Texto por Marco Fialho
O principal foco da direção de James Mangold em Um Completo Desconhecido é de entender como um homem se transforma em mito, como se sai de uma vida comum para uma vida de celebridade e como isso impacta a rotina desse artista. Nesse processo se restringe a história artística de Bob Dylan entre os anos 1961 e 1965. Esse é um mérito do filme, o de delimitar uma temporalidade, não pretender dar conta de tudo ou de muito da vida do grande astro da música.
Evidente que a escolha de Timothée Chalamet (que também é um dos produtores executivos do filme) para ser o protagonista foi um ponto a ser considerado pela produção. Se Chalamet a princípio podia não ser um tipo físico ideal, é de saldar à excelência do resultado ao final da projeção, já que no meio do filme sequer pensamos mais em Chalamet, apenas em Bob Dylan. Cantar as canções no filme é outro trabalho refinado do ator, que realmente se entregou ao papel do nascente astro do folk. Mas o melhor do trabalho de Chalamet e Mangold é o de manter o mistério de quem é Bob Dylan, de sua personalidade para além do mito que se formou em torno dele. Não há rotinas a serem exploradas, apenas flashes de sua vida profissional e da obsessão em compor canções.
O trabalho de Mangold é baseado no livro Dylan Goes Eletric!, escrito por Elijah Wald, e surpreende por privilegiar uma reconstrução fina da primeira metade dos anos 1960, inclusive no que tange à imagem, nas texturas fotográficas impressas nas cenas. A vida artística se torna o alvo da direção, enfocando da vida privada apenas o que se relaciona com a vida artística. As relações amorosas são abordadas superficialmente, tanto a mais sólida com Sophie (Elle Fanning) quanto a mais casual, como a que teve com a cantora Joan Baez (Mônica Barbaro), um dos ícones do folk político dos Estados Unidos.
Um Completo Desconhecido gira basicamente em torno da genialidade de Bob Dylan, em especial a sua facilidade de compor canções com letras inteligentes e engajadas politicamente, dentro de um formato musical que flerta com uma visão mais pop. O filme marca bem a difícil vida de quem chega ao estrelato e não consegue mais viver na tranquilidade, sem ser incomodada por alguém.
Ao abordar mais o início da carreira de Bob Dylan, Mangold não se prende muito em picuinhas e foca muito nas canções. Há muita música no filme e uma preocupação de discutir o papel de Bob Dylan dentro da música folk, e por isso o prestigioso Newport Folk Festival, que tinha como objetivo a preservação e a divulgação da música folk tradicional, sem o uso dos instrumentos elétricos, tendo Joan Baez como a maior atração até o surgimento de Dylan em 1961.
Um Completo Desconhecido se sedimenta como um importante registro acerca da música política de Dylan, além de reafirmar o espírito rebelde do compositor/cantor. É muito bonito como o filme sublinha o talento das composições de Dylan, em especial as suas letras brilhantes e profundas. Mangold nos convida a conhecer um Bob Dylan corajoso, determinado a encarar o conservadorismo político dos Estados Unidos e não se acomodar à passividade musical, de ficar reproduzindo eternamente seus primeiros sucessos.
Em vários momentos a emoção toma conta ao ouvirmos músicas de grande apelo estético como Blowin' In The Wind, Knockin' On Heaven's Door, Mr. Tambourine Man, Like a Rolling Stone, Just Like a Woman, entre tantas outras maravilhosas e inacreditáveis que afirmam o valor composicional desse artista fantástico. Se a obra de Dylan clama por justiça e liberdade, o filme de Mangold inspira beleza e esperança por espelhar o talento desse jovem em um início de carreira triunfal. E Chalamet sabe criar um Dylan profundo, charmoso e misterioso, que nos incita sempre a querer conhecer mais e mais sua ilimitada capacidade de fazer canções marcantes. O que vemos em Um Completo Desconhecido é um fluente e delicioso puro suco de Bob Dylan, do mito musical que ele é e sempre foi, afinal, são 140 minutos passando como se fossem 30 minutos.
Para encerrar e a título de curiosidade, o filme termina momentos antes de Bob Dylan lançar o álbum considerado o mais importante de sua carreira, o Highway 61 Revisited, que por um sortilégio do destino, foi lançado oficialmente no dia do meu nascimento, em 30 de agosto de 1965.
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