Texto por Marco Fialho
Eros, filme pernambucano dirigido por Rachel Daisy Ellis, pode ter muitos atrativos e curiosidades, afinal, o instinto humano de saber o que acontece na intimidade alheia pode ser alvo de muita gente por aí. Mas será que o que vemos em Eros é realmente intimidade? Creio que não e vou partilhar porque não considero possível filmar a intimidade nas condições em que o documentário foi realizado.
Durante boa parte de Eros me reportei ao mestre Eduardo Coutinho e sua máxima de que qualquer pessoa defronte a uma câmera ligada se transforma de imediato e passa a performar, assim como é capaz de reinventar a história da sua vida. Sendo assim, como filmar a intimidade partindo desse viés levantado por Coutinho? A proposta de Ellis de fazer as pessoas se filmarem parte de uma premissa em que teremos de tudo ali filmado, menos a intimidade das relações. Aqui até o explícito parece falso, encenado porque claramente encenado para a câmera. A ideia de adentrar nas entranhas de uma instituição muito frequentada, mas pouco conhecida, creio não ter sido realizada da maneira mais interessante ou reveladora como pretendida.
Por isso, dentre as 10 sequências filmadas, a que mais me agradou foi a última, a de Lois de Basquiat, que escancarou a prática da performance. Ele foi o único verdadeiro, o mais cônscio de seu papel no documentário sobre motéis. Mais uma vez repito: a intimidade é algo impossível de ser filmada. Só é possível flagrar a intimidade sendo um ladrão, isto é, escondendo uma câmera e deixar rolar a vida entre quatro paredes, seja ela em um quarto, uma sala, cozinha, banheiro ou mesmo um motel. Claro que a intimidade que Ellis fala é a sexual, a que acontece na hora em que as pessoas abrem sua intimidade para um outro.
O filme mostra o número de situações e de motéis bem variáveis, claro que sem a preocupação de ter que exaurir o todo. Mas tem casais que curtem BDSM (abreviação de Bondage, Disciplina, Dominação e Submissão), casais evangélicos (talvez a parte mais divertida pelas explicações de porque frequentavam os motéis), homens contratando garotas de programa (para mim a parte mais enfadonha, o cara era um chato de carteirinha) e tipos de motéis como um que tem um tipo de caverna. Creio que essas seriam a parte mais interessante do ponto de vista antropológico a ser mostrado, mas que às vezes era prejudicado por um som claudicante de quem estava fazendo as imagens.
Vejo muitos jornalistas e críticos ressaltando o valor de Eros por trazer para cena não só os casais héteros, mas igualmente retratar pessoas mais velhas, corpos nada padronizados, corpos trans e gays no documentário, além de ser legítima a bronca do casal gay que não consegue ver filmes voltados para as suas vivências sexuais, já que os motéis só assinam canais contendo transas com casais héteros. Sim, esses são pontos que devem ser salientados como positivos, embora nada disso mude os pressupostos iniciais do trabalho, o da impossibilidade de se falar da intimidade (seja ela qual for) quando se tem consciência da existência de uma câmera ligada. Claro que na sequência em que vemos uma filmagem de um filme pornô isso não faz diferença, já que a performance ali faz parte do trabalho desses atores.
Que Eros vai levar pessoas ao cinema aguçadas pela curiosidade, não resta dúvidas. A maioria pode até supor que saiu da sala de cinema conhecendo um pouco mais da intimidade de alguns casais, mas o que se vê em Eros ao final da projeção é uma pura performance sobre relações, ou seja, algo excessivamente artificial desse universo e não algo que na maioria das vezes soe como genuíno e verdadeiro.
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