Texto por Marco Fialho
Depois de ser o cinema mais vigoroso por algumas décadas seguidas, desde os anos 1940 com o neorrealismo e todos os desdobramentos posteriores, que culminou em obras-primas de Fellini, Antonioni, Visconti, Rossellini, De Sica, Pasolini, Leone, apenas para citar alguns, o cinema italiano ressurgiu nos anos 2000 com Garrone, Sorrentino, Crialese. Curiosamente, a geração do diretor Daniele Luchetti está fora desses dois grandes momentos, já que começa a filmar nos anos 1980 e se firma no cenário cinematográfico em 1990, com uma ótima comédia chamada Volere, Volare (1991).
O que Luchetti faz hoje com extrema categoria é surfar no chamado risorgimento italiano. Agora, com Segredos isso fica muito evidente. Segredos vem para figurar em um dos melhores filmes lançados em 2025, pois sobra em vigor, interpretação, roteiro e concepção imagética e sonora. Há camadas e mais camadas que podem ser saboreadas e destacadas durante a sua projeção, uma riqueza de significados e simbolismos muito bem arquitetados e realizados por Luchetti, que se mostra um diretor amadurecido e com pleno domínio do ofício da direção.
Segredos consolida a terceira parceria de Daniele Luchetti com o escritor Domenico Starnone ao discutir uma complexa discussão sobre o amor, dolorida como só as boas histórias de amor conseguem ser, mas ao mesmo tempo sem perder o encanto. Vale salientar como Luchetti trabalha com o suspense dentro do drama e também é precioso como ele tempera seu filme com uma pitada sutil e ardida de terror. É incrível como Luchetti dialoga com os cineastas italianos, sabendo construir a trama como somente um diretor italiano poderia edificar, em especial como ele costura a relação central entre Pietro (Elio Germano, simplesmente extraordinário) e Teresa (Federica Rossellini, uma atriz para se acompanhar com toda a atenção), com nuances psicológicas expostas a cada nova cena.
O grande mérito de Luchetti é saber trabalhar e aprofundar as relações pessoais e profissionais dos dois protagonistas. O filme caminha entre uma história de amor (partido da ideia aterrorizante de que uma história de amor jamais se encerra) e a ascensão profissional, com suas imbricações e sentimentos controversos em relação ao reconhecimento, confiança, poder e amor. Desde o início existe uma perspectiva do poder entrelaçada com a possibilidade do amor e numa cena Teresa afirma que Pietro exerce poder sobre ela por seu ex-professor e jogar com o status de superioridade que tinha na sociedade.
Mas Teresa é uma personagem riquíssima de sentidos e possibilidades e a construção de Federica Rossellini não permite que a elucidemos por inteiro. O mistério será uma arma preciosa para nos envolver com Teresa. E o título original (Confidenza) não poderia ser melhor, porque a palavra em italiano pode ser compreendida apenas após a análise do contexto em que foi empregada. Assim, o título em português limita uma compreensão mais precisa, pois o significado pode ser de confidencialidade, confiança, segredo ou intimidade, ou quem sabe ele expresse todas essas possibilidades semânticas, pois é a partir de uma troca confidencial entre os protagonistas que se instaura na trama uma tensão e o mais curioso é que jamais saberemos qual o segredo cabeludo que Pietro contou para Teresa, embora os contínuos pensamentos perturbadores dele nos deixe prever o quão pesado esse segredo era.
Daniele Luchetti sabe jogar com o elemento onírico dentro da trama, apesar de que a definição mais apropriada seja pesadelo e não sonho. Pietro vive atormentado e a fotografia nada solar de Ivan Casalgrandi reflete bem a obscuridade e os tormentos de Pietro e Teresa. Vale salientar o quanto isso entra em choque com esse professor tão festejado pelos alunos e que fica famoso por sua teoria chamada "pedagogia dos afetos". Há até um ardil nisso tudo, pois são os afetos que o levará ao calvário e a viver sobressaltado pelas sombras da revelação de um segredo que o tornou escravo da eterna suspeita de ser um dia descoberto. Nada expressa mais esse lado emocional do que a trilha sonora de Thom Yorke, que instaura constamente a estranheza no ambiente das cenas.
Como já disse anteriormente, o desenvolvimento dos personagens são o maior atributo de Segredos. Pungente como cada um tem um peso na trama e sabe acrescer a ela uma matiz a mais. Fora os dois protagonistas, um professor de literatura e outra uma matemática de destaque, existem outros que são ótimos, como Nadia (Vittoria Puccini), a esposa melancólica que foi professora de Teresa e que desiste de continuar na carreira; ou Tilde (Isabella Ferrari) do ministério da educação, que tem uma estranha relação de proximidade e íntima com Pietro.
Segredos pode ser visto como mais um filme a selar o bom momento do cinema italiano atual e mostra como uma escola tão importante é fundamental para uma retomada de rumo quando tudo parecia está perdido. É sempre bom ver um filme que sabe usar e se relacionar simbolicamente com a imagem e ainda tem interpretações que valorizam a encenação. Daniele Luchetti realiza uma obra de grande expressividade cinematográfica, capaz de levantar tantos questionamentos sobre sentimentos que se relacionam com qualquer pessoa que transita pelo mundo.
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