Texto por Marco Fialho
Cabe começar esclarecendo que brutalismo é um estilo arquitetônico europeu que eclodiu em meados do século XX, por mais que o título possa caber (e cabe!) algum tipo de alusão à brutalidade, esse não é o caso desse estilo arquitetônico, marcado pelo peso do concreto como definidor de uma arte mais sóbria e seca, por isso o nome brutalista se origina na palavra francesa brut.
Porém, cabe salientar o aspecto mais irônico de O Brutalista, filme dirigido por Brady Corbet, está no fato do filme ter a arquitetura como um dos seus componentes imagéticos centrais e apresentar como um dos seus maiores fragilidades cinematográficas uma montagem, a cargo de David Jacso, que não consegue segurar a obra de pé, justamente porque há escolhas que comprometem o alicerce desta obra e que discorreremos nas próximas linhas.
Apesar dos seus 321 minutos de duração, o excesso de personagens e de subtramas colaboram para uma dispersão narrativa. Ficamos sem saber qual realmente é o foco narrativo a se seguir, de qual destino se quer realmente ancorar. A direção de Brady Corbet se apoia em um roteiro frágil (assinado pelo próprio diretor em parceria com Mona Fastvold), que deixa diversos buracos na história e saltos temporais em demasia que emperram o bom andamento da história. Outro ponto que fica a desejar é a frágil relação que o filme estabelece com a própria arquitetura brutalista, que não chega a ter uma carga simbólica na trama, ainda mais que o estilo arquitetônico está no título.
Na segunda parte do filme entra em cena a personagem Erzsébet (Felicity Jones), esposa do arquiteto Lászlo Roth (Adrien Brody). A dupla de atores funciona bem em cena, demonstram uma química bem interessante, com Felicity Jones muito à vontade na sua personagem, que rouba a cena em todas as suas aparições. Adrien Brody tem um desempenho mais instável, em alguns momentos parece perdido em cena ou um pouco fora do tom. Guy Pearce interpreta o personagem Van Buren, e se revela um dos pontos mais fracos de O Brutalista. Mais do que um problema de personagem, temos aqui um ator com poucos recursos, que não consegue imprimir nuances na sua interpretação. Apesar de Felicity Jones lançar um brilho a mais no filme, é nessa segunda parte que as inconsistências de roteiro e montagem mais aparecem.
Entretanto, o eixo temático de maior incidência em O Brutalista gira em torno das relações profissionais e pessoais de Lászlo, um arquiteto húngaro judeu que foge do domínio soviético em 1947 e vira imigrante nos Estados Unidos, mais precisamente na Filadélfia. Lászlo se relaciona com o primo, depois com o empresário Van Buren e com a esposa que só chega à América anos depois. Mas é com Van Buren e família que Lászlo mais precisa ter contato, chegando a realizar um projeto megalomaníaco do empresário em homenagem à mãe, praticamente de forma gratuita. Acredito que o filme poderia aprofundar mais a relação de submissão de Lászlo frente a Van Buren, pois o resultado fica no meio do caminho. O Brutalista não chega a se consolidar como um épico, embora há uma pretensão a tal por parte da direção.
O Brutalista nem é difícil de se assistir e isso é mais uma crítica do que uma nota elogiosa. Pela temática das relações e pelo uso constante da arquitetura como cenário, caberia umas fricções com o público, uns tensionamentos para tirar o público da área de conforto, o que não acontece. Até as cenas mais "pesadas", como a do estupro, são filmadas de maneira convencional. A direção até consegue mostrar a dose doentia que a família Van Buren tratava seus empregados, o racismo, a xenofobia, a misoginia que estavam sempre presentes nas relações com os subalternos, mas falta um aprofundamento maior para que esses indícios ficassem mais evidentes.
Ao querer ser grandioso demais, O Brutalista deixou escapar os detalhes que poderiam levar o filme para uma consistência cinematográfica maior. Às vezes, menos é mais e não estou a pensar apenas sobre o tempo estendido do filme, mas sobretudo sobre a valorização de elementos cênicos para além das interpretações. O diretor Brady Corbet se utilizou de câmeras VistaVision analógicas, comandadas por Lol Crawley, para poder filmar sem distorções as grandes edificações projetadas por Lászlo, incluindo aí as imensas locações do mármore de Carrara, realmente bonitas de se ver. A trilha musical de Daniel Blumberg reafirma a grandiloquência da proposta imagética, uma pena que o roteiro e a direção não conseguiram acompanhar tal magnitude técnica, nem a eloquência das interpretações.
Como quase todo filme que almeja falar de diferentes épocas, O Brutalista corre riscos naturais dessa proposta alargada no tempo, como apresentar irregularidades entre as partes abordadas, além de soluções que ocorrem em solavancos narrativos. Ao final, fica aquela sensação de que faltou não só informações, mas também uma melhor conexões entre as partes. O filme tinha elementos favoráveis, como o de tratar a difícil vida dos imigrantes nos Estados Unidos, de falar dos reveses humanos de um período histórico de reconstrução do pós segunda guerra e da diáspora dos povos, em especial a dos judeus pelo mundo. O Brutalista não deixa de ser uma experiência interessante, mesmo que ao final fique a sensação de que faltou algo tão sólido quanto a arquitetura brutalista.
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