Pular para o conteúdo principal

Postagens

NADA (2024) Dir. Adriano Guimarães

Texto por Carmela Fialho e Marco Fialho O filme Nada , do diretor Adriano Guimarães com as atrizes Bel Kowarick e Denise Stutz, mergulha no universo das doenças contemporâneas causadas pelos avanços tecnológicos relacionados com a questão da memória individual e coletiva. A relação das irmãs Tereza, que mora na fazenda no interior de Goiás e Ana, artista plástica que reside em Brasília, se aprofunda com a doença de Tereza e a predisposição de Ana em ajudar a irmã que não tinha mais convivência desde a juventude, isto é, depois de passados cerca de trinta anos. A ida de Ana para a fazenda, a mergulha no universo das lembranças do passado e descortina mistérios do local, onde com a instalação de uma antena, há cerca de cinco anos, modificou a vida dos moradores. O que a princípio parecia uma vida pacata no campo, vai se revelando durante o filme uma mistura entre realismo fantástico e investigação de Ana sobre os reflexos inesperados dessa tal antena na vida de cada depoente.  A...
Postagens recentes

CLOUD - NUVEM DE VINGANÇA (2024) Dir. Kiyoshi Kurosawa

Texto por Marco Fialho Por trás da aparente superficialidade de Cloud - Nuvem de Vingança , novo filme de Kiyoshi Kurosawa, se esconde uma visão cinematográfica muito cruel acerca do mundo capitalista contemporâneo. A começar pelo título, que faz uma clara alusão às nuvens, lugar responsável pelo etéreo no mundo ilimitado proporcionado pela tecnologia. A palavra cloud também pode se associar ao aspecto sombrio do mundo, que aqui igualmente faz bastante sentido. Kiyoshi abandona as suas famosas análises familiares para adentrar na vida de Yoshii (Masaki Suda) um jovem que trabalha numa fábrica, mas que nas horas vagas revende produtos na internet. O sucesso do rapaz leva ele a pedir demissão, mesmo com o seu chefe o seduzir com contínuas propostas de promoções. Yoshii se junta com Akiko (Kotone Furukawa), sua namorada e vai viver em um bairro no meio do mato, bem afastado de Tóquio. Logo, começa a ser perseguido por intrigas inventadas por colega que quer se associar a ele para um gran...

IRACEMA - UMA TRANSA AMAZÔNICA (1975) Dir. Jorge Bodanzky e Orlando Senna

Texto por Marco Fialho Iracema - Uma Transa Amazônica não deixa de ser uma obra fundadora, apesar de incompreendida e censurada em sua época de lançamento, em plena ditadura militar em 1975, tempo do ilusório lema "Brasil: ame-o ou deixa-o", que inclusive está presente no filme. O relançamento de uma cópia em 4k dessa obra-prima de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, 50 anos depois, só vem reforçar a sua relevância para o nosso cinema, a atualidade temática e narrativa desse que é um filme moderno, sem medo de ousar na forma para que possamos compreender as profundezas da vida brasileira, de um Brasil que poucos conheciam então e que se revela surpreendente por captar as entranhas e os equívocos da ideia de que um desenvolvimento econômico corresponde em igual proporção ao crescimento social humano. Há um esforço, da parte dos diretores, de atualizar a visão romântica no livro de José de Alencar (por isso não se pode crer que o nome Iracema seja casual), dar uma nova feição a rel...

APOCALIPSE NOS TRÓPICOS (2024) Dir. Petra Costa

Texto por Marco Fialho Em Elena  (2012)   e O Olmo e a Gaivota (2014), a diretora Petra Costa inicia sua jornada no campo cinematográfico com documentários que atritam com o universo ficcional e pessoal, duas fronteiras sempre movediças para quem se aventura partir de algum fato relacionado à vida cotidiana. Depois, a diretora adentrou sua experiência em narrativas que se embrenharam pelo documentário político, como Democracia em Vertigem (2019), e agora com Apocalipse nos Trópicos ( 2024).  Só que Petra Costa não se contenta em filmar apenas um documentário político. O que ela faz é inserir, como já fez outros filmes anteriores, sua própria voz em off para falar de sua experiência com os personagens e dissertar como vê cada tema e imagem produzida. O efeito prático desse movimento é um acréscimo significativo de subjetividade a embalar fatos mais do que objetivos, mas reconhecidos por todos os brasileiros que vivenciaram os acontecimentos políticos dos últimos 10 anos d...

FILHOS DO MANGUE (2025) Dir. Eliane Caffé

Texto por Marco Fialho O lançamento de um filme da diretora Eliane Caffé (dos renomados  Narradores de Javé , Kenoma e Era o Hotel Cambridge ) sempre envolve uma expectativa. O seu novo trabalho, Filhos do Mangue talvez seja o seu filme menos empolgante. A ideia não é desinteressante e tão pouco foge da linha de trabalho da diretora. O maior problema do filme, ao meu ver, está na combinação de alguns elementos dramatúrgicos que não dão a liga necessária.  Não é a primeira vez que Eliana Caffé trabalha unindo atores profissionais com personagens vindos de uma determinada realidade. Fez isso com Era o Hotel Cambridge , por exemplo, e o resultado foi dos mais felizes. Em Filhos do Mangue , o componente mais complexo está justamente na escolha de Felipe Camargo como protagonista da trama, que destoa do restante do elenco vindo de uma comunidade que sobrevive dos produtos extraídos do ecossistema de uma região litorânea, que inclui ainda um manguezal.  O roteiro, desenvolvido...

YÕG ÃTAK: MEU PAI, KAIOWÁ (2025) Dir. Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero e Luísa Lanna

Texto por Marco Fialho Confesso o quanto é cada vez mais complexo analisar um filme como Yõg Âtak: Meu Pai, Kaiowá , dirigido por Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero e Luísa Lanna. O cinema realizado por indígenas, mesmo quando em parceria com brancos, vem demonstrando uma faceta cada vez mais própria desde que diversas nações indígenas se apropriaram dos aparatos e equipamentos de filmagem do homem branco para criar uma linguagem audiovisual condizente com as narrativas orais e tradicionais, traços fundamentais dessas culturas ancestrais, povoadas de mitos e saberes perpassados de uma geração a outra durante séculos.  Inclusive, Yõg Ãtak: Meu Pai Kaiowá mexe com questões ligadas à contínua agressão dos costumes ancestrais desferidos pela nossa avassaladora e ambiciosa cultura branca. O que mais se nota nesse filme é o quanto essa cultura vem se deteriorando por meio de uma dispersão territorial contínua dessas nações cada vez mais aculturadas, como se a cada novo filme ...

PONTO OCULTO (2023) Dir. Ayse Polat

Texto por Marco Fialho Ponto Oculto tem um roteiro engenhoso e por isso é daqueles filmes que quando acabam dá vontade de reiniciá-lo de imediato, para que o quebra-cabeça proposto pela diretora alemã-curda Ayse Polat possa ser reconstruído com maior exatidão em nossas cabeças. O grande mérito do filme é como as diversas câmeras que ele nos oferta como narrativa vão se entrecruzando e formando um mosaico de pontos de vistas desafiadores e elucidativos.    Na trama, uma equipe de filmagem alemã realiza um documentário sobre a perseguição sofrida pelos curdos que vivem em cidades remotas na Turquia e que enfrentam as ações ostensivas do JITEM (Serviço Secreto Turco), um braço violento do governo que prende e mata militantes curdos que fazem oposição política ao regime. As câmeras de vídeo do JITEM são utilizadas como uma forma inescrupulosa de vigilância, que chega a escondê-las em vários pontos nos apartamentos de descendentes de curdos, ferindo até a intimidade e a privacidade...

QUEBRANDO REGRAS (2024) Dir. Bill Guttentag

Texto por Marco Fialho Dentro da geopolítica mundial, nada é tão complexo quanto o Oriente Médio. As constantes movimentações populacionais, as dinâmicas étnicas e religiosas, além das fontes de riquezas minerais que não se resumem somente ao petróleo, fazem dessa região um paiol de pólvoras permanente e perigoso. É nesse campo minado que Quebrando Regras , do diretor Bill Guttentag adentra para narrar uma história de opressão feminina numa pequena região do interior do Afeganistão.  Se pensarmos em Quebrando Regras em sua sinopse, a luta de um grupo de jovens mulheres   enfrentando as tradições conservadoras das leis impostas pelo Talibã, tudo é correto e justo, afinal, como ser contra uma obra que contesta o autoritarismo do poder autocrático desse grupo severamente opressor às liberdades individuais das mulheres? Mas será que isso é suficiente para fazer de Quebrando Regras um filme relevante para se discutir o tema?  O maior problema de Quebrando Regras é optar por de...

O GRANDE GOLPE DO LESTE (2024) Dir. Natja Brunckhorst

Texto por Marco Fialho O Grande Golpe do Leste , filme alemão dirigido por Natja Brunckhorst, me lembrou muito a divertida comédia A Parte dos Anjos (2012), do veterano Ken Loach, em especial o espírito rebelde que toma partido da união da classe trabalhadora frente o caos de viver em regimes opressores, independente da ideologia de quem está no poder.  Em O Grande Golpe do Leste , a diretora constrói uma trama fictícia baseada em uma história real, acontecida com um grupo de trabalhadores de um pequeno bairro metalúrgico fabril logo depois da derrubada do Muro de Berlim em 1989. Tudo inicia com a descoberta por esse grupo de um bunker do extinto governo da Alemanha Oriental, onde se guardava as notas de dinheiro recolhidas para a implantação do marco como nova moeda oficial que passa a valer também na parte oriental do país. Natja Brunckhorst realiza tudo com imensa leveza e faz as quase duas horas do filme deslizarem a nossa frente. O melhor de O Grande Golpe do Leste reside no f...

EROS (2024) Dir. Rachel Daisy Ellis

Texto por Marco Fialho Eros , filme pernambucano dirigido por Rachel Daisy Ellis, pode ter muitos atrativos e curiosidades, afinal, o instinto humano de saber o que acontece na intimidade alheia pode ser alvo de muita gente por aí. Mas será que o que vemos em Eros é realmente intimidade? Creio que não e vou partilhar porque não considero possível filmar a intimidade nas condições em que o documentário foi realizado.  Durante boa parte de Eros me reportei ao mestre Eduardo Coutinho e sua máxima de que qualquer pessoa defronte a uma câmera ligada se transforma de imediato e passa a performar, assim como é capaz de reinventar a história da sua vida. Sendo assim, como filmar a intimidade partindo desse viés levantado por Coutinho? A proposta de Ellis de fazer as pessoas se filmarem parte de uma premissa em que teremos de tudo ali filmado, menos a intimidade das relações. Aqui até o explícito parece falso, encenado porque claramente encenado para a câmera. A ideia de adentrar nas entran...