Texto por Marco Fialho
Rodrigo Aragão tem uma das trajetórias mais interessantes dos cinema brasileiro de gênero do século XXI. Seu trabalho pode ser considerado como herdeiro de José Mojica Marins, nome que despontou como pioneiro lá pelos idos dos anos 1960 e que filmou quase até à sua morte em 2020. Juliana Rojas, Marco Dutra e Aragão formam a tríade do terror realizado hoje no Brasil, mas talvez seja Aragão, o nome que menos investiu no terror psicológico e mais no terror trash e no gore, o que justifica ele trazer mais explicitamente o legado de Mojica, mesmo que Aragão parta de premissas bem diferentes das filmadas pelo mestre.
A carreira de Rodrigo Aragão foi consolidada no Espírito Santo onde mesmo sem ter recursos financeiros realizou seus filmes como dava. Desde o destemido Mangue Negro (2008), Aragão vem produzindo seus filme de baixo orçamento, preenchendo lacunas históricas do nosso cinema e inéditas, como a introdução de zumbis numa trama fantástica aqui no Brasil. Do ponto de vista de investimentos, o seu mais novo trabalho, Prédio Vazio, é bem mais fornido dos que as obras que o consagraram, apesar de que o aspecto trash da trama esteja devidamente preservado.
O cinema de Aragão sempre preza muito pelo espaço onde a história transcorre e Prédio Vazio não é diferente. O diretor, que também é roteirista do filme, escolhe o município de Guarapari (local onde nasceu e vive até hoje) para narrar a história de um prédio que só é ocupado durante o período das férias escolares, ficando deserto no restante do ano, ou melhor, habitado apenas por Dora (Gilda Nomacce, numa extraordinária e espantosa interpretação) e diversos fantasmas que também dividem com ela o sinistro espaço desse prédio cenográfico especialmente construído para o filme. A exploração imobiliária, uma marca de toda cidade litorânea de veraneio, mote também de outros filmes de Aragão, está presente como um registro canibal de um sistema que tudo faz pelo dinheiro e vai deixando no caminho os fantasmas da destruição das pequenas cidades brasileiras. Assim, Magdalena, nome do edifício que funciona em Prédio Vazio como uma metáfora das contradições de uma Guarapari que é gigantesca durante as férias e Carnaval, mas que é interiorana e subdesenvolvida na maior parte do ano.
Como em um bom filme de terror de Aragão, o local é o maior protagonista da história, enquanto as pessoas apenas pagarão o preço por estarem circulando no lugar errado. Esse é o caso de um casal que desaparece no último dia de Carnaval e que obriga Luna (Lorena Corrêa), a filha da mulher, a ir junto com o namorado resgatá-la na cidade de Guarapari. O principal a ser destacado aqui é como Aragão não está preocupado em fazer de qualquer um dos personagens pessoas pelas quais queremos saber de seus passados (mesmo que aqui e ali isso até apareça), mas sim ratificar o universo fantasmagórico do espaço abordado.
A proposta de valorização do espaço fica evidente desde o início do filme, inclusive no antigo vídeo publicitário que vende uma imagem idílica da cidade, mas que é contraditada logo na chegada de Luna no uber, onde ela escuta do motorista sobre como vale tudo na cidade durante o período do veraneio, inclusive ferir a lei, já que a ideia do lucro torna-se mais atrativa quando mais de um milhão de turistas invadem às praias e ruas de Guarapari a transformando numa cidade caótica e insuportável.
O que o edifício Magdalena faz é revelar o aspecto fantasmagórico dessa cidade aparentemente tranquila, a sua face mais obscura. Luna descobre isso logo de cara ao ver o celular do namorado ser roubado na maior cara de pau por um transeunte. A fotografia de Alexandre Barcelos sublinha o lado irreal do lugar, com suas cores diversas, que inspiram o lado fantástico da história, com imagens coloridas e estilísticas que muito lembram a tenebrosa, mas bela, escola de balé de Suspíria (1977), do grande mestre do giallo italiano Dario Argento.
Esse não é um filme que visa desvelar o lado psicológico dos personagens, mas antes transformá-los em um joguete do local, representado com furor pela psicopatia de Dora, a zeladora do prédio, que tem horror aos visitantes esporádicos da cidade. A interpretação de Gilda Nomacce é um dos pontos altos de Prédio Vazio, a frieza que a sua personagem demonstra é crucial para que os absurdos e violências eclodam naturalmente cena a cena. Os fantasmas são visualmente uma atração à parte e um traço inconfundível do trabalho de Rodrigo Aragão, responsável pelas criações das máscaras que traduzem as almas penadas que habitam o prédio.
O estilo gore de Aragão aparece pleno em Prédio Vazio, o sangue e a maquiagem pesada são atributos fáceis dessa trama fantasmagórica. Aragão abusa da cenografia sombria e apela para alguns elementos góticos como segredos revelados do passado; atmosfera artificial e opressiva; e da deformação dos corpos. Mesmo que a imagem do castelo medieval não esteja presente na história do filme, os elementos góticos se fazem presentes a todos o instante. Prédio Vazio valoriza demais a ambiência simbólica do espaço e esboça uma crítica interessante às transformações econômicas que destruíram as vidas de quem vivia nessa cidade onde o mar e a tranquilidade eram as principais qualidades do lugar. A ambição capitalista destrói bem mais do que os espaços, despedaça também as almas das pessoas, tanto as que visitam a cidade quanto as que ali moram.
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