto habitacional na periferia de Recife, que estuda direito enquanto a mãe e a irmã trabalham para manter a casa.  A construção narrativa de Ainda Não é Amanhã é simples ao acompanhar os dramas cotidianos de Janaína, as dificuldades de ser a primeira de sua família a chegar na Universidade e a sonhar com um futuro mais confortável financeiramente. A concepção realista se afirma cena a cena, com o intuito de fazer um retrato da vida dessa menina que luta para viver sua juventude (especialmente com seu namorado), estudante aplicada e que sonha em melhorar o nível econômico e social da família. E aqui não é uma família qualquer, mas uma família de mulheres, que precisa sobreviver...

OH, CANADA (2024) Dir. Paul Schrader

Texto por Marco Fialho Paul Schrader se consagrou como roteirista de duas obras-primas de Martin Scorsese: Taxi Driver (1976) e Touro Indomável (1980), mas se dedicou em paralelo a dirigir filmes. O seu mais recente trabalho, Oh, Canada  vem se somar a uma profusão de obras que vem realizando ultimamente, como O Contador de Cartas (2021),  Jardim dos Desejos (2022) e Fé Corrompida (2017), esse último o seu trabalho mais consistente.  Oh, Canada  dificilmente agradará ao grande público, mesmo que no elenco tenha atores e atrizes consagrados como Richard Gere (que marca um reencontro do ator com o diretor depois de  Gigolô Americano ), Uma Thurman e Jacob Elordi, especial por sua narrativa predominantemente confusa que apresenta, que pouco ajuda a elucidar ou aprofundar a trama proposta. Ficamos sempre com a impressão de que os fatos escorrem de nossas mãos ou eles simplesmente carecem de maior coesão.  Paul Schrader é tanto um roteirista quanto diretor ...

JUNE E JOHN (2025) Dir, Luc Besson

Texto por Marco Fialho Há muito tempo que Luc Besson não é mais aquele cineasta que se espera ansioso pelo seu próximo filme. A sua maior preocupação hoje parece ser mais com o faturamento do que com a realização em si. Vi  June e John dessa maneira, como um produto apelativo emocionalmente, que inicialmente se inspira em um sentimento de revolta contra o sistema, mas cujo resultado não só passa ao largo da transformação desse sistema como o vê como uma instância superior, imbatível e inalterável.  Logo nas primeiras cenas e sequências vemos John (Luke Stanton Eddy) sendo massacrado pelo sistema, tomando substâncias psicotrópicas para conseguir aturar o seu cotidiano de pressões, que exige altos rendimentos e uma tenaz disciplina com horários e afazeres. Justamente nesse momento de desespero perante à vida, ele cruza lepidamente com June (Matilda Price), uma jovem que parece de outro mundo, uma promessa de frescor e recomeço radical pelo caminho da felicidade.   ...