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MEMÓRIAS DE UM VERÃO (2025) Dir. Charlie McDowell

Texto por Marco Fialho A melhor forma de encarar Memórias de um Verão é abraçar desde as primeiras imagens a sua proposta contemplativa. O diretor Charlie McDowell realiza um filme com altas doses poéticas e nos convida a fazer uma viagem sensorial embalada por uma paisagem deslumbrante e única de uma família que vive em uma pequena casa de madeira em verão quase gélido, em uma região afastada na Finlândia.  O ritmo de Memórias de um Verão beira o subversivo, por nos obrigar a nos despir da agitação na qual vivemos, nesse mundo acelerado que aceitamos a pressa do viver a mil. Confesso que estava sentindo falta de filmes como esse, cujo o ambiente em si nos force como espectador a adentrar em outra vivência do tempo. É cinema em seu estado bruto, diretamente ligado à natureza e deixando que ela dite o nosso ritmo com sua desaceleração. O cinema não só como sintoma da aceleração do mundo contemporâneo, mas capaz de instaurar outras dinâmicas do tempo, calcadas pela lógica do ciclo da...
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ATRAVÉS DO FLUXO (2024) Dir. Hong Sang-soo

Texto por Marco Fialho Através do Fluxo é mais uma obra enigmática e repleta de buracos, em que o diretor sul-coreano Hong Sang-soo dialoga o tempo todo com uma sensação de que alguma coisa está para além do quadro. Sempre temos uma impressão de que falta alguma informação ou algum resíduo de acontecimentos, ou até mesmo que algo de inesperado acontecerá em breve. Logo verificamos que a base de Através do Fluxo é o fluxo das conversas, de como elas vão desenhando novas situações e reflexões. Afinal, essa é a arte de Sang-soo, transformar o banal em preciosidade e algo extremamente humano.    O maior barato do cinema de Sang-soo é a constante busca na sua maneira de filmar e narrar, aparentemente tão igual, mas que marca um diferencial, pois apesar de alguns fatos se repetirem, como as cenas de bebedeiras em volta de uma mesa, os seus filmes revelam sutilezas e detalhes surpreendentes. Para o diretor, o ato de beber é um momento em que abrimos nossas emoções mais verdadeiras. ...

SEXA (2025) Dir. Glória Pires

Texto por Marco Fialho O maior atrativo de Sexa é trazer a novidade de ver a estreia na direção da grande atriz brasileira Glória Pires, uma ícone do nosso cinema e televisão. Ao pensar nessa estreia por trás das câmeras acreditamos ser necessário entender a coerência da carreira dela como uma atriz essencialmente popular, devotada em sua grande maioria dos trabalhos por estabelecer uma relação direta com o público e Sexa foi realizado a partir dessa referência.  Sexa traz essa marca primordial, a de ser um cinema popular, pouco voltado para o campo reflexivo, e inteiramente entregue a um cinema expositivo, onde todas as intenções estão explícitas, não cabendo ao público buscar sentidos ocultos durante a sua fruição. Glória Pires além de diretora também interpreta a protagonista, Bárbara, uma mulher que completa 60 anos e que está em crise com a idade que avança sobre o seu corpo. O maior problema de Sexa é justamente não conseguir sair do banal, das frases feitas e previsíveis. O ...

CAMINHOS PERIGOSOS (1973) Dir. Martin Scorsese

Texto por Marco Fialho Como foi bom rever Caminhos Perigosos hoje, em 2025, quando Martin Scorsese já é um diretor para lá de aclamado e reconhecido por sua imensa identificação com o cinema e por ter dirigido obras fascinantes e referenciais. Caminhos Perigosos é um raro exemplar de um Scorsese antes da consagração, um Scorsese em estado bruto ainda em seu terceiro filme, mas que guarda a crueza do cinema que explodiria mais lapidado logo na obra a seguir, em Táxi Driver . Em Caminhos Perigosos aparece uma busca quase obstinada do diretor por uma verdade estilística tanto por afinar uma unidade visual quanto narrativa para a sua incipiente carreira. Scorsese já era então um dos grandes nomes de um movimento que revolucionou o cinema dos Estados Unidos, a Nova Hollywood (1968/1980), com novos temas, orçamentos baixos e narrativas instigantes, fora da curva do cinema clássico que sedimentou a indústria do país. Por vezes, Caminhos Perigosos parece aqueles documentários do cinema direto...

SORRY, BABY (2025) Dir. Eva Victor

Texto por Marco Fialho Sorry, Baby , chama a atenção para o trabalho da direção cinematográfica de Eva Victor de maneira contundente. Suas escolhas narrativas são muito bem orquestradas, em especial como constrói a personagem Agnes, interpretada por ela mesma, com cenas que vão trazendo a personagem aos poucos para junto do espectador. Esse é um filme com grande lastro humanista ao penetrar na alma de uma personagem de modo bastante especial, sem maiores estardalhaços, mas com profundidade.   Há uma paciência dramatúrgica que é muito interessante de ser observada, de como a personagem de Agnes vai se revelando a si mesma e as diversas situações que moldaram suas atitudes perante a vida. Sorry, Baby talvez seja uma das melhores construções de personagem que assisti nos últimos anos no cinema contemporâneo. Ela surge para nós inicialmente como uma menina tímida do interior, mas aos poucos a mise en scène de Eva Victor revela gradativamente uma personagem forte, quando a princípi...

MORRA, AMOR (2025) Dir. Lynne Ramsay

Texto por Marco Fialho A filmografia de Lynne Ramsay é marcada por filmes com temáticas ousadas ( Você Nunca Esteve Realmente Aqui e Precisamos Falar sobre o Kevin ) e Morra, Amor não é diferente ao oferecer uma visão cruel sobre o período de puerpério da personagem Grace (uma Jennifer Lawrence irreconhecível e brilhante, bem distante de tudo o que fez até então na carreira), que junto com Jackson (Robert Pattinson) vão morar numa casa no interior dos Estados Unidos para iniciar uma vida feliz e tranquila em meio a um ambiente bucólico, sendo este lugar bastante propício para ela deslanchar a sua promissora carreira de escritora. Entretanto,  Morra, Amor não pode ser definido apenas por uma temática única e onipresente. Lynne Ramsay realiza uma obra que lança luz sobre outros temas, como o da viabilidade do casamento na sociedade contemporânea, em especial as expectativas dos homens e mulheres perante a construção de uma relação matrimonial e como estão os papéis dos homens e mulh...

CYCLONE (2025) Dir. Flávia Castro

Texto por Carmela Fialho O filme brasileiro Cyclone , dirigido por Flávia Castro (Diário de Uma Busca e Deslembro), conta com a excelente atuação de Luíza Mariane como protagonista. O projeto nasceu de uma peça onde Luíza já interpretava Cyclone e partiu das poucas informações disponíveis sobre a vida de Miss Cyclone, uma jovem escritora modernista que foi amante de Oswald de Andrade. O roteiro para o cinema foi assinado por Rita Piffer, que incorporou idéias de “O Perfeito Cozinheiro das Almas Deste Mundo”, obra de Oswald de Andrade, e do texto “Neve na Manhã de São Paulo”, de José Roberto Walker, o que trouxe novas nuances para a biografia da escritora modernista.  Na vida real Miss Cyclone morreu jovem com 19 anos, vítima de um mal sucedido aborto de uma gravidez cujo pai era Oswald de Andrade. No filme, Cyclone é uma dramaturga, de origem operária que tem um relacionamento conturbado com um diretor de teatro casado e rico, explorador de suas criativas ideias teatrais e sem lhe...

FOI APENAS UM ACIDENTE (2025) Dir. Jafar Panahi

Texto por Marco Fialho É incrível o poder de Jafar Panahi de mobilizar o público e a crítica. Poucos diretores de cinema brilham tanto quanto seus filmes, mas ele é desses, seu nome precede à obra, que diga-se de passagem é de grande relevância para o cinema mundial. Mesmo que fale a partir de seu território, o Irã dominado pelos teocratas e extremistas islâmicos, sua obra dialoga com todos nós, pela coragem política e criatividade na narrativa. Mas preciso dizer que Foi Apenas um Acidente , vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2025,   não só não me pegou como me incomodou em algumas premissas que abraça.  Tudo começa em um acidente, que está presente no título, quando um homem ao volante atropela fatalmente um cão numa estrada escura. Ele está acompanhado pela esposa grávida e uma criança e fica nervoso ao notar que o carro apresentou um problema mecânico. Nessa parada, um homem o identifica e o persegue até o sequestrar. Essa parte do filme tem uma tensão que pren...

LUMIÈRE, A AVENTURA CONTINUA! (2025) Dir. Thierry Frémaux

Texto por Marco Fialho O maior encanto de Lumière, a Aventura Continua!  é o fato do diretor Thierry Frémaux trabalhar com um material filmado em um tempo em que a atual noção de cinema sequer existia, ou melhor, não se sabia que o invento se transformaria no que conhecemos hoje como cinema, pois a maior ênfase inicial de Auguste e Louis Lumière era propagar a invenção do cinematógrafo, um equipamento capaz de reproduzir imagens em movimento e poder exibi-los em uma tela grande. Funcionários deles levavam o equipamento para ser experimentado e vendido em outros países, tendo esses compradores a obrigação de fazer um filme sobre a sua cidade.  Por isso, uma das tarefas mais prementes deles era levar os cinematógrafos para lugares os mais variados do mundo, da Ásia à América, Da África ao restante da Europa. Thierry Frémaux foca seu filme nos aspectos mais estéticos, temáticos e estilísticos do que os históricos que cercaram a invenção desse equipamento, que a princípio tinha tu...

SONHOS DE TREM (2025) Dir. Clint Bentley

Texto por Marco Fialho Sonhos de Trem é um filme sobre memórias, não só as de Grainier (Joel Edgerton), um lenhador do começo do século XX, mas também a de um país, que só anda para frente, assim como os trens em suas jornadas pelos trilhos. Porque um país não se faz apenas por um discurso, mas também pelo suor de tantos que deram seu sangue e às vezes a própria vida por ele.  As memórias vindas de Sonhos de Trem  são quase sempre melancólicas e evocam sonhos interrompidos. A direção sensível de Clint Bentley explora poeticamente os sonhos americanos dos homens comuns e trabalhadores que ficaram pelo caminho, daqueles que construíram o país e ficaram invisibilizados e esquecidos pelas narrativas oficiais. Grainier representa tantos homens que enfrentaram condições sub-humanas e trabalhos fisicamente extenuantes para construir a infraestrutura do país, como as ferrovias que precisaram de homens como esses lenhadores que derrubavam imensas árvores para que os trilhos desenhassem...