Texto por Marco Fialho
Paul Schrader se consagrou como roteirista de duas obras-primas de Martin Scorsese: Taxi Driver (1976) e Touro Indomável (1980), mas se dedicou em paralelo a dirigir filmes. O seu mais recente trabalho, Oh, Canada vem se somar a uma profusão de obras que vem realizando ultimamente, como O Contador de Cartas (2021), Jardim dos Desejos (2022) e Fé Corrompida (2017), esse último o seu trabalho mais consistente.
Oh, Canada dificilmente agradará ao grande público, mesmo que no elenco tenha atores e atrizes consagrados como Richard Gere (que marca um reencontro do ator com o diretor depois de Gigolô Americano), Uma Thurman e Jacob Elordi, especial por sua narrativa predominantemente confusa que apresenta, que pouco ajuda a elucidar ou aprofundar a trama proposta. Ficamos sempre com a impressão de que os fatos escorrem de nossas mãos ou eles simplesmente carecem de maior coesão.
Paul Schrader é tanto um roteirista quanto diretor experiente para permitir que Oh, Canada seja assim tão fragmentado e confuso. Por isso o filme não é sobre exatamente o personagem de Leonard Fife (Richard Gere), mas sim sobre como funciona uma mente tomada por um fim dilacerante e ansiosa por reconstituir fatos passados que no presente estão fora de ordem. Tanto que no começo do filme tudo parece mais coeso do que do meio em diante, pois a doença ainda não afetava tanto o protagonista.
Oh, Canada é sobre esta desintegração da memória e o seu caos narrativo está ali para se somar, não para explicar o personagem. A desestruturação e a desorientação são as grandes marcas dessa obra que aos poucos vai se fragmentando aos nossos olhos, como uma memória em frangalhos sendo expostas na nossa frente. De certa forma, há uma dose de coragem de Schrader em assumir na narrativa esse turbilhão caótico de um ser que se vai cena a cena se desmanchando por uma doença terminal.
A própria fotografia ora colorida e ora em preto e branco se alterna sem muita coerência, o que também explicita a perturbação de Leonard Fife. Tanto é que o próprio personagem aparece nos anos 1960 e 1970 interpretado tanto por Jacob Elordi quanto por Richard Gere, em uma transferência corporal inusitada do velho corpo para a idade jovem, que deixa entender que é mais um sinal da confusão mental do protagonista.
O personagem mesmo diz que começará a sua história do começo, isto é, dos anos 1968, mas logo vai embaralhando os fatos, os tirando de ordem e quiçá reinventando o passado. Muitos podem ver Oh, Canada como uma experiência narrativa desastrosa de Paul Schrader, porém, prefiro enxergar essa obra como um retrato cruel de um homem que fez grandes filmes, desertou da Guerra do Vietnam, abandonou o primeiro casamento para viver uma outra história. E como um homem que não consegue refazer de maneira consistente a sua própria história. Se por um lado, a memória pode ser um aliado de peso (e de tabela o cinema, que pode, ou se pretende, ser um poderoso guardião dela), por outro, pode também representar um sinal cruel da mortalidade humana.
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