Texto por Marco Fialho
Dentro da geopolítica mundial, nada é tão complexo quanto o Oriente Médio. As constantes movimentações populacionais, as dinâmicas étnicas e religiosas, além das fontes de riquezas minerais que não se resumem somente ao petróleo, fazem dessa região um paiol de pólvoras permanente e perigoso. É nesse campo minado que Quebrando Regras, do diretor Bill Guttentag adentra para narrar uma história de opressão feminina numa pequena região do interior do Afeganistão.
Se pensarmos em Quebrando Regras em sua sinopse, a luta de um grupo de jovens mulheres enfrentando as tradições conservadoras das leis impostas pelo Talibã, tudo é correto e justo, afinal, como ser contra uma obra que contesta o autoritarismo do poder autocrático desse grupo severamente opressor às liberdades individuais das mulheres? Mas será que isso é suficiente para fazer de Quebrando Regras um filme relevante para se discutir o tema?
O maior problema de Quebrando Regras é optar por descrever de maneira simplista e dicotômica uma realidade social mais complexa do que a luta do bem contra o mal. A narrativa é clara em estabelecer de um lado o pensamento retrógrado do Talibã, e do outro, a liberdade representada pela sociedade ocidental, em especial a dos Estados Unidos. Quem dera o mundo fosse assim tão fácil, tendo de um lado os defensores da liberdade e de outro os defensores do atraso. Posto dessa forma, a questão se torna linear e obtusa, pois tudo que se refere aos Estados Unidos é do mundo dos sonhos, enquanto o mundo afegão transpira apenas atraso e pesadelo. Essa construção torna tudo rasteiro, ainda mais agora que o Governo de Donald Trump bombardeou o Irã sem maiores justificativas e nenhuma ameaça precedente que tornasse esse ataque coerente e justo. Me desculpem, não dá mais para ser ingênuo nesse mundo.
Outro viés que Quebrando Regras aborda é o do antagonismo entre desenvolvimento tecnológico e atraso cultural. No roteiro do filme fica evidente o quanto o mundo dos computadores se opõe à sociedade retrógrada afegã e o mais bizarro disso é ver numa das cenas o navegador do Windows sendo aberto como algo simbolicamente mágico e revolucionário, justamente no momento em que as chamadas big techs estão sendo questionadas como controladoras de informação e até de favorecer a propagação de fake news da extrema-direita mundial.
Esses são os principais imbróglios que Quebrando Regras se mete ao narrar a histórias dessas abnegadas moças afegãs. O roteiro foi construído tal como um filme adolescente de Hollywood, com disputas entre jovens em torneios de robótica espalhados pelo mundo. A empreitada das meninas com poucos recursos é financiada por um jovem empresário dos Estados Unidos, um "entusiasta" da valentia e coragem das meninas. Tudo se assemelha a um filme de aventura, repleto de nobreza espirituosa e de luta de indivíduos contra o sistema que impede o expansionismo do mercado consumista midiático tal como o conhecemos no Ocidente.
Não é porque o sistema imposto pelo Talibã seja maléfico (sobretudo para as mulheres, que são francamente desfavorecidas nesse contexto) que a alternativa proposta seja a dos sonhos ou beire ao mundo ideal. Vivemos isso hoje no Irã, onde grupos feministas que lutam contra os aiatolás temem ver o país entregue aos belicosos e intolerantes Estado de Israel e dos Estados Unidos. O que filmes como esse escamoteiam, para poder vender suas falsas promessas de liberdade, é a necessidade dos povos viverem autonomamente, sem os agentes repressores locais e sem a imposição ideológica e econômica das corporações internacionais. O Oriente Médio ficaria melhor sem ambas as forças interesseiras e dominadoras do espírito humano, tanto do atraso ancestral quanto do progressismo consumista e destrutivo do capitalismo. Infelizmente, Quebrando Regras embarca numa aventura repleta de ilusões, que embora pareça ingênua e progressista, soa como mais do mesmo do paraíso artificial que só o cinema hollywoodiano sabe vender, uma típica peça que se usa do feminismo para impor valores de uma força ideológica poderosa e ambiciosa sob a capa de uma suposta liberdade imaginária e mentirosa.

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