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Mostrando postagens de fevereiro, 2025

UM COMPLETO DESCONHECIDO (2024) Dir. James Mangold

Texto por Marco Fialho O principal foco da direção de James Mangold em Um Completo Desconhecido é de entender como um homem se transforma em mito, como se sai de uma vida comum para uma vida de celebridade e como isso impacta a rotina desse artista. Nesse processo se restringe a história artística de Bob Dylan entre os anos 1961 e 1965. Esse é um mérito do filme, o de delimitar uma temporalidade, não pretender dar conta de tudo ou de muito da vida do grande astro da música.  Evidente que a escolha de Timothée Chalamet (que também é um dos produtores executivos do filme) para ser o protagonista foi um ponto a ser considerado pela produção. Se Chalamet a princípio podia não ser um tipo físico ideal, é de saldar à excelência do resultado ao final da projeção, já que no meio do filme sequer pensamos mais em Chalamet, apenas em Bob Dylan. Cantar as canções no filme é outro trabalho refinado do ator, que realmente se entregou ao papel do nascente astro do folk. Mas o melhor do trabalho d...

O REFORMATÓRIO NICKEL (2024) Dir. RaMell Ross

Texto por Marco Fialho O Reformatório Nickel , dirigido por RaMell Ross, é antes de tudo um filme de reparação histórica. Há nele uma força narrativa de grande intensidade. O cinema negro dos Estados Unidos vem sendo uma fonte importante para a reconstrução histórica do país ao resgatar fatos que foram soterrados por uma elite branca, aristocrática e racista. Contudo, analisar O Reformatório Nickel  apenas por um viés político (não que essa perspectiva não seja relevante) não dá conta de sua proposta corajosa e inventiva. A direção de RaMell Ross se revela crucial pelo traço impressionista que consegue imprimir na edificação de uma narrativa calcada na subjetividade de dois personagens negros: Elwood (Ethan Herisse) e Turner (Brandon Wilson), ambos internados no tenebroso reformatório situado na Flórida.  A subjetividade é implementada pela direção de RaMell Ross, em especial pelo uso da câmera, quase sempre posta sob o prisma de Elwood ou de Turner, o que volta e meia provoca...

MEU VERÃO COM GLÓRIA (2024) Dir. Marie Amachoukeli

Texto por Marco Fialho Muito das qualidades de  Meu Verão Com Glória , dirigido por Marie Amachoukeli,   recai sobre a personagem Cleo e o talento precoce da atriz mirim Louise Mauroy-Panzani, com uma interpretação de tirar o fôlego. Ela atua da primeira à última cena como um ímã a nos atrair para a tela. Essa é uma luz que só os grandes atores e atrizes possuem, um tipo especial de magnetismo que perigosamente subjuga a câmera.    O enredo de Meu Verão Com Glória é simples.   Cleo, órfã de mãe, é cuidada pela babá caboverdiana Glória (numa igualmente hipnótica interpretação de Ilça Moreno Zego). Essa dupla vive uma relação de grande intensidade, já que o pai da menina trabalha e não tem tempo para cuidar dela. A direção de Marie Amachoukeli vem carregada por uma rara e fina sensibilidade. O filme basicamente se divide em duas partes: uma primeira em que Glória cuida de Cleo em Paris, e uma segunda, em que Glória volta em definitivo para Cabo Verde para cuidar d...

MÁQUINA DO TEMPO (2024) Dir. Andrew Legge

Texto por Marco Fialho Máquina do Tempo , dirigido por Andrew Legge, não propriamente um filme sobre viagem no tempo, mas sobre se ter informações do futuro a partir de uma máquina, caso de Lola, em que as duas protagonistas, Thom (Stefanie Martini) e Martha (Emma Appleton) inventam uma máquina capaz de interceptar mensagens do futuro. Assim como De Volta Para o Futuro,  a saga de Robert Zemeckis, sabemos o que ocorre quando se criam instrumentos que permitem mudar o rumo da história.  Se a saga oitentista se assentava numa grande ideia de aventura de ficção científica, Máquina do Tempo se pretende um drama histórico de ficção científica. Andrew Legge se apoia na técnica do Found Footage (que simula personagens realizando gravações, as famosas fitas achadas), inclusive com uso de câmeras analógicas na realização que imprimem um realismo vintage impressionante à narrativa, com seu P&B que fala do futuro em um tom do passado.  Bob Dylan e David Bowie, artistas do nosso ...

O BRUTALISTA (2024) Dir. Brady Corbet

Texto por Marco Fialho Cabe começar esclarecendo que brutalismo é um estilo arquitetônico europeu que eclodiu em meados do século XX, por mais que o título possa caber (e cabe!) algum tipo de alusão à brutalidade, esse não é o caso desse estilo arquitetônico, marcado pelo peso do concreto como definidor de uma arte mais sóbria e seca, por isso o nome brutalista se origina na palavra francesa brut .   Porém, cabe salientar o aspecto mais irônico de O Brutalista , filme dirigido por Brady Corbet, está no fato do filme ter a arquitetura como um dos seus componentes imagéticos centrais e apresentar como um dos seus maiores fragilidades cinematográficas uma montagem, a cargo de David Jacso, que não consegue segurar a obra de pé, justamente porque há escolhas que comprometem o alicerce desta obra e que discorreremos nas próximas linhas.     Apesar dos seus 321 minutos de duração, o excesso de personagens e de subtramas colaboram para uma dispersão narrativa. Ficamos s...

QUANDO CHEGA O OUTONO (2024) Dir. François Ozon

Texto por Marco Fialho François Ozon é um diretor que tem um certo prazer em desvelar os mecanismos de ilusão inerente tanto à sociedade quanto à humanidade. Faz os espectadores verem o mundo por ângulos inusitados ou até mesmo inesperados.  Quando Chega o Outono não deixa de ser mais uma obra em que o humor, aqui com boa dose de perfídia, está integrado à narrativa, onde o interior da França esconde mistérios que a grande Paris sequer desconfia. O mais curioso neste filme é como François Ozon debocha do estereótipo da idosa carinhosa e bondosa e faz dos cogumelos algo simbólico na história. Da mesma forma que precisamos conhecer os cogumelos para identificar sua letalidade, o mesmo mecanismo pode ser utilizado para analisarmos os seres humanos. Como identificar os letais? Às vezes, as aparências podem enganar e em Quando Chega o Outono não deixa de ser uma fábula sarcástica sobre o mundo das aparências, de como o parecer pode ser insuficiente.  Ozon gosta dessa brincadeira na...

AS CORES E AMORES DE LORE (2024) Dir. Jorge Bodanzky

Texto por Marco Fialho É bonito como Bodanzky (diretor do extraordinário e lendário  Iracema - Uma Transa Amazônica , de 1975) trata  As Cores e Amores de Lore como algo tão próximo, afetivo e quase familiar. O diretor explicita os meandros da construção do filme, se coloca como narrador, embora assuma ainda uma polifonia ao conferir várias vozes à sua obra. Nela vemos além de sua voz, a voz da própria Lore e a de Carlos, um homem apaixonado de outrora que trocou missivas durante toda a vida com a artista visual. A ideia de Bodanzky partiu da relação que Lore estabeleceu com Rosa Bodanzky, sua mãe, por isso não deixa de ser um filme em homenagem a ela, pois algumas lembranças de Lore (abreviação de Eleonore Koch) esbarram na memória materna e cinema feito assim, costuma deixar marcas indeléveis. A delicadeza de Bodanzky está na narrativa e na própria maneira pela qual o diretor vai dialogando com Lore no decorrer de algumas conversas que travaram durante 5 anos com a artista. ...

ACOMPANHANTE PERFEITA (2024) Dir. Drew Hancock

Texto por Marco Fialho Acompanhante Perfeita poderia ser um novo Blade Runner uma trama que remete aos replicantes do famoso filme de 1986, mas a obra dirigida por Drew Hancock não passa da superficialidade, levanta muitas questões cruciais sobre as relações amorosas dessa segunda década século XXI, em especial, o que certos homens esperam das mulheres. Infelizmente, a trama privilegia mais o thriller do que a discussão em si, mais o entretenimento do que a reflexão. Assim, o que poderia beirar o extraordinário termina em um joguinho de gato e rato, de quem é mais esperto, se os robôs ou os humanos. Acompanhante Perfeita também esbarra no tema da inteligência artificial, se é possível a AI superar o homem, se a máquina pode dar nos dar uma volta. A humanização das máquinas se equipara às discussões levantadas em Blade Runner , embora seu antecessor lhe dê um banho de reflexões filosóficas.  O filme também faz lembrar A.I. , filme de Spielberg, mas ali se pensava a relação amorosa ...

CAPITÃO ASTÚCIA (2023) Dir. Felipe Gontijo

Texto por Marco Fialho Um dos elementos mais interessantes de Capitão Astúcia é a valorização do protagonismo de um personagem da chamada terceira idade e a sua promoção ao valoroso status de super-herói. Mas será que isso por si só consegue fazer desse filme algo sólido enquanto obra artística?  E o fato do seu protagonista ser um ator experiente e de reconhecido valor, também assegura o seu êxito? Capitão Astúcia conta com a presença no elenco do carismático Fernando Teixeira como o super-herói do título, o que de certo salva o filme do fiasco, já que seu carisma ameniza algumas cenas constrangedoras. Outro destaque é a sempre precisa aparição radiosa da atriz Nívea Maria, que infelizmente, fez pouco cinema em sua carreira. Há algo que destoa ambas interpretações do restante do elenco, que não consegue sair do caricatural, pois não possuem a presença sólida dessa dupla já bastante experimentada do nosso audiovisual. Há uma intenção deliberada da direção de fazer com que tudo sej...

OS SAPOS (2023) Dir. Clara Linhart

Texto por Marco Fialho  Logo nas primeiras cenas de Os Sapos , novo filme de Clara Linhart, a primeira referência que me veio à cabeça foi os filmes rurais de Éric Rohmer. Mas a cada nova cena essa impressão só foi se confirmando, com os imbróglios de relacionamento que vão se estabelecendo entre os personagens. Se Rohmer é forte nesse trabalho, nota-se evidentemente as pitadas brasileiras que a diretora vai aqui e ali impingindo à sua obra. Toda a trama é urdida em torno da personagem Paula, com Thalita Carauta magnífica em sua interpretação de uma mulher que chega a um lugar bucólico não nomeado a convite de Marcelo (Pierre Santos), um ex-colega de escola que não via há muitos anos. Os percalços estão estabelecidos desde o princípio, porque era uma festa com ex-colegas que Marcelo cancelou os convites, porém esqueceu de comunicar a Paula, que chega desenganada no local, provocando uma reviravolta no cotidiano de dois casais vizinhos um do outro.  Clara Linhart traça um histó...