Texto por Marco Fialho
Há muito tempo que Luc Besson não é mais aquele cineasta que se espera ansioso pelo seu próximo filme. A sua maior preocupação hoje parece ser mais com o faturamento do que com a realização em si. Vi June e John dessa maneira, como um produto apelativo emocionalmente, que inicialmente se inspira em um sentimento de revolta contra o sistema, mas cujo resultado não só passa ao largo da transformação desse sistema como o vê como uma instância superior, imbatível e inalterável.
Logo nas primeiras cenas e sequências vemos John (Luke Stanton Eddy) sendo massacrado pelo sistema, tomando substâncias psicotrópicas para conseguir aturar o seu cotidiano de pressões, que exige altos rendimentos e uma tenaz disciplina com horários e afazeres. Justamente nesse momento de desespero perante à vida, ele cruza lepidamente com June (Matilda Price), uma jovem que parece de outro mundo, uma promessa de frescor e recomeço radical pelo caminho da felicidade.
O curioso é que enquanto June e John partem para uma vida de riscos e aventuras, nota-se a ausência da família de ambos, por mais que a mãe de John fale com ele persistentemente pelo celular, sem jamais aparecer presencialmente para o filho. Essa ausência marca o esfacelamento da instituição família em um mundo onde o mercado se assume como a organização social central, que dita as prioridades das agendas pessoais. Vive-se para o mercado e o filme de Besson está a falar desse mundo comandado por corporações cujo modelo de vida é marcado pela impessoalidade, pela falta de coleguismo e empatia.
Quando John sai de casa, o que ele vê pelas ruas são pessoas vivendo em barracas de camping e policiais perseguindo pequenos larápios, em um sistema de vigilância que garante a propriedade dos mais ricos e pouco se importa com os mais pobres. June e John se passa em Los Angeles, a meca da indústria do cinema, onde se vive o abissal contraste entre as mansões luxuosas e a pobreza das ruas. Vemos o sonho de uns e o pesadelo de tantos outros em um piscar de olhos.
Mas se pensarmos June e John do ponto de vista de construção cinematográfica, não é difícil vê-lo como um punhado de referências explícitas de filmes que fizeram grande sucesso no passado, e vou citar apenas dois que me parecem mais evidentes: Depois de Horas (1985), clássico de Martin Scorsese; e Thelma & Louise (1991), o famoso e libertário road movie de Ridley Scott. Inclusive, se pensarmos na sinopse do filme de Scorsese, ela é a mesma de June e John, com a diferença dos nomes dos personagens. Já a parte de duas pessoas comuns inseridas no sistema, mas que resolvem enfrentá-lo numa fuga sem viagem de volta, muito se assemelha com Thelma e Louise, inclusive na cena final eu fiquei esperando o carro saltando numa pirambeira, ainda mais que um dos grandes sonhos de June era voar, mas creio que bateu um mínimo de vergonha em Besson que o impediu de emular essa cena icônica de Ridley Scott.
Um dos bons momentos do filme é o do primeiro encontro entre June e John, que muito me lembrou a canção Sinal Fechado (1970), de Paulinho da Viola, que narra o encontro desencontrado de dois amigos em um sinal de trânsito. Luc Besson, que apareceu em 1985, com Subway, filme que se passa nos subterrâneos de uma estação de metrô de Paris, reedita em June e John uma história de amor em vagões do metrô de Los Angeles. A delicadeza, e a até a simplicidade e profundidade da cena, é marcante e diz mais sobre John e June do que mil diálogos que ocorrem em cenas que Besson realiza depois. Para mim, o filme meio que termina ali, naquela troca de sentimentos e confere um sentido que depois se perde no desenvolvimento do restante da trama.
Mas porque afirmamos que June e John se perde logo após a essa cena? O primeiro bloco do filme mostra o massacre sofrido por John pelo sistema: seu chefe opressor e controlador; a farsa da impessoalidade do seguro do carro; a miséria crescendo na cidade sob os seus olhos; e tantas outras frustrações, que causam uma sensação de desamparo e solidão. Quando ele conhece June tudo se modifica, ela é a porta-voz da coragem de mandar tudo para o espaço. Se o ator Luke Stanton Eddy apesar do empenho mostra mais do mesmo como John, a atriz Matilda Price monta uma June com cores imprevisíveis, carisma e muita graça, que permitem que o filme fique de pé até o final.
Mas a questão complicada é que o dinheiro que eles conseguem a partir de roubos vem diretamente da máquina do sistema, mas esses recursos financeiros em nada oneram o sistema nem são capazes de minar, nem sequer de abalar suas estruturas. O que vemos então é a força desse sistema, que se analisarmos friamente, sai vitorioso ao encurralar e impedir que essas almas revoltosas consigam subverter o seu funcionamento. Besson acredita no clássico modelo de heroísmo pra lá de banalizado e propalado pela indústria hollywoodiana, e promove mais uma peça calcada no individualismo desesperado e improdutivo (apesar de justo), de se acreditar que uma andorinha (ou duas) pode fazer verão.
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